Cintia Magno
As dificuldades de acesso ao mercado de trabalho levam muita gente ao caminho do empreendedorismo, o que também é uma realidade entre a população LGBTQIA+. Há cinco anos, uma feira voltada especialmente para o empreendedorismo LGBTQIA+ reúne até 300 empreendedores em Belém, profissionais e artistas que viram no talento e na habilidade que tinham a oportunidade de gerar renda.
Todas as mudanças e dificuldades geradas pela pandemia da Covid-19 formaram o cenário que fez com que o casal Paula Santos e Leca Marinho dessem o pontapé inicial que resultou na criação da marca ‘Amor e Cor Diversidades’. Paula lembra que, ao se ver desempregada durante a pandemia, ela teve a iniciativa de começar a fazer pinturas à mão em camisas. A ideia deu certo e, desde então, a marca só cresce.
“Trabalhamos com customização e pintura de camisas. Comecei a trabalhar no período da pandemia, quando eu fiquei desempregada. Comecei pintando as camisas que eu tinha em casa mesmo e hoje temos a marca, temos a loja on-line e um ateliê na Terra Firme”, lembra, ao contar que também não abrem mão de participar das feiras.
Ainda que já tivesse passado pela cabeça a ideia de empreender, Paula conta que o que determinou o início da marca foi, realmente, a necessidade vivenciada naquele momento. “O que prevaleceu foi a necessidade mesmo, mas, depois, acabou se tornando uma paixão”, conta Paula, ao lembrar, ainda, que elas também viram uma carência no mercado.
“Sendo um casal gay, nós tínhamos dificuldade de encontrar roupas para a gente em um tecido de qualidade, 100% algodão. A gente usa muito o colorido, as cores da diversidade e a gente até encontrava alguma coisa, mas eram blusas quentes, então, pensamos em fazer algo mais gostoso, em tecido 100% algodão, algo mais artesanal porque as pinturas são feitas todas à mão, o tie-dye também”.
A percepção do casal se concretizou e as peças produzidas pela marca tiveram uma boa aceitação do público, o que levou não apenas a aumentar a produção, como também à criação de novas opções de estampa. “Quando queríamos comprar camisas para a gente, às vezes tínhamos que pedir de fora e o que a gente via muito era a serigrafia, que já demanda várias telas para poder fazer o colorido. Então, optamos pela pintura manual mesmo”, conta Leca. “Inicialmente, era apenas o arco-íris, depois vieram outras estampas”.
O trabalho manual com pintura também levou a designer de interiores, Marcilene Veloso, ao caminho do empreendedorismo. Antes da pandemia, ela trabalhava com móveis planejados, mas a pintura acabou se tornando uma forma de enfrentar o período difícil.
“Com a pandemia, eu acabei entrando em depressão e ansiedade, fiquei um pouco mal e a arte me salvou. Em meio a tudo o que eu vivi, à própria pandemia, ter que ficar sozinha, eu comecei a pintar de novo, algo que eu fazia muito quando era criança e na adolescência e que eu tinha deixado de lado”.
Durante uma viagem, Marcilene pintou dez telas e, escolheu a Feira de Empreendedores LGBTQIA+ para expor o seu trabalho.
“Acho muito importante porque as pessoas que estão de fora podem achar que, hoje, já não existe tanto aquele preconceito contra as pessoas LGBT, mas a gente sabe que tem, se a gente pegar a nossa arte e for expor em outro lugar a gente não é bem visto, tem olhares”, considera. “O que eu acho tão legal daqui é que eu vejo os casais se abraçando, de mãos dadas, se beijando, então, aqui a gente está livre. Todo mundo com respeito, uma diversidade incrível”.
A última edição da Feira de Empreendedores LGBTQIA+ também foi a primeira da professora de história Thamires Monteiro, que mantém um trabalho de artesanato com linhas, a Ponto e Nó, junto com a amiga Jenifer Souza. A possibilidade de empreender não era uma vontade antiga de Thamires, mas a necessidade de complementar a renda acabou levando-a para este caminho.
“A Jenifer faz a parte de bordado com linhas e eu faço a parte de macramê, por isso juntamos a ideia de Ponto e Nó. Eu faço artesanato há três anos, mas agora que comecei a colocar a loja on-line, mídias sociais, a explorar essa venda mesmo. É a primeira vez que eu venho expor em uma feira”.
Thamires conta que soube da feira através de amigas que a convidaram para participar e ela entendeu que seria um ótimo lugar para começar essa venda mais direta. Com a aceitação que os produtos vêm recebendo, ela conta que o empreendedorismo vem recebendo cada vez mais espaço em sua vida.
“Eu sou professora, dou aula, então, empreender nem sempre foi algo que eu tive vontade de fazer. Começou como uma coisa para complementar a renda, mas o artesanato é uma paixão tão grande que foi crescendo e acabou se tornando um projeto principal de vida. Também pela situação de crise econômica e todo o aperto que a gente está passando”.
Já a história de Isabel Afonso com o empreendedorismo iniciou desde que ela chegou a Belém, em 1997. Angolana radicada em Belém, Isabel conta que abraçou o empreendedorismo como uma missão no Brasil e, particularmente, na capital paraense. “Quando aqui cheguei, eu senti a carência da cultura africana, principalmente no cabelo, e pensei no que eu poderia fazer. Então, eu comecei a trançar”, lembra.
A partir desse trabalho, ela conta que chegou a ser convidada pela Fundação Curro Velho para ministrar oficinas nas comunidades quilombolas e hoje ela vê os frutos dos cursos que ministrou.
“Outra coisa que eu sentia carência é nas vestimentas. Nós, em Angola, temos muitas estampas, os tecidos africanos são coloridos, então, eu disse que ia tentar alegrar um pouquinho mais com essa cultura africana. Foi aí que deu o estalo de fazer algumas peças com os tecidos africanos e, graças a Deus, ‘bombou’. Então, hoje eu já faço algumas peças que eu mando para outros Estados, para algumas empreendedoras aqui mesmo de Belém mesmo e vou caminhando”, conta.
“É a terceira vez que participo da feira LGBT e eu acho fundamental e necessário porque há uma carência. Às vezes você tem o produto, mas não sabe como vender”.