Ana Célia Pinheiro
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou pedido do empresário Elton dos Anjos Brandão para suspender o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) sobre o desvio de R$ 261 milhões do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (Iasep) para o Hospital Santa Maria de Ananindeua, do qual Elton é proprietário.
O PIC foi ajuizado pelo Ministério Público do Pará (MPPA), que aponta o empresário como chefe da suposta quadrilha que teria desviado esse dinheiro. O DIÁRIO apurou que o MPPA também teria pedido a inclusão nas investigações do prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos, que foi um dos donos do Santa Maria, por indícios de envolvimento dele no caso. Entre 2014 e 2022, Elton e Daniel foram os únicos donos do hospital. As fraudes teriam ocorrido de 2019 a meados de 2023.
A decisão do STJ é do último 24 de junho e está assinada pelo ministro Rogério Schietti Cruz, o relator do pedido de Elton Brandão àquele tribunal. O ministro se negou a “conhecer” do Habeas Corpus ajuizado pelo empresário. Para que um pedido seja “conhecido” (recebido) pela Justiça, é preciso cumprir determinadas exigências. Se não, ele será rejeitado de pronto, sem que a sua questão central (o “mérito”) seja nem mesmo analisada.
No caso de Elton Brandão, o ministro entendeu que ele não esgotou todas as possibilidades de recurso no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). Em seu artigo 105, inciso II, alínea “a”, a Constituição Federal determina que só se pode recorrer ao STJ após uma decisão final, irrecorrível, do tribunal federal ou estadual no qual estava o processo. Mas o empresário resolveu queimar etapas e partir para o STJ.
Foi assim: a investigação do MPPA sobre o desvio de dinheiro do Iasep começou no início deste ano e tramitava na Vara de Combate ao Crime Organizado. No último 29 de abril, houve uma operação policial de busca e apreensão, para desbaratar a quadrilha, e o juiz também decretou o sequestro dos bens de todos os supostos integrantes dela.
Só que o material apreendido (celulares, computadores, documentos) teria revelado indícios de envolvimento do prefeito Daniel Barbosa Santos nesses crimes. Com isso, a investigação teve de ser transferida para os desembargadores do TJPA, já que prefeitos possuem “foro privilegiado”: só podem ser processados na “segunda instância”, ou seja, nos tribunais.
MEDIDAS
Na “segunda instância”, Elton pediu ao desembargador encarregado do caso (ou seja, o relator) que ele anulasse a investigação e revogasse as medidas decretadas pelo juiz da Vara de Combate ao Crime Organizado, incluindo o sequestro de bens. Mas o desembargador rejeitou os pedidos. Assim, o empresário apresentou um recurso para que a questão seja decidida não mais pelo relator sozinho, mas pelo conjunto dos desembargadores do TJPA. Só que esse recurso ainda não foi julgado. Daí a recusa do ministro Rogério Schietti Cruz de ao menos analisar o Habeas Corpus de Elton.
Nele, o empresário alega, principalmente, que a investigação é nula porque teria sido aberta com base apenas em uma denúncia anônima. Mas o ministro Schietti Cruz salienta, em sua decisão, que essa alegação ainda não foi nem sequer analisada pelo desembargador-relator do TJPA, o que reforça a ideia da queima de etapas, ou “supressão de instância”.
Além disso, enfatizou o ministro, nem mesmo o Habeas Corpus apresentado pelo empresário e seus advogados é o instrumento processual adequado para a questão. É que Elton alegou ser vítima de “coação ilegal”, por causa da decisão do desembargador-relator do TJPA de manter o sequestro de seus bens. Mas o ministro observou que Habeas Corpus diz respeito à liberdade, ao direito de ir e vir, e não a restrições patrimoniais.
No pedido, Elton também alegou que a operação de 29 de abril “não trouxe nada de relevante” contra ele. Também disse que inexistiram requisitos legais para a operação de busca e apreensão e para o sequestro de seus bens. Ele pediu, em caráter “liminar” (imediato), a suspensão do PIC do MPPA, a revogação do sequestro e a devolução dos bens apreendidos na operação policial. No mérito (ou seja, como questão central), requereu a nulidade da portaria de abertura do PIC, com o trancamento das investigações. O Habeas-Corpus é o 920741/PA.
Crescimento acelerado
O Santa Maria nasceu em um prédio antigo, mas virou um edifício de vários andares e um dos maiores hospitais da Região Metropolitana. O seu faturamento saltou de R$ 13,3 milhões, em 2014, para R$ 82,6 milhões, em 2019; e para R$ 156 milhões, em 2022, em valores atualizados. Um crescimento acelerado que coincidiu com a ascensão política de Daniel: ele se elegeu e reelegeu vereador, em 2012 e 2016; elegeu-se deputado, em 2018; presidiu a Alepa, em 2019 e 2020, quando se elegeu prefeito.
Hoje, Daniel e parentes dele possuiriam uma fortuna que pode ultrapassar R$ 50 milhões, entre fazendas, aviões, cavalos de raça e milhares de cabeças de gado, no município de Tomé-Açu. Um desses aviões, um King Air, aliás, foi transferido do Santa Maria para a Agropecuária JD Ltda, que pertence a Daniel, três dias depois da operação policial de 29 de abril, apesar da ordem judicial de sequestro de bens de Elton Brandão e do hospital.
De janeiro de 2013 até o mês passado, tudo o que Daniel ganhou em salários, como político, soma R$ 2,256 milhões, já incluindo o 13º, em um cálculo tendo por base a remuneração atual desses cargos. Para acumular uma fortuna de R$ 50 milhões, ele teria de trabalhar mais de 115 anos com a sua remuneração mais alta, que foi de R$ 33.006,39 mensais, como deputado estadual.