Luiz Octávio Lucas
O Na Estrada é inclusivo e arruma passeio até mesmo para quem vai curtir o verão amazônico somente em Belém. Se você está pela cidade e com pouco tempo pra fazer bate-volta pros balneários bombados da estação, que tal apurar seu olhar sobre a capital paraense? Nossa sugestão vem capitaneada pelo professor de história Jeffrey Rebelo. O educador lembra que a Cidade das Mangueiras também é conhecida pelos seus imponentes palacetes, alguns transformados em museus, e que guardam em seus interiores e fachadas, um pedaço da história chamada Belle Époque, em um recorte temporal que se estende, grosso modo, de 1870 a 1910, na região amazônica.
“É um período no qual o apogeu da exportação do látex financiou o desenvolvimento e o embelezamento urbano das cidades de Belém e Manaus”, conta. A influência arquitetônica veio do outro lado do mundo, a Europa. “A pavimentação das ruas, drenagem de rios e igarapés, iluminação pública e rígidos códigos de postura deveriam aproximar belenenses e manauaras da realidade urbana das grandes metrópoles europeias, principalmente de Paris”, detalha o professor.
Jeffrey nos faz recordar a história de Belém antes de seguir com o roteiro dos palacetes. “O látex, extraído fundamentalmente por nordestinos, que fugiram da seca para cair nas injustiças do sistema de aviamento, era exportado às toneladas, contribuindo para a grande circulação de dinheiro tanto em Belém quanto em Manaus. Aqui, em nossa cidade, o destaque ficou para as medidas administrativas de Antônio Lemos, que entrou para a nossa memória como o grande modelo de gestor municipal”, destaca.
“Foi justamente nessa “bela época”, quando cavalheiros e mademoiselles belenenses exibiam seus costumes europeus, e desfrutavam do bom gosto civilizado nas sessões do moderno Cinema Olímpia e do majestoso Theatro da Paz, que alguns palacetes começaram a ocupar seus lugares no rústico horizonte da cidade”, apresenta.
Nosso modesto roteiro histórico e turístico propõe um passeio por três dos mais conhecidos palacetes de nossa cidade: o Pinho, o Faciola e o Bolonha.
Palacete Pinho
Por uma simples questão de ordem cronológica, começaremos falando do Palacete Pinho, construído em 1897 para abrigar o comendador Antônio José Pinho e sua família. “ Essa suntuosa moradia, de planta em ‘U’, de estilo neoclássico, com um grande jardim na frente e grades ornamentais, foi revestida com azulejos importados da Alemanha”, descreve. “Constituindo uma inovação arquitetônica para a época, esse palacete é um dos grandes símbolos da riqueza produzida durante o ciclo da borracha. Em seus tempos áureos, o palacete abrigou intensa atividade política e cultural. Mas, com a queda das exportações do látex, a situação financeira dos herdeiros foi abalada”, pontua o historiador.
No final da década de 1970, por causa da falta de recursos dos herdeiros, o Palacete Pinho foi leiloado. Os novos proprietários removeram sua decoração interna. Mais tarde, em 1982, ele foi adquirido por uma rede de supermercados, que o utilizou como depósito.
“Em 1986, por causa da sua grande importância histórica, o Palacete Pinho finalmente foi tombado pelo IPHAN. Mas esse tombamento não significou a salvação do velho edifício. Depois de grandes embates judiciais, no ano de 2010 o poder municipal foi obrigado a assumir a responsabilidade em relação ao palacete e, no ano seguinte, as obras de restauração foram concluídas, com uma grande ajuda dos recursos adquiridos via Lei Rouanet”.
Quem desejar ver o Palacete Pinho restaurado, para ter uma ideia do requinte que ele representava no momento de sua construção, basta dar uma volta na Rua Doutor Assis, no bairro da Cidade Velha. Temos certeza que você não ficará imune à sua beleza e elegância.
Palacete Faciola
O segundo de nossa lista, ainda obedecendo à cronologia, é o Palacete Faciola, localizado na esquina da Avenida Nazaré com a Doutor Moraes. “Construído em 1901, para ser a residência do senador e intendente Antônio Almeida Fasciola, em plena época de apogeu da economia gomífera, foi projetado em estilo neoclássico pelo arquiteto paraense José de Castro Figueiredo”, apresenta Jeffrey Rebelo.
O prédio histórico é constituído por dois pavimentos, sendo o primeiro andar formado por uma área social, que incluía saletas, cozinha e dependência de empregados, enquanto o segundo andar era destinado mais ao uso privado, com os quartos para as pessoas da família. “Semelhante ao que costuma acontecer com as construções históricas, o Palacete Faciola sofreu com o abandono e o descaso. O prédio chegou a ficar fechado por 18 anos, até ser agraciado com um projeto de restauração que se estendeu de 2020 até o ano de 2023”, detalha.
Hoje o Faciola chama a atenção de quem passa pela Avenida Nazaré por sua beleza recuperada com o restauro. Dentro dele há espaços dedicados à preservação do acervo, exposições temporárias, educação patrimonial, preservação e fiscalização do patrimônio, além de um auditório para atividades ligadas às manifestações e expressões da cultura material e imaterial do Pará e o Museu da Imagem e do Som (MIS). Uma visita imperdível para turistas e a própria população de Belém.
Palacete Bolonha
Por fim, nossa tríade de construções imponenntes chega ao Palacete Bolonha, localizado na esquina da Avenida Governador José Malcher com a Rua Doutor Moraes. Projetado pelo engenheiro civil Francisco Bolonha, o palacete é mais uma rica herança da arquitetura eclética da Belle Époque.
“Mesclando os estilos art-noveau, neoclássico, gótico e barroco, o edifício começou a ser construído em 1904, mas só ficou pronto em 1909”, conta o historiador Jeffrey Rebelo. Considerada uma construção marcada pelo “exagero decorativo”, o Palacete Bolonha causa deslumbre e admiração a quem tem a oportunidade de adentrar em suas dependências, pois, os vários elementos utilizados em sua arquitetura convivem em harmonia.
“Podemos destacar, além do mosaico da entrada com o aviso ‘cave canem’ – que em latim significa ‘cuidado com o cão’ – a sala de música projetada para Alice Brink, a esposa do engenheiro, que era pianista, e gostava de organizar saraus marcados por música e poesia”, cita.
Além do famoso palacete, Francisco Bolonha também teve participação em outras construções da cidade, pois foi Diretor do Departamento de Obras Públicas da Intendência de Antônio Lemos. Depois da morte do engenheiro, em 1938, o palacete conheceu vários donos, até chegar às mãos do poder público, que providenciou o seu tombamento em 1982, quando estava sob a responsabilidade da Secretaria de Cultura do Estado do Pará.
Hoje é o Museu Bolonha, um espaço de visitação pública e gratuita que visa a difusão do patrimônio histórico e arquitetônico de Belém através de ações educativas e museais.
A visita às três construções históricas com certeza vão enriquecer sua bagagem com muita cultura, beleza e assunto para contar neste verão! “ Os palacetes citados constituem importantes heranças que testemunham um período recente da nossa história, mas que, por vários motivos, corre sério risco de ser esquecido. Preservar o patrimônio histórico significa permitir que a história seja conhecida por quem não teve a oportunidade de vivê-la naquele momento”, defende Rebelo.
“Essa possibilidade não implica em mero saudosismo ou uma romantização do passado, mas um esforço para preservar memórias e estabelecer diálogos entre o que fomos e o que somos, conduzindo-nos para uma reflexão crítica sobre essas mesmas memórias e histórias, de tal modo que um monumento histórico não seja um simples enfeite colocado no meio do caminho, mas sim um objeto de estudo no qual, o conhecimento sobre a cidade implique, também, o conhecimento sobre nós mesmos”, observa.
PARA CONHECER
PALACETE PINHO
O prédio histórico foi construído em 1897, na época do Ciclo da Borracha na Amazônia, e reinaugurado em fevereiro de 2024. Atualmente é a sede da Escola Municipal de Artes.
Endereço: R. Dr. Assis, 586 – Cidade Velha.
PALACETE FACIOLA
Centro Cultural que abriga o Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC), o Museu da Imagem e do Som (MIS) e um auditório multifuncional.
Endereço: Av. Nª Sra. de Nazaré, 138 – Nazaré.
PALACETE BOLONHA
O Museu Bolonha é um espaço de visitação pública e gratuita que visa a difusão do patrimônio histórico e arquitetônico de Belém através de ações educativas e museais.
Endereço: Av. Gov. José Malcher, 295 – Nazaré.