Pará

Igeprev: juiz rejeita possíveis irregularidades em contratos

Giussepp Mendes indicou perícia nos retroativos, que descobriu uma série de erros nesses pagamentos.  FOTO: divulgação
Giussepp Mendes indicou perícia nos retroativos, que descobriu uma série de erros nesses pagamentos. FOTO: divulgação
Giussepp Mendes indicou perícia nos retroativos, que descobriu uma série de erros nesses pagamentos. FOTO: divulgação

Ana Célia Pinheiro

 

O juiz Raimundo Rodrigues Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas, rejeitou a alegação do Sindicato dos Servidores Públicos Estaduais no Município de Belém (SISPEMB) de que haveria irregularidades na contratação do escritório Barcelos, Esteves & Jerônimo Advogados, pelo Instituto de Gestão Previdenciária do Pará (Igeprev), para a realização de perícia jurídico-contábil dos retroativos de pensão por morte que serão pagos pelo instituto. A decisão, do último dia 22, é mais um capítulo de uma batalha judicial de 15 anos entre o Igeprev e o SISPEMB. No centro da disputa estão retroativos que o sindicato calcula em R$ 1,2 bilhão, mas que a perícia afirma serem de apenas R$ 2,3 milhões, ou 500 vezes menos. A bolada de R$ 1,2 bilhão
renderia R$ 114 milhões em honorários ao advogado da entidade.

Os retroativos são de pensões por morte que teriam sido pagas a menos, entre 2002 e 2007, o ano em que o sindicato ajuizou o processo. Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu ganho de causa à entidade e mandou o Igeprev pagar a suposta dívida bilionária. O valor dos retroativos havia sido calculado pelo próprio SISPEMB, e o Igeprev, ao longo de anos, nem sequer apresentou à Justiça cálculos alternativos. Esse R$ 1,2 bilhão só está atualizado até 2018. Com a atualização monetária para 2022 e despesas judiciais, deve ultrapassar R$ 1,5 bilhão. Isso equivale a 25% do fundo previdenciário estadual, através do qual são pagas as pensões e aposentadorias dos mais de 50 mil segurados do Igeprev. Daí que a quitação dessa montanha de dinheiro poderia até comprometer o pagamento desses benefícios.

O caso sofreu uma reviravolta após o ex-auditor geral do Estado, Giussepp Mendes, assumir a Presidência do Igeprev, em meados de 2020. O processo já se encontrava em fase de “execução judicial”, quando é preciso pagar o débito que foi reconhecido pela Justiça, sob pena até de sequestro de bens e bloqueio de contas bancárias. Mesmo assim, ele começou a negociar uma saída. E, em outubro do ano passado, conseguiu o que parecia impossível: o SISPEMB assinou um acordo para uma perícia dos retroativos, para que fosse pactuada a forma de pagamento. O trabalho levaria 90 dias, seria pago pelo Igeprev e poderia contar com uma perita indicada pelo sindicato.

Ainda em outubro, o Igeprev enviou ao juiz os atestados de capacidade técnica do escritório Barcelos, Esteves & Jerônimo Advogados Associados, que pretendia contratar para esse trabalho, bem como dos profissionais que lá atuam. O sindicato concordou com a contratação, elogiou a “capacidade técnica” da empresa e considerou que ela seria de “grande ajuda”, para a solução da disputa judicial. A perícia foi concluída em 16 de maio deste ano, e o resultado impressiona. Segundo ela, apenas 200 pessoas é que têm direito aos retroativos, e não as 936 da listagem do sindicato. Na relação apresentada pela entidade há pessoas já falecidas, ou que obtiveram o pagamento dos retroativos em outros processos, judiciais ou administrativos. Além disso, foram detectados erros de cálculo: pessoas que o sindicato diz que devem receber R$ 100 mil, mas que a perícia afirma que fazem jus a menos de R$ 100,00.

FAKE NEWS

Ainda em maio, o SISMPEB contestou o trabalho. Alegou que o acordo com o Igeprev previa a contratação apenas de um perito, e não de um escritório. Disse que a empresa nem sequer estaria autorizada, pelos órgãos competentes, a realizar perícias contábeis. Afirmou que o trabalho buscou “rediscutir matéria que possui força de coisa julgada”, e que não foram apresentadas provas “para coadunar com a narrativa, rotulada de perícia, embora não passe de mera rotulação sem qualquer semelhança com perícia contábil”. Em sua defesa, o Igeprev lembrou que o sindicato concordou com a perícia e a contratação daquele escritório, e disse que o prazo de impugnação já havia se esgotado. Também requereu que o SISPEMB fosse intimado a se manifestar ponto a ponto sobre o laudo pericial. O juiz Raimundo Rodrigues Santana deu razão ao Igeprev.

“Quanto à impugnação do trabalho pericial desenvolvido, inexiste qualquer irregularidade na contratação do escritório responsável pela sua realização”, escreveu o juiz. Segundo ele, o sindicato foi intimado a se manifestar sobre essa contratação, apesar de o acordo assinado com o Igeprev não prever a necessidade de consentimento da entidade. Assim, disse ele, não é “aceitável”, que o sindicato impugne a contratação daquele escritório apenas porque discorda da conclusão pericial. Por fim, estabeleceu um prazo de 100 dias para que o SISPEMB “apresente manifestação expressa a respeito de cada um dos benefícios de pensão em relação aos quais pretende revisão, impugnando de forma específica os fundamentos e as conclusões adotadas no relatório conclusivo apresentado pelo escritório contratado”.

Segundo o presidente do Igeprev, Giussepp Mendes, o processo também cobrava a atualização das pensões por morte de 3.300 beneficiários, para 100% dos valores recebidos pelos ex-servidores públicos que lhes deixaram tais pensões. A perícia também se debruçou sobre esses casos e o instituto, disse ele, já realizou todas as correções determinadas pela sentença judicial. Ele considerou “importantíssima” a decisão do juiz, no caso dos retroativos, já que vinha sendo alvo até de fake news (notícias falsas), por causa da contratação daquele escritório. “A decisão representa a clara contraposição às meras insatisfações do SISPEMB, em relação ao resultado da perícia, que ensejaram fake news dissimuladamente espalhadas por blogs. É a estampa da verdade dos fatos”, disse ele.

Giussepp enfatizou o compromisso do Igeprev com a proteção dos recursos públicos, ao agir de forma transparente e sempre de acordo com a legislação. Ele destacou o fato de a decisão judicial ter reconhecido “a lisura e regularidade do processo de contratação do escritório e, consequentemente, do trabalho da equipe multidisciplinar, na perícia de quase 3.300 benefícios”. Também observou que a Justiça “não se pauta por meras alegações avulsas e insatisfações: suas conclusões se detém aos fatos e à Lei, o que foi muito bem exposto na decisão”. Segundo ele, “o que prevaleceu nas atitudes do Igeprev foram a eficiência e a governança, tão almejadas pela Administração Pública”.

 

PARA ENTENDER A DISPUTA JUDICIAL

 

l Tudo começou em 2007, quando o SISPEMB ajuizou uma ação de cobrança contra o Igeprev, o sucessor do antigo Ipasep. O sindicato pedia a correção de pensões por morte, já que muitos beneficiários estariam recebendo menos de 70% dos salários dos servidores falecidos. Também pedia o pagamento de diferenças retroativas desses benefícios.

l Na época, o valor da causa ficou em R$ 50 milhões, já com os honorários advocatícios e custas judiciais. Os possíveis beneficiários “imediatamente elegíveis” dos retroativos eram cerca de 950. Mas, ao longo dos anos, as pessoas listadas no processo acabaram chegando a 3.300, devido aos pedidos de correção das pensões.

O Igeprev afirmou que as atualizações e aumentos das pensões estavam de acordo com a Constituição. Alegou que, desde 2002, quando começou a funcionar, todos os pensionistas vinham recebendo integralmente seus benefícios e reajustes. Contestou a inclusão de “abonos salariais”, no cálculo das diferenças supostamente devidas, já que tais verbas seriam transitórias.

l Em abril de 2010, o juiz de primeiro grau condenou o instituto a revisar e atualizar as pensões por morte, segundo o previsto pela Constituição, na época de falecimento do segurado. Também o condenou ao pagamento de diferenças retroativas até o “limite da prescrição”, que, no caso, são os 5 anos anteriores ao ajuizamento do processo.

O Igeprev recorreu, mas perdeu em todas as instâncias: no Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Em setembro de 2015, o acórdão do STJ “transitou em julgado”. Ou seja, já não havia mais recurso possível, e a sentença teria de ser cumprida.

l O sindicato então requereu que o Igeprev apresentasse as fichas funcionais dos segurados falecidos, para que pudesse calcular os retroativos. E concluiu que eles seriam de R$ 1.140.426.154,11 (um bilhão, cento e quarenta milhões, quatrocentos e vinte e seis mil, cento e cinquenta e quatro reais e onze centavos).

l O Igeprev disse que não possuía condições de arcar com essa despesa, porque isso o deixaria sem dinheiro para a sua folha de pagamentos. No entanto, não fez o básico: apresentar, dentro do prazo legal, o seu próprio cálculo dos retroativos, para impugnar, devidamente, o cálculo do sindicato.