Cintia Magno
Quando se considera o contexto da capital paraense nos desdobramentos relacionados ao Golpe de 1964, o historiador Jaime Cuéllar Velarde recorda, ainda, de uma particularidade ocorrida no dia anterior ao 31 de março e que já remetia ao que estaria por vir.
“Em minhas pesquisas sobre o Golpe e Ditadura Civil-Militar, há um esquecido ponto de partida para iniciar aqueles tempos: a fatídica noite dos ‘Lenços Brancos’, em 30 de março daquele ano. Portanto, no Pará o Golpe se explica de forma ‘sui generis’: nem no dia 31 de Março, como preferem os militares; nem 1º de Abril, como preferem os estudiosos tradicionais sobre o tema”.
Segundo o professor, a noite dos ‘Lenços Brancos’ se deu a partir da ação de um grupo de jovens, filhos de fazendeiros da ilha do Marajó, durante o I Seminário Latino Americano de Reforma do Ensino Superior (I SLARDES), realizado na Faculdade de Odontologia, na Praça Batista Campos. “Sob o discurso do anticomunismo, os jovens filhos das oligarquias paraenses regiam palavras de ordem no momento da invasão. Estavam previamente acordados com o Exército, o figurão Coronel Jarbas Passarinho, e a Polícia Militar do Estado, sob comando do Coronel Iran Loureiro”.
O professor explica, ainda, que o plano da repressão ao SLARDES pressupunha que a PM evitasse o uso de violência e prisões somente em quem estivesse com o sinete branco. Como previsto, o fim da reunião foi antecipado, prejudicando os objetivos dos estudantes que pretendiam implementar ações progressistas para o Ensino Superior na América Latina.
O episódio conhecido como a noite dos Lenços Brancos está entre as memórias da economista Dulce Rosa Rocque, que conheceu estudantes que estiveram presentes na ocasião. À época do golpe de 1964, Dulce estava iniciando a faculdade de economia em Belém e apesar de nunca ter tipo nenhum envolvimento político à época, teve amigos que foram presos durante o regime militar.
Ainda na primeira semana após o golpe, ela lembra que alguns amigos do PCB a procuraram para que ela fosse até algumas prisões de Belém para buscar informações sobre quem estava preso. “Eu não sabia nada de política, mas aí começa uma segunda parte da minha vida. Eu morava num casarão na Praça Amazonas, defronte do presídio. Mas eu não sei por que o Partido Comunista se aproximou de mim e perguntou se eu podia ir na 5ª Companhia, que ficava nas Onze Janelas, perguntar se tinham umas pessoas presas lá”, recorda.
“Eu cheguei lá na portaria e perguntaram o que eu estava fazendo lá e eu disse que queria saber se os nossos colegas estavam lá e disseram que não. Os presos iam para lá, eram cadastrados, mas depois eram enviados para o quartel da Gaspar Viana. Falaram que ali não era lugar de mulher e mandaram eu ir para casa”.
A partir de então, Dulce também passou a ser convidada a participar de algumas reuniões do partido, que ela começou a frequentar dizendo à mãe que iria para algum aniversário. Já formada e trabalhando, em 1969 Dulce foi convidada a fazer alguns estudos de pós-graduação na antiga União Soviética. Lá, conheceu um italiano, com quem se casou e foi morar na Itália.
Mesmo distante do Brasil, na Europa, ela encontrou uma maneira de dar a sua contribuição para denunciar o que ocorria no seu país de origem. Cidadã italiana, Dulce conseguia escrever cartas e recolher assinaturas que eram enviadas para o Brasil para demonstrar que eles tinham informações do que se passava no Brasil. Em decorrência dessa atuação, a partir de meados de 1974, ela descobriu que suas fotos e informações constavam em todos os portos e fronteiras do Brasil como sendo procurada. Foi quando teve início oficialmente o seu exílio, apenas uma das consequências sofridas por pessoas que ousavam se contrapor ao regime militar instalado no Brasil à época. “Eu só consegui retornar para o Brasil depois de quase 10 anos, em 1979”.