Irlaine Nóbrega
“Quem quiser ser doutor tem que passar pelo bairro do Guamá“. O mais habitado bairro de Belém, o Guamá tem uma forte identidade sociocultural. Cercado e atravessado pelo rio Guamá e o igarapé do Tucunduba, o bairro foi povoado no século passado por trabalhadores que se organizavam em moradias acessíveis. É lá que estão sediadas instituições referência em educação, saúde e opções de lazer.
A história do bairro do Guamá teve início no século XVIII, quando foi inaugurado o “Asylo do Tucunduba”, posteriormente nomeado “Hospício dos Lázaros”. Era um asilo para o tratamento de pessoas com hanseníase em local afastado dos bairros mais centrais de Belém. Lá os pacientes encontravam péssimas condições de cuidado e ficavam misturados aos pacientes com doenças mentais. O local foi desativado em 1887.
Anos depois, durante a economia da borracha, no século XX, nordestinos chegavam em Belém por São Brás. Era no bairro do Guamá que eles tinham fácil acesso a moradias mais simples. A formação do bairro também foi acompanhada por três cemitérios: um “campo santo” próximo ao Asylo do Tucunduba, o cemitério de Santa Izabel e o cemitério da Ordem Terceira de São Francisco, localizado em frente ao Santa Izabel.
Atualmente, o Guamá é considerado o bairro mais populoso de Belém, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São quase 300 mil habitantes e um pouco mais de 104 mil domicílios, sendo 89.123 domicílios particulares ocupados, uma média de 3,18 moradores por endereço.
O expressivo número populacional se traduz na multidiversidade de vivências no bairro, que já passou por várias transformações ao longo dos anos. A cabeleireira Maria Farias, 64, presenciou as mudanças no bairro desde que chegou a passagem Monte Serrat, aos oito anos, quando a rua ainda era feita de pontes que ficam sobre um terreno alagado.
“Aqui era diferente. Onde eu morava era tudo ponte, não existia asfalto. Na Bernardo Sayão era só uma vala de um lado e do outro. Lá do outro lado tinha um porto de embarque, os navios encostavam e eu sempre ia passear com a minha irmã. Agora está bonito, tudo asfaltado. Só não está mais bonito porque a cidade toda está cheia de lixo”, conta Maria.
Apesar do cenário, a autônoma sempre morou no bairro e garante que não troca por outro. “Eu gosto muito de morar aqui. É tudo perto, tem médico, feira, farmácias, lojas, supermercados, está crescendo bastante para cá. Tem gente que diz que aqui é perigoso, já foi, agora não é mais. Ainda fizeram essa Usina da Paz que está sendo muito útil para os moradores que estavam precisando de um espaço para se consultar, para esporte, lazer. Tem muitas coisas boas”, relata.
Também fica no Guamá a passagem Pedreirinha, conhecida pelo forte histórico cultural e religioso. Por lá, encontra-se a sede da Escola de Samba Bole-Bole e do bloco carnavalesco Mexe-Mexe, grupos folclóricos de Boi-Bumbá e o centenário Terreiro de Mina Dois Irmãos, tombado pelo Departamento de Patrimônio do Pará (DPHAC), em 2010.
A influência cultural já foi retratada nos versos de “Bilhete do Nazo” e “Realeza do Guamá”, músicas compostas pelos músicos Ronaldo Silva, Toni Soares e Junior Soares para o Arraial do Pavulagem. Nelas, o boi Malhadinho, natural do bairro, aparece como símbolo de resistência da cultura de Boi-Bumbá, na cidade de Belém.
O aposentado Nelson Correa, 60, nasceu e se criou na passagem Pedreirinha. Filho de Elza Correa, ele tem consigo a veia cultural herdada da mãe, que organizava os festejos de São Pedro e São Paulo na rua. Por isso, em época de São João, ele sempre se envolve nos preparativos da festa tradicional realizada pelos moradores, que mantém as tradições das brincadeiras e comidas juninas, como o aluá e o mingau de milho.
“A Pedreirinha é a rua mais cultural e folclórica de Belém. É muito bom morar aqui, é uma rua divertida, muito alegre. Nós somos muito unidos, um vizinho ajuda o outro. Aqui a gente ainda mantém a tradição de fazer festa de São João com as brincadeiras. Eu sinto orgulho de morar aqui, sempre digo que eu sou do Guamá. É aqui que eu sou feliz”, afirma Nelson.
A melhor, maior e mais conceituada universidade da região Norte e de toda Amazônia tem campus no Guamá. Com mais de 65 anos de atuação, a Universidade Federal do Pará (UFPA) possui mais de 150 cursos e uma população de cerca de 50 mil alunos de graduação, pós-graduação e educação básica, técnica e tecnológica. É um dos principais espaços de fomento à pesquisa científica e a projetos de extensão, as principais ferramentas de formação de conhecimento e transformação de realidade.
Abriga, além das Escolas de Aplicação, Música, Teatro e Música, dois Hospitais Universitários: o Bettina Ferro de Souza e o João de Barros Barreto. O primeiro é referência estadual em otorrinolaringologia, oftalmologia e desenvolvimento e crescimento infantil, enquanto o segundo trata, principalmente, doenças infectocontagiosas.
Moradora do município de Bonito, interior do Pará, Paula Nascimento traz o filho à capital do estado para fazer tratamento no Bettina Ferro. Foi no hospital que ela recebeu auxílio para terapias destinadas a pessoas surdas, as quais o rapaz realiza durante 23 anos.
“Onde eu moro, eles mandam fazer o tratamento para cá porque esse hospital é referência. O atendimento dele sempre foi ótimo, sempre fomos bem atendidos, tudo o que meu filho precisou eu fiz por aqui. Tem muita gente que também faz tratamento aqui, é muita demanda”, conta a técnica em enfermagem.