Pessoas com Síndrome de Down ainda buscam liberdade e oportunidades

Renata Leite da Mota, 45 anos, com a filha Kauane Leite da Mota, 21 anos, estudante. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.
Renata Leite da Mota, 45 anos, com a filha Kauane Leite da Mota, 21 anos, estudante. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Cintia Magno

A compreensão de que cada pessoa tem a sua identidade individual, interesses pessoais, gostos e desgostos, dons e talentos próprios não é uma novidade, mas quando se trata de pessoas com deficiência, esse entendimento ainda é prejudicado pelo estabelecimento de ideias pré-definidas que as pessoas têm sobre como alguém é. Não à toa, o ‘Fim dos Estereótipos’ é o tema da campanha internacional em alusão ao Dia Mundial da Síndrome de Down, celebrado neste dia 21 de março. Oficialmente reconhecida pelas Nações Unidas, a data busca reforçar a luta para que as pessoas com Síndrome de Down tenham as mesmas liberdades e oportunidades.

Nos perfis que mantém nas redes sociais, a estudante Dafne Cristina Batista Ávila, 20 anos, divide com seus seguidores um pouco do seu gosto pela dança, especialmente as coreografias que tomam os aplicativos de vídeos curtos. Apesar desta e de outras atividades serem tão comuns na vida de uma jovem de 20 anos, quando protagonizada por uma pessoa com Síndrome de Down, ainda causam surpresa em parte da sociedade, uma barreira que precisa ser vencida. “Eu gosto de dançar. Faço vídeos para o Youtube, para o Instagram e para o Tiktok”, conta a estudante, ao apontar que as músicas que mais gosta de dançar são as do cantor baiano Leo Santana.

Amiga de Dafne, a também estudante Kauane Leite da Mota, 21 anos, compartilha o interesse pela dança, mas, além de bailarina, também se divide entre as atividades como atriz e atleta de atletismo. Interesses que foram despertados na jovem e que são incentivados pela sua mãe, Renata Leite da Mota, 45 anos. “A minha filha é atleta, bailarina, atriz, faz parte do teatro da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais em Belém)”, diz, orgulhosa. “Inclusive, ela já viajou sem a minha presença, com os professores da APAE, ela foi com a equipe de atletismo para Marabá, e eu fiquei muito orgulhosa quando ela voltou de lá porque a autogestão dela foi maravilhosa, o comportamento, a independência. Ela ganhou em segundo lugar e eu fiquei muito emocionada”.

Apesar das conquistas acumuladas pela filha e que tanto a orgulham, Renata observa que não apenas as pessoas com Síndrome de Down, mas as pessoas com deficiência em geral, ainda enfrentam muitas barreiras para que possam seguir as suas preferências e interesses pessoais. “Eu acho que ainda tem uma barreira muito grande, muita gente ainda acha que eles tinham que ficar dentro de casa, que eles não têm direito de ir e vir, que eles não socializam bem pela falta da comunicação, que não é 100%, mas eles se expressam, se comunicam bem, e são capazes de fazer tudo”, pontua. “Os pais precisam ver esse lado também e colocar os seus filhos em uma instituição que vai fazer com que eles sejam vistos”.

CAMPANHA

A necessária quebra de estereótipos contra as pessoas com deficiência são a chave, inclusive, para que elas possam ocupar todos os espaços que lhes são de direito. A partir de uma inquietação observada ao longo do trabalho desenvolvido junto às pessoas com deficiência, a APAE Belém decidiu concentrar a programação em alusão ao Dia Mundial da Síndrome de Down de 2024 com a campanha ‘Ocupando Todos os Espaços’. A assistente social da APAE Belém, Ana Carolina Salomão, aponta que o lema principal da instituição, hoje, é o desenvolvimento de habilidades, a garantia do protagonismo, da autonomia e da potencialidade da pessoa com deficiência. “Nós precisamos romper com os muros institucionais e o isolamento social, então, nós precisamos proporcionar espaços sociais inclusivos e que a sociedade possa somar com isso e garantir esse direito. É a sociedade como um todo que precisa se mobilizar para que os direitos sejam garantidos”.

Ana Carolina conta que desde o ano passado a equipe da APAE Belém vinha fazendo uma análise e se questionando o que poderia fazer para romper essas muralhas para que as pessoas com deficiência possam, cada vez mais, ocupar espaços. A partir daí, surgiu a ideia da campanha que promove a ida de jovens atendidos pela APAE a diferentes espaços sociais. “A gente realizou uma pesquisa interna e muitos dos nossos usuários não sabem o que é praia, não sabem o que é um igarapé, que é tão característico da nossa região, nunca foram no Combu, nunca foram no shopping, no cinema. Esses são espaços de direito da pessoa com deficiência, então, precisamos começar a trabalhar esse protagonismo, essa autonomia e o empoderamento da família para que a família comece a assumir também isso e a gente possa fortalecer esses vínculos”.

Em decorrência do preconceito que é enraizado em toda a sociedade e também pela própria preocupação com as possíveis violências que o filho ou a filha possam vir a sentir, muitas vezes essa limitação dos espaços ocupados pelas pessoas com deficiência iniciam dentro de casa. “Esse ano a nossa proposta é mobilizar cada vez mais a sociedade a romper muralhas, romper barreiras e ocupar. Nós vamos a academia, shopping, viemos hoje na delegacia e futuramente nós vamos visitar os conselhos de direito, o Ministério Público, entre outros espaços”.

PROTEÇÃO

Na última terça-feira (19), o espaço visitado por usuários atendidos pela APAE Belém foi a recém-inaugurada Delegacia de Proteção à Pessoa com Deficiência da Polícia Civil do Estado do Pará. Mais do que um local que se deva recorrer diante de uma situação de violação de direitos, a delegacia também se colocou como um espaço de promoção da prevenção.

“Estamos aproveitando a Semana de Conscientização sobre a Síndrome de Down para conversar um pouco, trazer as famílias aqui e conhecer as demandas, transmitir conteúdo como, por exemplo, quais são os seus direitos, o que é crime e o que não é, porque muitas pessoas se beneficiam do desconhecimento das pessoas sobre os seus direitos para poder infringi-los, então, a partir do momento que eles conhecem, eles se empoderam e conseguem afirmar os seus direitos”, destacou Guilherme Gonçalves, delegado titular da Delegacia de Proteção à Pessoa com Deficiência da Polícia Civil.

“É uma questão de ocupar os espaços, então é mudar daquele paradigma de exclusão, de segregação da pessoa com deficiência que antes, era uma visão médica, se entendia que a pessoa com deficiência tinha que ficar trancada em casa, que não podia participar da sociedade, que ela era coitadinha, o anjinho, a eterna criança, mas hoje não mais. Hoje, o que se quer é que eles ocupem os espaços para que possam estar juntos em qualquer lugar. Esse é o foco de uma série de eventos que a gente vai fazer, a partir de agora, com a Delegacia de Proteção à Pessoa com Deficiência”.

A Delegacia de Proteção à Pessoa com Deficiência da Polícia Civil do Pará está em atividade desde setembro deste ano e funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, na Rua Domingos Marreiros, nº 2019, no bairro de Fátima. A delegacia atende a toda a Região Metropolitana de Belém.

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