Cintia Magno
Entre as obras de infraestrutura urbana previstas pelo Governo do Estado do Pará para a capital paraense, Belém pode receber a implantação de parques lineares no decorrer dos canais das avenidas Tamandaré e Visconde de Souza Franco. O conceito, reeditado de maneira pioneira no Brasil ainda no início do XX, faz referência a uma intervenção urbanística que busca reproduzir um fenômeno que ocorre naturalmente no entorno de rios, lagos e lagoas.
Mais do que um recurso visual agradável para os centros urbanos, os chamados parques lineares urbanos se configuram como áreas multifuncionais, na medida em que apresentam funções sanitárias, ecológicas e sociais.
O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenador local do Observatório das Metrópoles – Núcleo Belém e membro da coordenação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Juliano Pamplona Ximenes Ponte, explica que o parque linear é uma reprodução do fenômeno natural que se caracteriza pela deposição de certos sedimentos, como terra e folhas, e pelo acúmulo de certos tipos de vegetação, como gramas e arbustos, nas margens de rios.
“No Paisagismo resolveu-se observar este fenômeno e, ao entendê-lo ecologicamente, tentar reproduzi-lo nas cidades. O que hoje chamamos de parque linear é, portanto, uma forma projetada, concebida por profissionais (urbanistas, paisagistas, biólogos, agrônomos, engenheiros) para atingir certos efeitos que aquelas formas naturais conseguiam”.
Nesse sentido, o arquiteto e urbanista esclarece que a implantação dos parques lineares se configura a partir da criação de uma faixa permeável e pouco inclinada em torno desses corpos de água nas cidades, locais que geralmente são cercados por prédios e por pavimentos impermeáveis, que não possibilitam a absorção da água da chuva, como asfaltos, concreto, pedra. “Assim, o parque linear seria o que chamamos de dispositivo de infraestrutura verde, porque é baseado em vegetação e de certo modo imita o que vemos em bosques e florestas”.
Entre os benefícios possibilitados por essa faixa verde no entorno de rios e lagos está, portanto, a absorção natural de água da chuva, permitindo a infiltração natural da água de subida da maré do rio que o parque margeia. Mas o professor reforça que, para que esses e outros efeitos benéficos sejam alcançados, os parques lineares precisam atender a algumas características básicas.
“Um parque linear precisa, obrigatoriamente, estar ligado a outras obras e dispositivos na sua área de influência de inundações e alagamentos, que é a área de influência de um rio (ou canal, como passamos a chamar alguns deles); essa área de influência é o que chamamos de bacia hidrográfica”, explica. “Basicamente uma bacia hidrográfica é um “buraco” extenso e nem sempre muito perceptível pela população, recortado por rios e lagos que se influenciam mutuamente, quando a maré sobe, ela sobe em todo aquele território, por exemplo”.
Dessa forma, Juliano considera que os parques lineares devem ser pensados para estar ligados – por tubos ou canaletas, superficiais ou enterrados – a outras obras, como faixas verdes rasgadas continuamente ao redor de quarteirões inteiros, com grama e plantas baixas como arbustos ou árvores pequenas. Outro exemplo citado por ele é a criação de tanques com vegetação nas cidades, podendo ser pequenos ou grandes.
“Os pequenos em geral chamamos de jardins de chuva, são preenchidos com seixo, cascalho, areia, argila e terra fértil e grama com arbustos. Ficam em áreas térreas ao ar livre em um edifício ou entre edifícios. Os tanques grandes em geral chamamos de alagado construído, de bacia de retenção, lagoa pluvial, há variações, mas basicamente é um lago artificial, com peixe, com vegetação nativa nas margens, que serve para receber o excesso de alagamento da cidade, para que o lago fique repleto, mas a cidade, em suas áreas mais altas, seja poupada”, esclarece.
“Todos esses elementos precisam existir e funcionar ao mesmo tempo e ser interligados por tubos, canaletas e não apenas termos o parque linear recebendo o acúmulo das águas de chuva desde as terras mais altas da bacia, escoando de modo rápido e destrutivo até chegar no ponto mais baixo, que é a beira do rio”.
PARQUES LINEARES PELO BRASIL
No Brasil e no mundo existem exemplos de parques lineares urbanos. O arquiteto e urbanista Juliano Pamplona Ximenes Ponte destaca, porém, que infelizmente a maioria deles apresenta uma postura mais “cosmética”, sem intervir de modo mais integrado e distribuído na região de influência toda, ou seja, na bacia hidrográfica. “Essa revisão só tem ocorrido mais recentemente”. De todo modo, entre os exemplos brasileiros, destacam-se:
*Parques lineares municipais de Curitiba
A capital paranaense, Curitiba, possui alguns exemplos de parques lineares urbanos.
O Parque Linear Yberê fica às margens do Rio Barigui, na região Sul da capital. Com uma área de 238.105 metros quadrados, mais da metade dela está reservada à preservação da mata ciliar existente, vegetação nativa e característica da Floresta Araucária.
O Parque Cajuru, localizado às margens do Rio Atuba, conta com estrutura de esporte e lazer. Na área de 104.000 metros quadrados, além da vegetação, estão instalados equipamentos como anfiteatro, campo oficial de futebol com grama, vestiário, pista de patinação, mesas de jogos, pontes de madeira.
Em uma área menor, de 43.000 metros quadrados, o Parque Linear Municipal Mairi também conta com equipamentos de lazer, com playground, com brinquedos inclusivos, concha de futebol de areia, etc.
Já o Parque Linear Municipal Mané Garrincha fica ao longo de outro trecho do Rio Barigui, na Cidade Industrial de Curitiba – CIC, com 120.000 metros quadrados, e equipamentos de lazer e esporte.
*Parques lineares de São Paulo
O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), Juliano Pamplona Ximenes Ponte, aponta que foi no Estado de São Paulo que a ideia de parques lineares foi reeditada de modo pioneiro no Brasil, pelos projetos do engenheiro Saturnino de Brito, na cidade litorânea de Santos, ainda no começo do século XX. Ao todo, de acordo com a Prefeitura de São Paulo, o município conta com 23 parques lineares. Entre eles estão:
O Parque Linear Tiquatira – Eng. Werner Eugênio Zulauf é considerado o primeiro parque linear da cidade de São Paulo, sendo implantado ao longo do Córrego Tiquatira e possuindo uma extensão de mais de três quilômetros. Além da área verde, o parque também conta com pista de cooper e caminhada, skate e bicicross, quiosques com mesas e bancos, quadra poliesportiva, quadra de areia, playground, campo de futebol, áreas de convivência e anfiteatro aberto.
O Parque Linear Parelheiros, criado em 2007, tem área de 18.076 metros quadrados que conta com espaço para caminhadas, campo de futebol de areia, playground e fonte de água potável. O parque possui mina de água que forma o riacho que deságua na represa de Guarapiranga.
O Parque Linear Rapadura foi implantado em 2008 com o objetivo de qualificar áreas de preservação do Córrego Rapadura, afluente do Rio Aricanduva, e possui intervenções de contenção da margem do córrego. Em uma área de 63.224 metros quadrados, o parque também possui quadras poliesportivas, pista de skate, equipamentos de ginástica, banheiros, rampa de acesso ao parque e áreas de circulação acessíveis.
Fontes: Prefeitura Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de São Paulo.
Sugestão de microformato:
BENEFÍCIOS
Alguns benefícios dos parques lineares urbanos
*Permitir absorção natural da água de chuva em sua superfície;
*Permitir a infiltração natural da água de subida da maré do rio que o parque margeia, circunda (e mesmo que não seja um rio com influência de maré, ele subirá de nível quando chover);
*Garantir que, por meio das raízes das gramas e dos arbustos (e às vezes de árvores pequenas ou até médias), não haja erosão do solo, o que cria desmoronamentos, compromete os pavimentos e as edificações;
*Permite uma depuração, uma filtragem parcial, preliminar de poluentes que vêm misturados à enxurrada, à água de chuva sobre os pavimentos impermeáveis da cidade;
*Toleram alagamento temporário, poupando áreas mais altas do terreno, em que as pessoas moram, trabalham, vivem, estudam.
MULTIFUNCIONAL
Os parques lineares são considerados áreas multifuncionais dentro do espaço urbano, na medida em que, ao mesmo tempo, são intervenções com funções:
*Sanitárias: depurar, escoar a água;
*Ecológicas: por permitir interação entre fauna e flora e melhorar a troca de calor e umidade, amenizando o microclima urbano;
*Sociais: ao criarem espaço de convivência, interação social e oportunidades econômicas de comércio e serviços.
Fonte: Juliano Pamplona Ximenes Ponte, arquiteto e urbanista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenador local do Observatório das Metrópoles – Núcleo Belém e membro da coordenação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas).