Se há um elemento que praticamente inexiste na filmografia dos Trapalhões é a lógica. E não, isto não é um demérito. Pelo contrário. É exatamente dessa ausência de sentido que nascem as mais loucas e divertidas aventuras do grupo capitaneado por Renato Aragão. É um mundo em que tudo pode acontecer, regido pelo caos, que permite, por exemplo, unir em um único filme ciganos, beduínos, ninjas tuaregs, um gigante, uma tribo africana e uma bruxa que me deu pesadelos na infância. Esta preciosidade é “O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão”.
Não é o melhor filme do famoso quarteto – que aqui ainda era trio, sem Zacarias -, mas, certamente, é um dos mais marcantes. Basta dizer que a produção, lançada em 1977, é a de maior sucesso comercial dos Trapalhões e, mais do que isso, estava, até o ano passado, entre as dez maiores bilheterias da história do cinema brasileiro. Hoje ocupa o 11º lugar no ranking. Foram aproximadamente 5,8 milhões de espectadores. E qual o segredo? Ora, extrapolar os limites, pular corda com a linha do absurdo e, claro, despejar sobre o público todo o carisma do seu elenco.
Renato não é Didi, é Pilo; Dedé é Duka; Mussum é Fumaça. Eles são três trambiqueiros que simulam brigas em várias cidades enquanto ganham dinheiro com apostas. Em uma dessas apresentações, Glorinha (Monique Lafond) os observa e, tomando-os por homens valentes, pede ajuda para encontrar o seu pai, um arqueólogo que sumiu quando estava à procura do tesouro do Rei Salomão. A trupe ainda conta com um mocinho, para rivalizar pela mocinha com Pilo, e com os animais: a égua Jurubeba e o cachorrinho Lupa, o Lupércio. A única pista que Glória possui é um medalhão, que passa a ser cobiçado por toda a sorte de vilões.
O filme, dirigido por J.B. Tanko, colaborador habitual dos Trapalhões, é muito claro em sua proposta de apostar em um humor ágil, dividindo-se entre a língua ferina dos personagens e a sua fisicalidade. A essência é totalmente circense. Exagera-se em tudo. Nas lutas, nas gags visuais e nas piadocas. É uma bagunça com direito até a cenas soltas, que vão do nada a lugar algum. Visto com olhos experimentados, o filme pode, sim, ser cansativo. No entanto, revirando fundo minhas memórias, eu lhes digo: nada disso importa para o público-alvo, que é, óbvio, o infantil. Portanto, a ordem, em caso de uma revisão do filme – ou se você o assistir pela primeira vez -, é lembrar-se que para as crianças a coerência é apenas um detalhe insignificante diante do poder da imaginação e da fantasia.
Seguindo essa regra, você pode se surpreender com o fato de a bruxa Zuluma (Vera Setta) lhe causar arrepios genuínos. Especialmente na cena em que se disfarça de Glorinha para enganar Pilo em um voo de vassoura; ou, simplesmente, quando ela dá uma de suas risadas maquiavélicas. Ah, você também pode convenientemente esquecer que os personagens deveriam morrer ao atravessar a “ponte da vida e da morte” e, em vez disso, se encantar profundamente com eles tornando-se crianças e idosos.
Mas a prova final, aquela que vai dizer, sem sombra de dúvida, se a magia de “O Trapalhão e as Minas do Rei Salomão” lhe pegou de jeito, está reservada para os instantes finais. Uma cena emocionante envolvendo Pilo e o seu cachorrinho, que, posso garantir, marcou uma geração inteira. Se não é o seu caso, lamento, mas não o culpo. Apenas evoco a sabedoria de “O Pequeno Príncipe”: “E nenhuma pessoa grande jamais entenderá que isso possa ter tanta importância”. Mas, se por outro lado, você consegue enxergar a jiboia que engole o elefante, bom, então talvez você queira desbravar este e outros filmes do catálogo dos Trapalhões, que voltou na última semana ao streaming. Divirtam-se!
Onde assistir aos filmes dos Trapalhões
- “O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão” e outros títulos estão disponíveis para streaming no Amazon Prime Video.
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