TERROR

“Torso”: o elo definitivo entre giallo e slasher 

“Torso”, de 1973, é um filme desconfortável e chocante, com uma importância fundamental para o cinema de horror.

"Torso", de 1973, dirigido por Sergio Martino - Foto: Divulgação
"Torso", de 1973, dirigido por Sergio Martino - Foto: Divulgação

O título em italiano é um primor, praticamente um boletim de ocorrência escrito com o sangue das vítimas: “Os corpos apresentam traços de violência carnal”. Ele traz, em princípio, um requinte de crueldade, um exagero linguístico que evoca a própria tradição dos giallos. Por outro lado, a sua construção é mais direta e, dessa forma, casa melhor com o desprezo à convencional estética estilizada, servindo à natureza simples da sua narrativa e ao horror cru e visceral mostrado na tela. Por isso, o título encurtado para a distribuição internacional da obra do diretor Sergio Martino ganhou mais peso: “Torso”. É anatomicamente representativo na medida em que os corpos são destroçados pelo vilão. Ele não apenas os mata, e sim tira-lhes a dignidade, os profana.

Não é à toa que “Torso”, de 1973, embora seja um giallo por excelência, carrega o simbolismo de ser um precursor do slasher, os filmes de matança que viriam a se tornar tão populares na década seguinte. Não é leviano dizer que ele combina o “melhor dos dois mundos”. Daí a sua força. Afinal, ali está o mistério ao estilo “whodunit”, o famoso “quem matou?”, como base da trama (o termo giallo vem da literatura pulp italiana, com histórias de crimes, sempre embaladas em uma capa amarela da editora Mondadori, entre as décadas de 1920 e 30). Junto com ele, o assassino implacável de luvas pretas e o erotismo que quase sempre resvala para a misoginia. Elementos que, em sua maioria ou adaptados de certa forma, seriam replicados posteriormente pelos norte-americanos, com doses mais elevadas de violência gráfica, já experimentadas aqui por Martino.

Em termos de roteiro, temos o básico do gênero: em um campus universitário, garotas são perseguidas e mortas brutalmente. A originalidade não reside neste aspecto. Pelo contrário. Algumas cenas e situações são desconexas, sequer fazem sentido, frutos da tentativa de incluir as clássicas pistas falsas ao espectador sobre a identidade do assassino. Mas o filme, que poderia ser só mais um giallo qualquer, se destaca justamente pelo excesso, pelo grotesco. “Torso” tem mulheres nuas a todo instante, sexo e drogas em abundância. E a violência quando chega realmente choca. Após estrangulá-las com um lenço vermelho, o assassino ainda apalpa suas vítimas e as esquarteja. Fora o atropelamento de uma testemunha, no qual praticamente sentimos o ódio escorrendo junto com o sangue. É impactante.

“Torso” até poderia ser visto apenas como um exercício de sadismo, um mero filme apelativo. Mas ele vai além. Inclusive, duas cenas elevam o seu suspense e são cinematograficamente belíssimas e eficientes. Primeiro, a perseguição a uma das vítimas em um pântano, que possui um caráter onírico. Interessante notar a disruptura em relação ao giallo, ao trocar as cores vibrantes, o amarelo e o vermelho do perigo iminente, pela utilização do recurso da névoa, em uma paleta quase monocromática, que reforça uma sensação de inevitabilidade da morte e confere uma aura sobrenatural e implacável ao assassino, em um aceno ao futuro, com os filmes slashers. E, depois, a cena em que a nossa final girl, a última sobrevivente, se esconde do assassino na mansão, o que resulta em uma tensão alarmante. Cortesia do trabalho de câmera, com enquadramentos simplesmente espetaculares, dividindo a tela entre os dois, construindo um clima de gato e rato. Além da trilha sonora, é claro, que ajuda a acelerar nossos batimentos cardíacos. 

Um lembrete: quando o filme chegar ao fim, você dificilmente vai lembrar das motivações do assassino ou discorrer sobre os traumas que o moldaram. Aliás, até mesmo a revelação da identidade dele poderá fugir da sua mente. Você perceberá que a relevância nunca esteve ali. Mas, com toda a certeza, jamais esquecerá da perversidade dos seus atos. “Torso” é basicamente sobre isso. Sobre o quanto um ser humano pode ser tão quebrado, tão mentalmente sujo e doentio; enquanto outros podem ser reduzidos a um mero pedaço de carne. Isso é cinema de horror.

Onde assistir

  • “Torso” está disponível para streaming na Darkflix e gratuitamente na Pluto TV.

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