Sisu é uma palavra finlandesa sem tradução para outros idiomas. Muitos consideram que ela explica aquele país, a alma da sua sociedade. Basicamente, se trata de um conceito que remete a voltar-se para dentro de si. Ou seja, encontrar a sua força interior, a coragem, a determinação para superar qualquer obstáculo, por mais que todas as chances estejam contra você. Bonito, né? E fica mais ainda quando isso é transformado em ponto de partida em um filme que utiliza a clássica fórmula do “exército de um homem só” para matar nazistas das formas mais criativas e divertidas possíveis.
A produção de 2022, dirigida por Jalmari Helander, nos transporta para a reta final da Segunda Guerra Mundial. Em uma região remota da Finlândia, vive Aatami Korpi (Jorma Tommila), um ex-comandante que não quer mais saber do conflito, tendo se tornado um garimpeiro. De fato, ele encontra ouro e logo empreende uma viagem. Porém, no meio do caminho, há nazistas, e estes querem tomar todo o carregamento. Começa o derramamento de sangue, com direito a pedaços de corpos voando e muito mais violência estilizada que faria Tarantino dar dois “joinhas”.
Aliás, há um pano de fundo que poderia contextualizar melhor a trama. Entre novembro de 1939 e março de 1940, foi travada a Guerra de Inverno, entre a Finlândia e a União Soviética, que, até então, lutava ao lado da Alemanha. O regime de Stalin queria anexar territórios dos finlandeses, que resistiam. O conflito terminou em um acordo de paz com o país nórdico cedendo 12% das suas áreas. Mas o que chamou mesmo a atenção foi a quantidade de baixas. A Finlândia teve 25 mil vidas perdidas; a URSS, 200 mil. Essa diferença brutal ajudou a mitificar a bravura nórdica, que, mais tarde, seria posta à prova mais uma vez, agora pelos nazistas.
É uma pena que todo esse contexto seja desperdiçado. Assim, não espere por subtextos antiguerra, ou estudos sobre a psicologia dos personagens em meio aos horrores presenciados. E até a propalada resiliência finlandesa poderia ser retratada com mais sutileza e atenção, e não como mera informação jogada superficialmente ao espectador. Ora, “Sisu” é simplesmente uma comédia sangrenta. Não há um traço de complexidade sequer. A própria divisão por capítulos – mais uma vez, à la Tarantino – é enganosa. Não serve para absolutamente nada em termos narrativos. É puro enfeite. Talvez, a única novidade realmente introduzida seja a de retratar os nazistas em um momento de “pensar no futuro”, já que a derrota alemã na 2ª Guerra era iminente. O que só intensifica a psicopatia daqueles seres.
Quanto ao protagonista, ele funciona a contento ao exalar a aura dos heróis dos faroestes – passado turbulento e levado à ação no presente; embora careça de profundidade ou até um pouco de introspecção, como os personagens de Clint Eastwood ou mesmo Rambo em “Programado para matar”. O que é curioso, já que ele é inspirado no atirador finlandês Simo Häyhä, apelidado de “A Morte Branca” por ter sido o responsável pela morte de 500 soviéticos na Guerra de Inverno. Aatami não fala, não pensa. Apenas mata. “Um filho da puta malvado com quem você não quer se meter”, avisam os nazistas. Menos com seu cachorrinho fofo, claro.
Ah, e claro, Aatami é imortal. Ou melhor, se recusa a morrer, segundo uma das garotas que salva pelo caminho. O fato é que em nenhum momento do longa tememos que ele fracasse. No caso, isso não é problema, pois faz parte da diversão pré-estabelecida. É o filme nos dizendo: “Sente, relaxe e curta as mortes mais esdrúxulas e macabras que preparamos com todo carinho para você”. E, sim, é sempre um prazer – jamais gratuito – ver nazistas caindo um a um.
Onde assistir
- “Sisu” está disponível para streaming no Amazon Prime Video e para aluguel na Claro Video e Apple TV.
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