Videolocadora - Carlos Eduardo Vilaça

“Saneamento básico - O filme”: o jeitinho brasileiro e a paixão pelo cinema

Uma preciosidade do cinema brasileiro, 'Saneamento básico' utiliza a metalinguagem para criar personagens e situações bem divertidas.

Metalinguístico, inteligente e muito, muito divertido. Assim é o filme de Jorge Furtado - Foto: Divulgação
Metalinguístico, inteligente e muito, muito divertido. Assim é o filme de Jorge Furtado - Foto: Divulgação

Filmes que expressam desavergonhadamente o seu amor pelo cinema me cativam logo de cara. É inevitável. E a boa vontade se transforma em encantamento caso sejam, eles mesmos, bons filmes. Nesse sentido, “Saneamento básico – O filme” é uma pequena preciosidade, que usa a metalinguagem como plataforma para o desenvolvimento de situações e personagens extremamente humanos e divertidos. Além, é claro, de dar uma bela amostra do famoso jeitinho brasileiro.

Dirigido por Jorge Furtado e lançado em 2007, o longa não poderia ter uma premissa mais prosaica. Trata-se da necessidade de construção de uma fossa para acabar com o mau cheiro do esgoto em uma comunidade de descendentes de italianos na serra gaúcha. Mas as coisas tomam outro rumo quando se descobre que a única verba disponível na subprefeitura é para a realização de um vídeo de ficção de 10 minutos de duração. 

Assim, o casal Marina (Fernanda Torres) e Joaquim (Wagner Moura), com o objetivo de burlar o sistema e usar esse dinheiro para a obra de infraestrutura, parte em uma empreitada cinematográfica sobre a qual não sabe absolutamente nada, tendo de aprender na prática todos os meandros da produção de um filme, da concepção à finalização. E aqui cabe a máxima de Chaplin: “Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação”. 

O monstro do fosso ataca Silene Seagal – Foto: Divulgação

Pode-se dizer que é a imaginação que rege as ações desde o início, com a escolha do tema partindo de uma ingenuidade sobre o que seja um “filme de ficção” e a confusão com o termo “ficção científica”. Ora, é claro que tem que ter um monstro, não? Surge, portanto, “O monstro do fosso”, ambientado no próprio local da obra. Em mal-entendidos deste tipo, espalhados aqui e ali, seja em relação ao vídeo ou em suas próprias vidas, residem momentos primorosos, tocantes e de pura graça.

A estrela do vídeo é Silene (Camila Pitanga), irmã de Marina, casada com Fabrício (Bruno Garcia), dono da câmera utilizada na filmagem. O nome artístico escolhido por ela é Silene Seagal. O que poderia soar como uma amostra dos parcos conhecimentos cinematográficos da trupe, ao homenagear um dos grandes canastrões de Hollywood, na verdade é revelador de como “Saneamento básico – O filme” abraça a diversão e expressa sem pudores esse seu carinho pelo entretenimento, pelo simples fazer cinematográfico.

Dessa forma, é com um sorriso no rosto que acompanhamos o andamento das filmagens e, com elas, a substituição gradual da preocupação com estouros no orçamento (e o dinheiro da obra, gente?) para a empolgação de entregar o melhor trabalho possível. Todos ali passaram a amar aquele vídeo. Uma essência digna de Ed Wood, de se entregar de corpo e alma à produção de seus filmes, não obstante a nítida incompetência.

O melhor é que temos como titereiro um Jorge Furtado, este sim, cineasta brilhante, que usa esse “filme dentro do filme” para discutir de forma bem-humorada temas como o já citado jeitinho brasileiro, fomento à cultura, a demagogia política, até chegar na cereja do bolo: cada parte que compõe uma produção cinematográfica – roteiro (cinema como arte visual é uma lição que Joaquim tenta ensinar à Marina sem que isso os leve a discutir o relacionamento), figurino, montagem, etc.

Personagens cativantes não faltam à película – Foto: Divulgação

Mesmo que pareça uma “aula sobre cinema”, “Saneamento básico – O filme” em nenhum momento se torna didático ou perde o foco. E o principal motivo para isso é que, embora “O monstro do fosso” seja o fio condutor, foram aqueles personagens reais que nos conquistaram. Eles são palpáveis. São ternos, amorosos, esperançosos, teimosos, cheios de melindres… A cena entre dois coadjuvantes, aqueles “amigos e rivais”, no estilo de “Dois velhos rabugentos”, interpretados por Paulo José e Tonico Pereira, ouvindo música, completamente fora do plot central e que, mesmo assim, emociona, é uma prova desse nosso envolvimento. 

É o cotidiano dando o ar da graça. Os exemplos saltam à tela. O relacionamento por vezes tenso e outros repleto de companheirismo entre Marina e Joaquim, as implicâncias de Silene e Fabrício… São cenas que vêm como um lembrete de que, como diria Fellini, “o cinema é um modo divino de contar a vida”, e esta, quando as luzes se acendem, continua, com todos os seus problemas. Então é melhor sonhar, nem que seja por uns dez minutinhos, num filme B de ficção.

Onde assistir

  • “Saneamento básico – O filme” está disponível para streaming no Globoplay.

E mais…

SIDONIE NO JAPÃO

  • A plataforma Reserva Imovision estreou o filme “Sidonie no Japão”, estrelado pela atriz francesa Isabelle Huppert. O longa, que foi selecionado na Giornate degli Autori do Festival de Cinema de Veneza, é um drama íntimo e reflexivo sobre uma mulher em busca de um novo propósito de vida. Na trama, Sidonie é uma escritora francesa renomada que está de luto pela morte do marido. Convidada para o Japão para a reedição do seu primeiro livro, ela é recebida pelo editor local, que a leva a Kyoto, a cidade dos santuários e templos. À medida que viajam juntos pelas flores da primavera japonesa, Sidonie aos poucos se abre para ele. No entanto, o espírito do marido a persegue e ela terá que deixar o passado para se permitir amar novamente. Com a estreia de “Sidonie no Japão”, a Reserva Imovision passa a contar com oito filmes estrelados pela atriz no catálogo: “Uma Vida Sem Ele”, “A Dona do Barato”, “O Vale do Amor”, “A Religiosa”, “Amor”, “A Professora de Piano” e “Madame Bovary”.