BASTIDORES DA TV

“Rede de intrigas”: o maldito parque de diversões de ontem e de hoje

Interpretações fortes e uma trama bem atual. Não há um ponto fraco sequer em "Rede de intrigas", filmaço de Sidney Lumet.

“Rede de intrigas”: o maldito parque de diversões de ontem e de hoje

“Rede de intrigas”, de Sidney Lumet, é um filme de 1976. Mas se você pensa que os temas discutidos ali envelheceram, ledo engano. Quase cinquenta anos depois, ele revela ser extremamente visionário. As críticas à falta de ética, ao culto à celebridade e à aposta no sensacionalismo em detrimento do interesse público não só continuam bastante atuais como extrapolam os limites da televisão, então no foco da trama, e passam a abarcar também as redes sociais e o caráter nocivo para a sociedade acarretado pelo seu mau uso e distorções da realidade feitas pelas big techs.

Para começar, é incrível notar como o colapso emocional de Howard Beale, interpretado por Peter Finch, explorado à exaustão pelos seus chefes na fictícia rede de TV UBS, em nome da audiência, encontra paralelo naquelas pessoas alçadas a sub-celebridades na TV ou na internet. São os famosos da semana, cujas polêmicas perdem fôlego e são esquecidas tão rapidamente quanto surgiram. Assim como Beale, que de respeitável jornalista passou a ser um profeta enraivecido, gritando contra as hipocrisias do mundo. Uma novidade com data de validade bem próxima de expirar e que de solução viraria estorvo.

Holden e Dunaway, maravilhosos em cena – Foto: Divulgação

Tudo começou quando Beale recebeu a notícia da sua demissão. Cumprindo o aviso prévio, entrou no ar e anunciou aos telespectadores que iria se matar. Foi retirado do programa e, mais calmo, pediu para depois fazer uma despedida mais digna. O seu desabafo chamou a atenção do público e também dos executivos da rede. Ele havia dado lucro. Palavrinha mágica. “Não somos uma rede respeitável. Somos uma rede prostituta! Temos que pegar o que conseguimos”, diz em certo momento do filme o personagem de Robert Duvall, Frank Hackett, cego pelo “novo hit”.

Nesse contexto, surge em “Rede de intrigas” o embate entre a ética, representada por Max Schumacher (William Holden), e a amoralidade, por Diana Christensen (Faye Dunaway). O primeiro tem uma visão quase utópica do jornalismo, com valores inabaláveis, humanistas e, claro, sem qualquer tipo de interferência comercial, além do interesse pessoal de proteger o amigo Beale. Já Diana é um rolo compressor. Vive pelos números. Não há espaço nela para sentimentos. TV é espetáculo, um jogo de ilusões. E, como tal, sujeito a manipulações de toda a sorte. Os dois irão se envolver e, nesse envolvimento, fica ainda mais nítida a diferença entre eles. A cena em que Diana chega ao orgasmo enquanto descreve situações de trabalho é um primor.

Beatrice Straight, cinco minutos que valeram um Oscar – Foto: Divulgação

O premiado roteiro de “Rede de intrigas”, escrito por Paddy Chayefsky, se equilibra entre dois tons. Um é essa sátira dos bastidores da TV, com as ideias mirabolantes de Diana e Frank em busca do sucesso a qualquer preço, como a inclusão de uma vidente no noticiário – que, à época, beirava o inacreditável, mas que, com o olhar de hoje, soa até ingênuo. O outro é um drama intimista por meio do aprofundamento da psiquê dos personagens. Beale e sua jornada rumo à loucura, a incapacidade de Diana em se relacionar em um nível sentimental, a crise de meia-idade de Max e, em especial, o sofrimento da esposa de Max, Louise. Inclusive, a atriz Beatrice Straight ganhou o Oscar de coadjuvante por sua participação de aproximadamente cinco minutos por este papel. Na cena, a personagem extravasa toda a dor e frustração ao descobrir a traição do marido. Poderoso demais.

Outro coadjuvante que tem uma cena definidora no longa é Ned Beatty, como o chefão Arthur Jensen, que basicamente explica sua visão de mundo, um mundo corporativo, onde as pessoas não importam, fronteiras também não. Democracia? Esqueça. O que faz o mundo girar é o dinheiro. Essa é a ordem natural das coisas. Um absurdo, não é? Eu pelo menos acho que sim. Pena que muita gente concorde com Jensen. Ontem e hoje. E se estar na TV naquela época, como Beale, significava ser o portador desse tipo de mentalidade, hoje não é diferente, pois temos aí um Elon Musk da vida disparando impropérios em sua rede social e atentando contra todos os direitos fundamentais dos cidadãos em nome do lucro. Ricos sendo ricos, desde sempre, e com o apoio inexplicável de tanta gente.

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