A morte como uma vilã abstrata, onipresente e implacável. Ela não tem rosto, não pode ser vista, apenas pressentida. É aquele frio que percorre a espinha, o medo que paralisa, que nos retorna à condição de crianças indefesas diante de um pesadelo perturbador. “Na morte não há acidentes, nem coincidências, nem percalços, nem fugas”, já dizia William Bludworth, personagem do grande Tony Todd, que funciona quase como um oráculo da franquia “Premonição” – ou “Destino Final” em uma tradução literal. São vinte e cinco anos desde o primeiro filme com essa premissa e uma certeza: temer a morte nunca sai de moda.
A base é sempre a mesma, com o protagonista tendo uma visão de um acidente que custou inúmeras vidas, inclusive a dele. Tivemos nos cinco primeiros longas a explosão de um avião, um elaborado engavetamento no trânsito que traumatizou uma geração, uma falha na montanha-russa, uma tragédia na pista de corrida e a queda de uma ponte. A partir daí, quem sobreviveu por causa da premonição inicial passa a ser perseguido. Afinal, “a morte não gosta de ser trapaceada”, como somos lembrados constantemente pelos personagens. Além disso, esse toque sobrenatural, sem a manifestação física de um assassino, permite que a criatividade aflore na hora da “coleta” das vítimas.
Claro, como em toda franquia de terror, há momentos inspirados e outros constrangedores (o quarto e quinto filmes são bem abaixo da média), mas “Premonição” consegue ser consistente na sua proposta, o que é um mérito e tanto. No sexto filme, que ganhou o subtítulo “Laços de Sangue”, há certa ousadia em tentar não apenas não se repetir, como também buscar as raízes, as explicações para todas as casualidades vistas até aqui. Normalmente, esse artifício não funciona a contento, pois a aura enigmática se perde e o medo do desconhecido deixa de existir. Felizmente, não é o caso. A luz sobre o passado é um bem-vindo frescor à mitologia da franquia e a celebra, num verdadeiro exercício de metalinguagem.
Na trama da vez, uma estudante universitária tem um pesadelo recorrente em que a avó, ainda jovem, e várias outras pessoas morrem após o desmoronamento de um bar/restaurante em uma torre. Ela descobre que a avó teve aquela premonição e salvou todos ali naquele dia, tendo, desde então, enganado a morte. Nas décadas seguintes, a entidade vai atrás de todos aqueles que não deveriam ter sobrevivido ao acidente, inclusive das suas linhagens, que não deveriam existir. Um conceito interessante que interliga os filmes e abre margem para inúmeras possibilidades em futuras e inevitáveis sequências.
Em outro ponto de destaque, você há de convir que o que nos impele a assistir a um filme da franquia é a curiosidade mórbida de saber como a morte irá agir sobre as suas vítimas. Qual o seu grau de criatividade e capacidade de surpreender/chocar. Nesse aspecto, se “Laços de Sangue” não entra no top 5 de mortes da franquia, ele compensa ao trabalhar muito melhor a construção de personagens. A entrada de um núcleo familiar em vez dos manjados e, não raro, irritantes adolescentes, é extremamente benéfica, pois passamos a nos importar com quem vive ou morre e não torcer para que a morte cumpra logo o seu trabalho. Uma pena que o final seja tão apressado e destoe completamente, voltando para o lugar-comum da franquia. Mas, a essa altura, já nos divertimos mais do que o esperado.
Por fim, como disse lá em cima, com “Laços de Sangue” a franquia volta às suas origens. É um filme sobre legado. E explicita isso de duas formas. Uma é bastante irônica, com a inclusão de uma moeda como estopim dos acontecimentos. Uma metáfora para o dinheiro como propulsor da engrenagem cinematográfica. Ele é a causa dos acidentes e, também, de mais e mais filmes produzidos sobre o tema. A outra maneira é sentimental. Tony Todd, já doente, fez aqui sua última participação como o agora não tão mais enigmático agente funerário. Ele se despede do público com um discurso tocante em que abraça a morte como uma igual – nas telas e na vida real. Ele morreu em novembro de 2024, vítima de câncer. Uma ode à inevitabilidade. Já dizia Gilberto Gil: “A morte é rainha que reina sozinha / Não precisa do nosso chamado / Recado / Pra chegar”.
Onde assistir
- “Premonição 6: Laços de Sangue” está disponível para streaming na HBO Max.
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