O mestre Eduardo Coutinho costumava dizer que o documentário é um acontecimento verbal e que a câmera tem uma necessidade fundamental de promover a escuta do outro. “A palavra é geralmente mais visceral. E a imagem, quando entra, não pode ser adjetiva”. Não se trata de mero formalismo, mas sim uma característica que potencializa o próprio gênero. Afinal, se na ficção você precisa saber contar uma boa história, aqui o diferencial é saber ouvi-las. E isso “Super/Man: a história de Christopher Reeve” faz muito bem.
O filme desvia-se de atalhos que o tema oferece e nos faz embarcar em uma incrível jornada emocional. A começar por não cair na armadilha de mostrar a ascensão de Reeve ao estrelato e encerrar com a óbvia, triste e sensacionalista observação de que o “Superman” estava tetraplégico após sofrer uma queda de cavalo. Não. O acidente do ator é primordialmente o catalisador para as reações que veremos a seguir, das vidas que serão tocadas por aquela tragédia. Família, amigos, desconhecidos. E, claro, ele mesmo.
Os diretores Ian Bonhôte e Peter Ettedgui não suavizam a gravidade do fato e as suas consequências. Nem poderiam. De fato, vemos os impactos em cada depoimento com a voz embargada e olhos marejados. Seja sobre a luta do ator, primeiro pela vida e depois para se adaptar à nova condição, seja em relação às lembranças de tempos vividos com o pai, marido, amigo, em plena forma. Neste aspecto, a montagem surge como elemento crucial, nas transições entre as cenas – em especial os que envolvem trechos de vídeos caseiros – e nas marcações de passagens de tempo.
É o que Coutinho pregava sobre o uso da imagem não ser adjetiva. Dessa forma, a função narrativa é evidente por ela provocar a fala, estimular reflexões e reavivar memórias. Assim, quando vemos o pequeno Will, comemorando seus três anos em uma sala de espera de hospital, sentimos toda a força, resiliência e amor de Dana, sua mãe, em lidar com aquela situação, para não deixar que todo aquele desespero o afetasse. Dessa forma, o depoimento de um Will adulto se torna mais poderoso e, claro, emotivo.
Essa fórmula é seguida em outros momentos, menos passionais, mas que mergulham em uma faceta de Christopher Reeve em que ele é um obcecado pela sua profissão, nos dando uma visão mais ampla da sua vida. Colegas como Glenn Close, Whoopi Goldberg e Jeff Daniels trazem seus pontos de vista para mostrar Reeve se reinventando após o acidente, como ator e diretor. E isso nos leva a um paralelo com o período em que ele tentava driblar o estereótipo do Homem de Aço, diversificando sua carreira para se afirmar como “ator sério”. Mas podemos dizer que a “culpa” disso era do próprio Reeve, que, com sua competência e carisma, nos fez acreditar naquele longínquo ano de 1978 que o homem podia voar. Não é pouca coisa.
Da mesma forma, o seu ativismo em nome de pessoas com deficiência e o financiamento de pesquisas científicas pós-acidente podem ser considerados a sua “obra-prima” longe das telas. Ainda mais por todo o histórico que acompanhamos, da sua força sobre-humana para simplesmente não desistir. Não, na vida real ele não era um super-herói como o que interpretou no cinema. Pelo contrário. Era um ser humano. Com falhas e sujeito a erros, que o filme acertadamente revela aqui e ali. Mas é essa resiliência combinada com as lições que aprende pelo caminho que o engrandecem. O Superman ou o “doce príncipe”, como o amigo Robin Williams o chamava, definitivamente, deixou seu legado neste mundo.
Onde assistir
- “Super/Man: a história de Christopher Reeve” está disponível para streaming na Max.
Confira mais dicas de filmes
- “MONSTER” – “Monster”, dirigido por Kore-eda Hirokazu, um dos maiores cineastas autorais japoneses, chegou à Reserva Imovision. A produção conquistou o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes em 2023. “Monster” aborda temas sensíveis como bullying, conflitos familiares e violência escolar. Na trama, três pontos de vista são explorados quando um filho começa a se comportar de maneira estranha e, ao suspeitar que algo vinha acontecendo na escola, a mãe vai até a instituição e descobre o envolvimento de um professor nas ações do menino.
- “PEARL” – O segundo filme da trilogia de Ti West chega ao Prime Video. Presa na fazenda isolada de sua família, Pearl deve cuidar de seu pai doente sob a amarga e autoritária vigilância de sua devota mãe. Desejando uma vida glamorosa como a que viu nos filmes, as ambições, tentações e repressões de Pearl colidem. Mia Goth eleva sua performance em um filme que, em retrospecto, melhora o seu antecessor, “X – A marca da morte”, e nos afunda em um pesadelo, como se estivéssemos presos em um mundo invertido de Oz, onde todas as belezas e maravilhas ganham um ar macabro.
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