ALTA TENSÃO

O faroeste urbano de “Assalto à 13ª DP”

Saiba como John Carpenter transformou uma trama típica de faroeste em um filme de ação urbana com 'Assalto à 13ª DP'.

John Carpenter fez um dos grandes filmes policiais dos anos 1970 - Foto: Divulgação
John Carpenter fez um dos grandes filmes policiais dos anos 1970 - Foto: Divulgação

John Carpenter nunca escondeu que a sua inspiração para a realização de “Assalto à 13ª DP”, o segundo filme da sua carreira, era “Onde começa o inferno”, de Howard Hawks. Um faroeste clássico transposto para o cenário urbano sob o olhar implacável de um cineasta sem medo de ousar. Assim, ele consegue unir temas como vingança, moralidade, senso de justiça e a degradação da sociedade, confinando um grupo de pessoas em uma situação limítrofe, tendo de lidar com todas essas variáveis. E como é pelo olhar do outro que reconhecemos nossos erros e acertos, expondo também nossas fraquezas através da convivência – “O inferno são os outros”, diria Sartre -, a luta pela sobrevivência, tensa por natureza, atinge níveis extremados.

Mas se tem um detalhe admirável no filme de Carpenter é a paciência em construir paulatinamente toda essa tensão, vista especialmente no terço final. Ora, tudo não passaria de um genérico “tiro, porrada e bomba” se não nos importássemos tanto com aqueles personagens ou que já não estivéssemos impactados pela crueldade explícita – e mesmo esta é primeiro sugerida, a partir de um repulsivo pacto de sangue, para só depois nos atingir em cheio no peito quando tudo que queríamos era apenas tomar um sorvete de baunilha. Não entendeu? Bem, você vai, infelizmente.

Ambientado em uma Los Angeles tomada por gangues de rua, o filme apresenta algumas linhas narrativas que mais tarde irão convergir. A primeira segue um policial em seu primeiro dia de trabalho, que foi destacado para supervisionar a desativação de uma delegacia, cujo prédio já está praticamente vazio; também há um grupo de detentos que está sendo levado para o corredor da morte; e, por fim, um pai e uma filha atravessando um perigoso bairro da cidade. Em dado momento, todos ficam presos na delegacia, alvos de um ataque devastador dos membros da gangue.

Os recursos são escassos, o espaço diminuto. Não há para onde fugir. A sensação é claustrofóbica. Os algozes estão em maior número e por todos os lados, uma onipresença quase sobrenatural, digna dos zumbis de George Romero. A cena da delegacia sendo alvejada parece durar uma eternidade para, em seguida, um dos confinados exclamar, surpreso, que se passaram apenas dois minutos. Prenúncio de uma noite longa… Ou não. Depende do quanto aquele grupo de desconhecidos resistirá. Não só à gangue, mas às próprias diferenças. Afinal, é nessa hora que as personalidades se revelam. Alguns com o instinto de proteção e dever com o próximo; outros, apenas pensando em si.

A escolha de Carpenter por dar prioridade à reação dos atacados é inteligente, pois coloca o espectador também nesta posição, sem possibilidade de respiro. Não vemos a ameaça, não a personificamos. Apenas temos ciência da sua capacidade destrutiva. O vilão é a falência da sociedade. Como combatê-la? É muito tarde para buscar uma união? Talvez não. O filme é otimista neste sentido. E bem espirituoso, para falar a verdade – um humor meio macabro, mas ainda assim humor. Caso contrário, a secretária da delegacia não nutriria interesse em um condenado à morte; e nem este manteria sua fé de que alguém se apiedaria dele e o concedesse um cigarro.

Destaque também para a trilha sonora, composta pelo próprio Carpenter, que eleva o tom sombrio da narrativa, quase como um prenúncio do que ele viria a realizar em “Halloween”. Aliás, foi este filme que deu ao diretor a chance de assumir uma das obras seminais do cinema de horror, o que serve para ressaltar a genialidade de Carpenter e sua veia criativa, mesmo que o próprio desdenhe disso em entrevistas, diminuindo suas habilidades como compositor – “sou barato, rápido e movido a riffs”. Ah, a humildade. Em outra seara, o diretor chegou a afirmar que era “jovem e estúpido” por ter deixado o filme tão violento. Não. Aqui a violência é necessária para a obra não só funcionar, mas também permanecer atual, relevante. E, acima de tudo, como um excelente exemplar de filme policial ou “faroeste urbano”.

Onde assistir

  • “Assalto à 13ª DP” está disponível para streaming na Darkflix+.

E mais…

  • DAVID LYNCH – O diretor David Lynch morreu, aos 78 anos, na última quinta-feira, deixando um legado inestimável ao cinema. Em suas obras, abraçou o lado estranho da vida, priorizando atmosferas oníricas, o surrealismo. Não são poucos os que dizem que seus filmes são para sentir e não entender. E sentimos. O quê? Não sabemos explicar. Mas aquela inquietação fica. Remói. Suas cenas, suas narrativas ficam gravadas em nossa retina e na nossa alma. Lynch era, de fato, um artista. Indico aqui algumas de suas produções: a icônica série “Twin Peaks”, cujas duas temporadas estão disponíveis para streaming na Darkflix; “Veludo Azul”, no Looke, NetMovies, Darkflix+ e MGM+; “Cidade dos Sonhos”, para streaming no Cindie e aluguel ou compra no Google Play, Microsoft Store e Apple TV; e “A Estrada Perdida”, na Reserva Imovision e Telecine.