Um clássico obrigatório

Ninguém é perfeito, mas “Quanto mais quente melhor” é!

Realizada em 1959, essa comédia encantadora só aumentou sua força e seu charme com o passar do tempo.

Em "Quanto mais quente melhor" impera a arte do duplo sentido e nada é o que parece ser - Foto: Divulgação
Em "Quanto mais quente melhor" impera a arte do duplo sentido e nada é o que parece ser - Foto: Divulgação

Cada cena de Marilyn Monroe em “Quanto mais quente melhor” é um momento mágico da história do cinema. Quando o personagem de Jack Lemmon exclama ao vê-la pela primeira vez: “Olha como se move!”, sentimos o impacto do lado de cá da tela. Ela não apenas nos encanta, mas nos seduz, hipnotiza. E a sua Sugar Kane faz isso ao longo de todo o filme, equilibrando sua sensualidade divina a uma doçura completamente ingênua. Uma dualidade, um jogo de aparências, que é, por sinal, uma das principais características deste clássico de Billy Wilder, de 1959, que se mantém até hoje como uma das maiores comédias de todos os tempos.

É incrível como tudo funciona à perfeição em “Quanto mais quente melhor”. Ainda mais quando sabemos como Marilyn deixava Wilder louco nas filmagens ao esquecer suas falas, ao chegar atrasada… Mas o seu magnetismo, o amor que a câmera tinha por ela, compensava. Depois de todo o suplício, ela simplesmente mostrava porque era um presente de Deus para a humanidade. Um Deus meio travesso, que gosta de brincar com nossos sentimentos, alimentar uma certa confusão, bagunçar a realidade, e no qual, sem dúvida, Wilder tomou como inspiração para criar sua obra-prima.

A explicação reside na forma que os personagens são concebidos. Após testemunhar um massacre, dois amigos músicos, Joe (Tony Curtis) e Jerry (Lemmon), precisam fugir dos bandidos e se disfarçam de mulheres para ingressar em uma banda feminina que vai excursionar para outra cidade. Lá, Joe tentará conquistar Sugar, que está cansada de seus relacionamentos com músicos, fazendo-a crer que ele é um milionário. Jerry, por sua vez, será cortejado por Osgood (Joe E. Brown), um milionário de verdade. O tom farsesco, repleto de cinismo, em que todos só querem se dar bem, é a regra. Mas, com o passar do tempo, e as interações entre eles, tudo que se quer é honestidade e afeto.

Jerry/Daphne em uma noite inesquecível – Foto: Divulgação

Assim, por exemplo, se Jerry, embora tenha dado a ideia inicialmente, é contra se vestir de mulher, pouco depois recusa o nome Geraldine, dado a ele pelo amigo, e elege Daphne como a sua nova persona, caindo de cabeça na “personagem”. E como se diverte! Totalmente o oposto da sua versão masculina, sempre aborrecida e preocupada. Em dado momento, empolgado após dançar a noite toda com Osgood, em uma cena inesquecível, praticamente esquece da sua condição e, ao ser lembrado por Joe que ele na verdade é um homem, tira a peruca e, com um triste lamento, concorda: “Sou um homem. Queria estar morto!”.

O filme transita da comédia romântica ao pastelão com extrema fluidez, amparado por alguns dos melhores diálogos já escritos e que são um primor do duplo sentido, sempre levando a história para a frente, de forma orgânica. Não há nada fora do lugar ou que seja uma pura e simples “piada”, embora também possam ter essa leitura, já que Wilder trabalha em duas frentes, tanto na superfície, no humor direto, quanto nas entrelinhas, sutilmente, transmitindo toda a sua ironia – Joe e Sugar no iate contabilizando uma “dívida” de beijos é um exemplo perfeito.

É interessante notar também que a ambientação do filme em 1929, na época da Lei Seca, e o fato de usar como pano de fundo um acontecimento real, o Massacre do Dia de São Valentim, em Chicago, ajudam a tornar crível a necessidade de se manter o disfarce da dupla, quando eles já se encontram em seu destino, na Flórida, pois não era uma ameaça qualquer, era a máfia. Para Joe abandonar a sua caracterização como Josephine e arriscar seu pescoço, precisaria, portanto, de um estímulo gigantesco. Com Marilyn interpretando “I Wanna Be Loved By You” ou “I’m Through With Love”? Quem há de culpá-lo?

Tente não se apaixonar enquanto Marilyn canta “I Wanna Be Loved By You” e falhe miseravelmente – Foto: Divulgação

“Quanto mais quente melhor” é como um raro alinhamento de planetas. Wilder inspiradíssimo, Marilyn no auge artístico, o charme meio cafajeste de Tony Curtis, o humor físico de Lemmon e até o sorriso bobo e contagiante de Joe E. Brown, dono da frase antológica que fecha o filme e que define perfeitamente a natureza humana, deixando de lado todo o drama, autocensura e demais dificuldades, e optando por sempre enxergar o lado bom da vida.

ONDE ASSISTIR

  • “Quanto Mais Quente Melhor” está disponível para aluguel no YouTube, Microsoft Store, Apple TV e Amazon Prime Video.

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