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“Drive” e uma nova jornada do anti-herói sem nome

Filme estrelado por Ryan Gosling desafia sua classificação por gêneros e aposta no contraste entre estilo e emoção.

Ryan Gosling estrela este filme de 2011 - Foto: Divulgação
Ryan Gosling estrela este filme de 2011 - Foto: Divulgação

Os olhos bem treinados, sempre atentos ao menor sinal de perigo. As mãos prontas para entrar em ação a qualquer segundo. O som do vento na rua deserta aumenta a tensão, que segue o ritmo da trilha sonora, indicando a proximidade do duelo. Mas, quando chega a hora, a mão não vai na direção do coldre para sacar a arma, e sim ao volante. O barulho no clímax não é de tiro, mas cantadas de pneus. O cenário também não é rural, é urbano, com muitas luzes e colorido. No canto da boca, não repousa um cigarro, mas um palito. E, embora o nosso anti-herói seja um homem de passado misterioso e sem nome, definitivamente não estamos falando de um faroeste de Sergio Leone, estrelado por Clint Eastwood. Mas “Drive”, do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, definitivamente ecoa este estilo narrativo, que explora os conflitos e limites entre a ordem e o caos.

Não se trata, obviamente, de uma simples emulação. “Drive” tem vida própria. Usa as regras apenas para estabelecer o seu “caminho natural” e, em seguida, subvertê-las, numa mudança constante de gênero. Não podemos classificá-lo somente como filme de ação, um thriller ou um faroeste high-tech; ele vai além. Chega a ter um caráter existencialista, revelando-se em certos momentos um drama dos mais pessoais. E o melhor é que a habilidade de Refn faz com que essa alternância não chegue a afetar a sua personalidade. Isso “Drive” tem até demais.

Claro que essa constatação tem haver com o personagem de Ryan Gosling. Um exímio motorista, que se divide entre trabalhos de dublê e outros para criminosos em fuga. Ele provoca reflexões. O seu jeito introspectivo contrasta com explosões de fúria e aguça a curiosidade do público. Quem é ele? Qual sua motivação? Pelo que já passou na vida? Os únicos momentos de paz, ao lado de Irene (Carey Mulligan), seu interesse romântico, e do filho dela, revelam nitidamente que o que aconteceu em seu passado, causou traumas profundos. A dificuldade dele em sorrir é angustiante. Como se ele não se permitisse relaxar. De qualquer modo, nada sobre a sua vida é explicitado. Fica a cargo de quem vê imaginar ou fazer suposições.

É interessante notar que a trilha sonora e o visual do filme rivalizam com o comportamento do protagonista, formando um abismo entre o que se vê e ouve, e o que de fato é. Nosso anti-herói é cinza, beira a depressão em alguns momentos, tem-se a impressão de que vive por viver. Já o mundo à sua volta é cheio de cores, pulsante, com uma energia que ele não se empolga em acompanhar. Nesse ponto, a escolha por uma estética oitentista foi mais do que acertada. Tudo e todos que ali estão têm pressa, como se fosse o último dia na Terra. Ele não. Move-se lentamente, para, analisa cada passo. Talvez por isso, Irene tenha chamado a sua atenção. Ela é o que podemos chamar de “cansada de guerra”. Com um filho, marido na cadeia, ela busca motivos para sorrir. Ele encontrou ali um semelhante.

“Drive” é, quase em sua totalidade, um filme econômico em relação ao seu protagonista. Mas como a única constância da vida é a mudança, esta, mais à frente, invade o cotidiano do motorista como furacão. Sua vida de regras rígidas abraça o caos e abre espaço para uma ultraviolência quase Tarantinesca. É um exercício de estilo, sim, e que pode até soar deslocado, só que de maneira alguma se torna fútil. Pelo contrário, só acrescenta uma dose extra de complexidade à trama e, principalmente, ao personagem de Gosling, que revela uma nova faceta ao espectador.

E mesmo que alguém se incomode com essa transição nada sutil entre os mundos regidos pela lógica e pelo absurdo – não é o meu caso -, jamais poderá negar que as duas partes, isoladamente – a abordagem mais intimista e as sequências aceleradas -, são trazidas à tona com uma potência e talento que tiram “Drive” do lugar-comum. Não é uma obra-prima, claro, mas fazer barulho às vezes basta.

Onde assistir

  • “Drive” não está disponível para streaming, mas pode ser encontrado no YouTube.

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