Viajar no tempo é um exercício de imaginação permanente na história da humanidade, fruto, talvez, da nossa eterna insatisfação com o presente, como várias vezes sugeriu Woody Allen, exemplificando sua tese em filmes maravilhosos, como “A rosa púrpura do Cairo” e “Meia-noite em Paris”. Ou, então, simplesmente pelo fato de nossa existência mental ser imaterial, como pontuou H.G. Wells, em seu clássico livro “A máquina do tempo”; nesse caso, temos o deslocamento ao longo da dimensão-tempo como algo natural à nossa espécie. Seja qual linha de raciocínio seguir, e existem diversas outras, a literatura e o cinema, especialmente, são pródigos em capturar esse traço da nossa personalidade e transformá-lo, de forma lúdica, em arte.
O tema é terreno fértil para a criatividade e uma pitada generosa de loucura. Tudo é permitido dentro da lógica criada especificamente para aquele mundo. Claro, existem aqueles que apostam em tramas mais complexas e instigantes, verdadeiros quebra-cabeças. Mas confesso que, pessoalmente, me atraio muito mais facilmente pelas narrativas fantasiosas que não se levam muito a sério, como foi “Um Ianque na corte do Rei Arthur”, de 1921, considerado o primeiro filme do subgênero. Desde então, essa deveria ser uma regra imutável em se tratando de filmes com viagens no tempo: divirta-se. Exatamente como faz “Dois minutos além do infinito”, de Junta Yamaguchi.
Essa produção japonesa de 2020 apresenta uma história leve, descompromissada e tecnicamente brilhante, filmada em um plano-sequência (que não é real, existem cortes, claro, mas não interfere em absolutamente nada) que confere um dinamismo absurdo à obra. O mais curioso é como uma das características mais comuns da viagem no tempo, o paradoxo temporal, é trabalhado aqui de uma forma extremamente simples, chega a ser até didático. E isso poderia enfraquecer o filme, ainda mais para quem é acostumado ao gênero. Mas não. É uma ingenuidade que combina bem com a proposta de aliar os elementos sci-fi à comédia.
Em um edifício, Kato é dono de um café no térreo e mora em um quarto alguns andares acima. Em certo momento, percebe que as TVs do quarto e do café estão conectadas com uma diferença de dois minutos, permitindo que se viaje no tempo, mas só durante esse curto período, criando uma cadeia temporal de acontecimentos que vai escalando à medida que seus amigos chegam e começam a brincar com as possibilidades que aquela ruptura traz ao seu mundo. E esse clima de brincadeira entre amigos ainda ajuda a disfarçar o óbvio amadorismo e certo exagero das atuações e, de novo, o que seria um demérito, joga a favor do filme.
Sobre o conceito trabalhado por “Dois minutos além do infinito”, trata-se do Efeito Droste, que consiste na repetição da mesma imagem em versão menor dentro de outro quadro – no caso, aqui, a televisão; e que, teoricamente, poderia se reproduzir de forma infinita. É tudo bem simples e detalhadamente explicado no filme para não restar dúvidas. E é por essa razão que a duração do filme é de apenas 70 minutos. Não é uma ideia que dê para expandir por muito tempo sem ficar cansativa. Mais um ponto positivo, portanto, já que muitas vezes falta esse bom senso aos realizadores.
“Dois minutos além do infinito” não é uma obra-prima, mas é um charme de filme. Demonstra conhecer as regras do seu gênero, mas não se limita a elas. Não chega a subvertê-las, e nem tem essa ambição. Mas sabe brincar com essas regras, dando ao espectador um cardápio variado de situações divertidas, encantadoras na sua simplicidade, ousadas na forma e, principalmente, inventivas, relacionadas à viagem no tempo. E originalidade, hoje em dia, é artigo de luxo. Aproveite.
ONDE ASSISTIR
- “Dois minutos além do infinito” está disponível para streaming na Max.
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