A brasilidade é uma característica recorrente na filmografia do cineasta Rodrigo Aragão. Desde “Mangue Negro”, seu primeiro longa-metragem, em 2008, ele já buscava uma mescla entre elementos da nossa cultura e os recursos narrativos clássicos dos chamados filmes de gênero. A partir daí, Aragão foi aprimorando sua técnica e, sempre calcado na inventividade com que conduz seus projetos, deixou sua assinatura reconhecível. Dessa forma, se consolidou como o grande autor/nome do terror nacional após José Mojica Marins. E agora, depois de lidar com zumbis, chupacabras, criaturas mutantes, bruxarias e maldições, ele lança “Prédio Vazio”, trazendo um universo fantasmagórico para a realidade brasileira.
“Prédio Vazio” se passa em Guarapari, no Espírito Santo. No último dia do carnaval na cidade, uma mulher some e sua filha, Luna, parte à sua procura, indo até o prédio onde a mãe estava hospedada. Um lugar que, como vemos no prólogo, tendo um casal de velhinhos em foco, é habitado por almas atormentadas. É curioso, inclusive, como o filme muda de tom entre esse prólogo e a ação principal. O primeiro momento é intimista, contido. O senhorzinho aterrorizado, os vultos, tudo é muito sutil. Mas, depois, o exagero, que é intrínseco à obra de Aragão, assume as rédeas sem dó nem piedade. O que tem seu lado bom e, claro, o ruim.
Começando pelo aspecto negativo, talvez isso incomode um pouco o espectador que espera por algo mais “tradicional” em uma história de fantasmas. E eu entendo. Pois, de fato, o ritmo e o clima de tensão são quebrados em algumas cenas cruciais, seja por gritos desnecessários ou piadinhas fora de hora – em especial de Fábio, o namorado da protagonista, que possui uma função meio despropositada de alívio cômico em uma obra que tem entre suas inspirações “O Iluminado” e o terror sobrenatural japonês, por exemplo, e se propõe a lidar com temas como luto, traumas e maternidade.
Por outro lado, esse exagero traz o que de melhor Aragão sabe fazer no cinema. Sua habilidade com efeitos práticos e visuais é notória e ele não decepciona. Quando o filme torna-se acelerado, as cenas adquirem um caráter mais onírico, surreal. Isso favorece o estilo do diretor, que bota para jogo todo o seu arsenal de sangue falso e maquiagem assustadora e grotesca. O cara é um artesão e claramente se diverte criando seus monstros/fantasmas e demais objetos cênicos – e nos diverte por tabela. A própria artificialidade do prédio, uma miniatura de 2,5 metros, transmite uma aura fantástica e única ao filme por meio dessa estética.
Em relação ao elenco, o destaque é Gilda Nomacce como Dora, a inquietante zeladora do prédio. A personagem é acometida por uma solidão e raiva latentes, o que a atriz consegue expressar apenas com o olhar, nos causando calafrios, com aquela sensação angustiante de que algo ruim está para acontecer. E quando a fisicalidade passa a ser exigida no terço final, Gilda se joga de cabeça e transforma Dora em uma vilã brutal, realmente assustadora. Só é uma pena que os demais atores não acompanhem o seu nível de atuação, o que nos tira um pouco da imersão constante que o horror pede para funcionar a contento.
De todo modo, “Prédio Vazio” é essencialmente um filme de ambientação. E se sai bem. A valsinha que abre e fecha a obra reforça a atmosfera de suspense e terror de forma até surpreendente, já que se trata, basicamente, de um hino de louvor à cidade capixaba. “Ninguém poderá sonhar, nem viver o que eu vivi, longe desta maravilha que se chama Guarapari”, diz os seus versos, que, originalmente, soam saudosos e convidativos, e encontram eco em cenas como uma conversa com um motorista de aplicativo, um tira-gosto no barzinho, etc. Contudo, passa a dialogar também com o medo inimaginável e improvável da violência que é proporcionada por aquele cenário, em princípio paradisíaco. E, claro, pelas almas penadas também. Muitas delas, vítimas da selvageria dos centros urbanos brasileiros.
“Prédio Vazio” pode até não ser o trabalho mais assertivo de Rodrigo Aragão, cinematograficamente falando, mas, sem dúvida, reafirma sua autoralidade e o seu compromisso de fazer terror com “jeitinho brasileiro”.
Onde assistir
- “Prédio Vazio” está disponível para aluguel no Amazon Prime Video, Vivo Play, Claro TV+ e YouTube.
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