TRANSFORMAÇÃO PESSOAL

“A vida secreta de Walter Mitty”: uma jornada inesperada

Walter Mitty deixa os sonhos de lado e encara a vida de frente - mas a fantasia nunca morre neste filme dirigido e estrelado por Ben Stiller.

“A vida secreta de Walter Mitty”: uma jornada inesperada “A vida secreta de Walter Mitty”: uma jornada inesperada “A vida secreta de Walter Mitty”: uma jornada inesperada “A vida secreta de Walter Mitty”: uma jornada inesperada
Ben Stiller dirigiu e escreveu esta produção de 2013 - Foto: Divulgação
Ben Stiller dirigiu e escreveu esta produção de 2013 - Foto: Divulgação

O flerte com a autoajuda é insistente e o roteiro é repleto de obviedades. A sorte é que o clima nonsense, ingênuo até, faz toda a diferença. “A vida secreta de Walter Mitty” passa longe de ser um grande filme, mas possui coração. E, às vezes, isso basta. Com uma cena de abertura que já nos insere no mundo à parte do protagonista, damos início a uma amálgama de sentimentos. Tem espaço para riso de canto de boca, gargalhada, momentos de vergonha alheia, outros de pensar na própria vida e, ao final, a sensação é de que a clássica história de crescimento e transformação pessoal cumpriu o seu propósito, mesmo que, aqui e ali, a obra tenha seus defeitos.

O filme é baseado em um conto de James Thurber, de 1939, e já havia tido uma adaptação para os cinemas em 1947. Em 2013, após uma longa jornada de produção, em que vários atores estiveram a um passo de estrelar a nova versão, Ben Stiller assumiu não só o protagonismo como a direção. Ele imprime um tom blasé a Mitty, que cai muito bem, pois dá a ele a oportunidade de mostrar seu timing cômico a partir do momento em que se arrisca, ao mesmo tempo em que permite a demonstração de suas habilidades dramáticas, tão essenciais para o desenvolvimento desta agridoce narrativa.

Narrativa esta que mantém, doze anos depois, certa importância temática, já que lida com as consequências do fim de uma mídia impressa – a revista Life, que passará a existir apenas de forma virtual. Este processo de transformação digital, que parece irreversível em todos os aspectos da sociedade, trata não apenas de uma “mudança empresarial”, e sim de uma metáfora à vida como um todo, das relações, do fator humano, da empatia (ou falta dela). É quase um libelo a favor do mundo analógico. Claro que não há essa pretensão – ao menos com a profundidade que merecia – mas é, sim, uma interpretação possível.

É na Life que conhecemos Walter Mitty, um sujeito tímido que trabalha no controle de negativos da revista. Enquanto imagens maravilhosas do mundo todo, captadas pelos fotógrafos da publicação, passam pelas suas mãos diariamente, ele mesmo nunca viu muita coisa além do que as paredes do prédio de escritórios ofereciam. Sem iniciativa, sem correr riscos e tomado por um medo – e ao mesmo tempo desejo – de ser percebido, uma simples “piscadinha” em uma rede social para uma colega de trabalho se torna uma tarefa hercúlea.

Embora a dicotomia entre o mundo real e o on-line seja mais sutil, a mensagem principal é transmitida de forma sistemática e com uma avalanche de referências diretas. Tudo bem mastigado para o espectador não correr o risco de não se identificar com a história. O problema é que nem precisaria ser assim, pois o dilema entre ver o passar dos anos em “segurança” ou enfrentar o desconhecido e lidar com as consequências, sejam elas positivas ou negativas, acomete a todos em alguma fase da vida. Ou seja, fica um quê de redundância.

De todo modo, a partir daí, o filme poderia tomar um rumo mais sóbrio, algo na linha do “a felicidade está nas pequenas coisas, no dia a dia” e por aí vai. Mas, não. O direcionamento é para o lado fantástico. Walter Mitty vai à luta, literalmente, e briga com tubarões, encara guerreiros afegãos munido apenas do irresistível bolo da sua mãe, entre outras ações. É um nonsense que o redime. Ah, um detalhe muito bacana nisso tudo é que Walter, no auge da sua solidão e insegurança, tem o costume de sonhar acordado e imaginar cenas e situações incríveis, no qual é o protagonista de grandes feitos. E as transições da realidade para a ficção não possuem nenhum corte aparente. Só depois que saberemos se tratar de um devaneio. Assim, fica a pergunta: será que ele foi, de fato, ao encontro de aventuras ou se perdeu de vez em um dos seus “apagões”?

Ao som de “Space Oddity” (que inexplicavelmente é nomeada como “Major Tom”), de David Bowie, me inclino a acreditar na primeira opção, por mais mirabolante que ela seja mostrada na tela. Um pouco de fantasia não faz mal a ninguém e só enriquece a história. Sendo assim, a conclusão do filme é o que menos importa. Poderia ser sutil, poderia deixar tudo mastigado, tanto faz. Lá no meio, quando a canção citada acima toca pela primeira vez e marca a virada do personagem, o propósito já estava selado. A partir dali, cada um que já passou pelo mesmo que Walter Mitty deve ter escutado a voz do Bowie dentro de si, numa pergunta suplicante: “Você pode me ouvir, Major Tom?”.

Onde assistir “A vida secreta de Walter Mitty”

  • “A vida secreta de Walter Mitty” está disponível para streaming no Disney+ e no Mercado Play.

Fale com o colunista