UM OLHAR HUMANISTA

A poesia da vida cotidiana em “Dias perfeitos”

'Dias Perfeitos', um filme com uma abordagem poética e contemplativa. Conheça a vida de Hirayama e seus momentos de reflexão e encantamento.

O filme é uma ode às pequenas coisas da vida - Foto: Divulgação
O filme é uma ode às pequenas coisas da vida - Foto: Divulgação

Hirayama espera do lado de fora de um banheiro público em Tóquio enquanto uma pessoa utiliza o equipamento. Logo, ele voltará à sua obrigação de limpá-lo. Tempo suficiente para que se distraia com uma flor, a forma de uma nuvem, sombras das árvores, o comportamento de transeuntes ou qualquer outro aspecto da vida cotidiana que lhe chame a atenção. Às vezes, esboça um sorriso, um olhar curioso ou contemplativo. Só não espere que ele veja as coisas com indiferença.

Em “Dias perfeitos”, o diretor Wim Wenders conduz a narrativa com um espírito extremamente poético. Não se trata de um filme de fatos grandiosos, cheio de reviravoltas. A sua câmera simplesmente acompanha a vida acontecendo. No caso, a vida de Hirayama, um homem comum, com um emprego mundano. Esse estudo de personagem é tão impactante que, confesso, poderia acompanhar a sua rotina por um período muito maior do que a própria duração da obra. E a interpretação do ator Kôji Yakusho, especialmente a naturalidade do gestual no dia a dia, é nada menos do que brilhante. Sem ele, a proposta do filme jamais funcionaria.

Nesses tempos acelerados em que vivemos, Wenders oferece um respiro necessário e silêncios que gritam que estar em paz consigo mesmo é um luxo que poucos possuem. Dessa forma, passamos a admirar a escolha de Hirayama pela solidão e nos acostumamos e respeitamos as suas poucas e comedidas interações. Tanto é que quando outros personagens, como o seu ajudante, quebram esse padrão, a impressão é de um barulho irritante e ensurdecedor.

O poeta Mário Quintana escreveu: “Que esta minha paz e este meu amado silêncio / Não iludam a ninguém / Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta / Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios / Acho-me relativamente feliz / Porque nada de exterior me acontece… / Mas, / Em mim, na minha alma, / Pressinto que vou ter um terremoto!”. Este poema, intitulado “Confissão”, retrata bem o personagem principal de “Dias perfeitos” e sua escolha por uma vida simples, rotineira, buscando na paz e quietude os elementos necessários para a sua felicidade de um modo geral.

Digo de um modo geral porque claro que há também uma parcela de sofrimento. Momentos de tristeza surgem mesmo quando uma pessoa leva uma vida feliz. Isso é inerente ao ser humano e estar ciente dessa dualidade torna tudo bem mais fácil de lidar e superar. Assim, Hirayama mantém a capacidade de se emocionar com uma música – que trilha sonora maravilhosa tem esse filme, com The Animals, Velvet Underground, Otis Redding, Patti Smith, Nina Simone… -, uma leitura, um jantar ou até mesmo uma partida de jogo da velha através de um papel deixado por um desconhecido em um dos banheiros.

A partir da chegada da sobrinha do protagonista, o filme deixa nas entrelinhas que há muito mais no passado do personagem, mas esse não é o ponto. O encantamento dele pela vida cotidiana, sim. Hirayama é um observador atento da natureza e das pessoas, mas também não se furta a assumir um papel ativo nas relações quando é necessário. E sempre que pode mantém um tom gentil. Ou seja, ele sabe lidar com as intempéries. Mas a sua escolha é não viver em função delas. O que ele quer – e tem – é o simples, as pequenas coisas. Esses são os seus dias perfeitos.

Onde assistir

E mais…

  • VIAGEM MALDITA
    Lançado em 2006 no Brasil, o filme do diretor Alexandre Aja é uma refilmagem do clássico setentista de Wes Craven, “Quadrilha de Sádicos”. Ele mantém a mesma base da história: uma família sai para viajar pela Califórnia, mas seu carro dá problemas no meio do deserto. Lá, um grupo de sádicos que vive escondido nas colinas cerca e ataca a família. Ao contrário de muitos remakes, este consegue manter o espírito transgressor do original e até superá-lo em termos de horror e tensão, com espaço para bastante gore. Está disponível para streaming na plataforma Darkflix.
  • LANÇAMENTOS DO LOOKE
    O Looke lançou o título original “Violet no Mundo da Fantasia”, longa estrelado por Carrie Fisher e Rita Ora. Na trama, uma garota de 12 anos que mora com seus pais e sua irmã mais velha, foi escolhida para trabalhar com uma renomada estilista. A família viaja para uma vila medieval onde será realizada uma sessão de fotos, mas a garota acaba se perdendo e entrando em um misterioso portal que a leva para um mundo de fantasia. Chegam também, com exclusividade, o suspense “O Mistério do Penhasco”, com Eric Dane, o terror “Suaves e Discretas” e a comédia “O Amor é Mais Profundo Que a Água”.