Outubro chegou e está aberta a famosa “spooky season”, a temporada das bruxas. Por isso, se você é adorador do estranho, do bizarro, e vive no limiar entre o sonho e o pesadelo, seja bem-vindo. Ao longo do mês, a coluna não será para os corações fracos e mentes fechadas. Ela será dedicada ao terror. Hoje, especificamente, a ideia é entrar no clima não com um filme, propriamente dito, mas com uma história fantástica, uma verdadeira travessura de Halloween – embora você possa, na sequência, realizar a sua sessão com obras que se inspiraram neste “causo” assustador. Inclusive, isso é altamente recomendado. Ainda por aqui? Você tem coragem, admito. Então, vamos lá!
Era 30 de outubro de 1938, véspera de Halloween. Naquela noite foi colocada em prática a melhor e maior travessura de todas. A transmissão via rádio de “A Guerra dos Mundos”, narrativa sobre uma invasão alienígena à Terra, causou uma onda de medo e histeria nos Estados Unidos, de acordo com relatos que se perpetuaram ao longo desses quase 90 anos. Pânico nas ruas, suicídio coletivo, assassinatos, grupos de caça aos marcianos… Tudo isso faz parte do imaginário popular, embora, segundo historiadores, não tenha sido bem assim.
Primeiro porque os jornais do dia anunciaram a dramatização da obra de H.G. Wells, datada de 1898, por Orson Welles e companhia. Depois, avisos foram dados na estação de rádio, antes do começo do programa, de que se tratava de uma ficção. Mas nem todos leram ou ouviram, só assustaram-se com as “interrupções jornalísticas” durante a programação. Juntem-se a isso o fato de que a trama foi adaptada para a realidade norte-americana e o contexto sociopolítico que trazia da Europa os ares de uma nova Guerra Mundial. Pronto. Estava montado um cenário propício para a disseminação do medo.
O caso é que, como diz o ditado, quem conta um conto, aumenta um ponto. Sim, o susto foi grande, principalmente na região de Grover’s Mill – a primeira ser atacada, de acordo com a leitura da peça. Os telefones da rádio e das delegacias não paravam de tocar, pessoas procuravam abrigos subterrâneos e tentavam fugir das cidades. Paralelamente a isso, executivos da emissora quiseram parar a transmissão, o que foi negado por Welles, absorto naquele universo ficcional. Inclusive, ele e a rádio, mais tarde, foram alvos de ações na Justiça, mas nenhuma obteve êxito.
No entanto, nada indica que a reação do público chegou ao ponto do terror absoluto propagado. Talvez essa noção que ficou para a história tenha vindo depois, já que na repercussão feita pelos jornais surgiram até mesmo testemunhas do ataque, que inventaram mais ainda, descrevendo detalhes e cenas de guerra que não fizeram parte da transmissão. Será que foi o poder do medo e da imaginação que causou alucinações? Ou somente o gosto por contar um bom causo e simplesmente ser o foco das atenções?
Guardadas as devidas proporções, o episódio foi um fenômeno similar ao que presenciamos atualmente, com as redes sociais e Inteligência Artificial, quando uma notícia falsa é compartilhada. A diferença é que hoje o esclarecimento chega em minutos. Já naquela época, não havia outro meio de informação instantâneo, apenas o rádio, uma fonte confiável que “divulgava” ataques extraterrestres e a morte de milhares de civis e militares por gás venenoso e raios de calor. Fora isso, “A Guerra dos Mundos” era uma ficção assumida, que virou “pegadinha” por um simples golpe do acaso. Não foi algo passado como informação de fato e que, por falta de checagem, irresponsabilidade ou má fé, ludibriou o público.
Então, quando Orson Welles terminou a apresentação revelando que se tratava de uma mera comemoração do Halloween, a tensão continuou a pairar – sinal de que a história foi muito bem contada – e a indignação até deu as caras pela situação em si, mas a sua credibilidade e genialidade foram conservadas e até exaltadas posteriormente, pois ele acabou permitindo um estudo sobre influência do rádio e manipulação das massas. Algo que, em plena era virtual e de fake news, continua bem pertinente.
Ah, e como prometido, a obra de H.G. Wells também rendeu adaptações cinematográficas. A melhor delas foi a primeira, de 1953, dirigida por Byron Haskin, a partir de um roteiro adaptado por Barré Lyndon, que teve sua trama atualizada para a época da Guerra Fria. Dessa forma, manteve acesa a chama do horror por meio da paranoia, com direito até mesmo a toques filosóficos. Com efeitos visuais extremamente imaginativos e eficientes – o filme ganhou o Oscar nessa categoria, aliás – na concepção das naves espaciais, fugindo do conceito de “disco”, “Guerra dos Mundos” tornou-se um marco. E, para isso, nem precisou de uma escala grandiosa ou megalomaníaca (como Spielberg fez em 2005, em sua adaptação com Tom Cruise, que é apenas regular). Bastou a força da história.
Onde assistir
- “A Guerra dos Mundos” (1953) está disponível para streaming na Darkflix, e para aluguel e compra no Amazon Prime Video e Apple TV. Já a versão radiofônica de Orson Welles está disponível no YouTube.
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