Os lixões a céu aberto são um dos maiores contribuintes para a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Sem nenhuma preparação ou infraestrutura para a captação dos gases gerados naturalmente pela decomposição da matéria orgânica presente no lixo, gases poluentes são despejados diretamente na atmosfera. Aí está uma grande diferença entre os lixões e os aterros sanitários, projetos de engenharia que, além de acondicionar de maneira correta os resíduos domésticos coletados nas cidades, ainda podem contribuir com a redução da emissão de gases, gerando inclusive créditos de carbono. Confira a edição número 5 do caderno Varejo Sustentável, do DIÁRIO, e descubra.
O uso de tecnologias de neutralização de carbono e de geração de crédito de carbono já são uma realidade no Aterro Sanitário de Marituba, que recebe em torno de 1.500 toneladas de lixo por dia, provenientes da Região Metropolitana, especificamente dos municípios de Belém, Ananindeua e Marituba. Por mês são 40 mil toneladas de lixo que oferecem um potencial muito grande de matéria orgânica em decomposição e, consequentemente, de geração de gases que podem ser aproveitados.
Aterro Sanitário de Marituba e a Geração de Créditos de Carbono
O diretor da Guamá Tratamento de Resíduos, Reginaldo Bezerra, conta que o Aterro Sanitário de Marituba já gera créditos de carbono desde 2022 e a partir de 2023 passou a gerar também energia elétrica através da captação e transformação dos gases provenientes do processo de decomposição do lixo. “O aterro sanitário já foi construído prevendo essa captação dos gases, que é feita através de tubulações e tubos verticais que vão desde a base do aterro até em cima”, explica. “Esses tubos são perfurados, onde o gás entra e sobe, porque é um ar quente, e existem conexões na parte de cima onde o gás é captado e conduzido através de tubulações para uma unidade de biogás. Então, todo o gás é transportado através de gasodutos para a unidade de biogás”.
Do gás gerado pelo lixo, 55% é metano, um gás que contribui para o efeito estufa, e os outros 45% é composto de outros gases que não causam impacto ou cujo efeito nocivo é infinitamente menor em relação ao metano. Dessa forma, o aterro sanitário adota duas utilizações para o gás metano que é captado do lixo acondicionado. Uma parte dele queimada em uma chaminé recebe o nome técnico de Flare, um equipamento importado da Itália. Nessa chaminé gigante, o gás sofre um processo em que se extrai toda a umidade através da queima. Nessa queima, ocorre um processo químico que transforma o metano em gás carbônico, que é 21 vezes menos poluente do que o metano.
“Só o fato dessa eliminação do metano, transformando-o em gás carbônico e impedindo a sua emissão direta na atmosfera, já gera crédito de carbono”, explica Reginaldo. “Nós cadastramos esse projeto na ONU e, portanto, somos auditados por oficiais da ONU, onde tudo é mensurado. Existem instrumentos que medem 24 horas a emissão desse gás e a queima dele”.
Reginaldo Bezerra aponta que, por ano, o aterro sanitário queima em torno de 180 mil toneladas de gás metano, ou seja, a cada ano evita-se a emissão dessa quantidade de metano na atmosfera, gerando os créditos de carbono. “Esse foi o primeiro projeto no Estado do Pará de geração de crédito de carbono a partir de um aterro sanitário. Já é uma realidade, já existe essa comercialização de créditos de carbono. Nós temos um contrato assinado com uma empresa europeia que compra esses créditos de carbono”.
Geração de Energia Elétrica a partir do Biogás
A parte restante da totalidade de gás emitido no aterro sanitário e que não é enviado para a queima é aproveitada para a geração de energia elétrica. Outro projeto pioneiro que, segundo aponta o diretor da Guamá Tratamento de Resíduos, também é o primeiro do Estado do Pará. “Essa segunda parte também passa por um processo de filtração, de retirada de umidade, e um processo técnico onde esse gás é utilizado como combustível através de um grande gerador que nós importamos também da Europa. Nesse gerador nós transformamos o gás combustível em energia elétrica”, explica. “Essa energia elétrica gera 1 MW hora, que equivale a aproximadamente 740 MW por mês de geração de energia”.
Com essa quantidade de energia elétrica gerada todo mês, o aterro sanitário consegue suprir toda a sua necessidade de consumo de energia elétrica. E, mais do que isso, ainda gera um excedente que ajuda a alimentar a rede de energia do Estado. “Toda a energia consumida pelo aterro sanitário é gerada do biogás. Essa é uma energia limpa porque substitui a energia que vem de combustíveis fósseis como, por exemplo, geradores que são movidos a diesel”, destaca Reginaldo. “Nós não consumimos totalmente essa energia gerada, uma parte é aproveitada internamente e a outra parte, através de um contrato que temos com a concessionária de energia, nós lançamos na rede elétrica e a Equatorial distribui junto com a energia que ela produz de outras fontes. Então, nós também geramos uma receita extra quando vendemos essa energia para a concessionária”.
O que o aterro sanitário gera de energia elétrica, hoje, seria suficiente para abastecer cerca de 10 mil residências. “Esse processo de transformação do gás em energia é a reciclagem propriamente dita. Você transforma o gás em um novo produto diferente da sua origem porque você pegou o gás e transformou em energia elétrica para o uso humano e para o benefício da sociedade”.
Para que todo esse sistema de tratamento de biogás fosse possível hoje, o diretor da Guamá Tratamento de Resíduos aponta que a empresa fez um investimento da ordem de R$20 milhões de reais, mostrando que o resíduo de um aterro sanitário pode ser bem aproveitado e pode gerar riqueza.