O crédito se popularizou, o celular virou agência bancária e o consignado passou a ser a solução imediata para quase todas as situações. Mas, junto com a facilidade, vieram as armadilhas: juros elevados, telas confusas e ofertas insistentes que afetam especialmente aposentados e pensionistas. O resultado é um cenário em que o superendividamento de idosos se tornou realidade para milhares de famílias brasileiras.
Quando as parcelas consomem a maior parte do benefício e falta dinheiro para o básico — como alimentação, saúde e moradia — há um sinal claro de alerta. Na origem desse problema, estão fatores como contratações apressadas, informações incompletas, portabilidades em série e até descontos iniciados sem plena consciência do consumidor. O consignado, que deveria dar previsibilidade ao desconto direto no benefício, muitas vezes acaba abrindo espaço para abusos.
Cartão consignado (RMC): o campeão de reclamações
Entre os principais focos de denúncia está o cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC). O enredo é conhecido: um valor é depositado na conta do aposentado, sem que ele sequer utilize cartão algum, e no mês seguinte surge um desconto “mínimo” no contracheque. O saldo vai para o rotativo, os juros se acumulam e a dívida parece interminável.
Para muitos idosos, a falta de clareza nos aplicativos e a ausência de auxílio tornam a situação ainda mais grave. Em diversos casos, o consumidor acredita estar contratando um empréstimo tradicional, mas acaba preso a um cartão consignado com condições mais duras. Se não houve desbloqueio de cartão e, mesmo assim, aparecem descontos mensais fixos, especialistas alertam: trata-se de um indício de RMC — e a cobrança pode ser ilegal.
Direitos garantidos em lei
A Constituição assegura a dignidade do consumidor e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é claro:
- cobranças indevidas devem ser devolvidas em dobro (salvo engano justificável do banco);
- falhas de serviço podem gerar indenização, inclusive por danos morais;
- em caso de dúvida, cabe à instituição provar que o contrato foi feito de forma regular e transparente;
- práticas abusivas — como omissão de custos ou envio de serviços não solicitados — são proibidas.
Essas regras existem para proteger o chamado “mínimo existencial”: a parcela da renda indispensável para garantir condições básicas de vida.
A Lei do Superendividamento
Sancionada em 2021, a Lei 14.181 reforçou a proteção a consumidores vulneráveis e trouxe mecanismos específicos para enfrentar o superendividamento de idosos. A norma permite repactuar dívidas com todos os credores em um plano viável, garante transparência na concessão do crédito e assegura que o mínimo existencial seja preservado. Se não houver acordo, o juiz pode impor um plano equilibrado de pagamentos.
Limites de desconto
Pelas regras atuais, até 30% do benefício pode ser comprometido com empréstimos consignados, além de 5% exclusivos para o cartão consignado. No entanto, a Justiça tem reconhecido que, em situações de comprometimento excessivo da renda, os descontos não podem ultrapassar 30% do valor líquido. Quando os bancos acumulam contratos em cima da mesma renda, configuram abuso — passível de suspensão de descontos, devolução de valores e até indenizações.
Defesa dos bancos e fragilidade do consumidor
Em disputas judiciais, instituições financeiras costumam alegar que o consumidor não buscou antes o SAC, que assinaturas digitais são válidas ou que houve “consentimento livre e consciente”. A jurisprudência, porém, tem sido clara: cabe ao banco provar que houve informação adequada, consentimento inequívoco e respeito à capacidade de pagamento do cliente.
Como se proteger
- Verifique regularmente seus contracheques e desconfie de códigos de consignação que você não reconhece.
- Guarde contratos, extratos e protocolos: eles são provas importantes.
- Desconfie de depósitos inesperados e ligações insistentes.
- Exija autenticação robusta em contratações digitais.
- Busque orientação jurídica se os descontos ultrapassarem os limites legais, se houver indícios de RMC ou se contratos se multiplicarem sem explicação.
Um problema com solução
O superendividamento de idosos não precisa ser sentença definitiva. Com a proteção do CDC, o reforço da Lei do Superendividamento e decisões judiciais cada vez mais atentas, é possível interromper abusos, reorganizar dívidas e recuperar o controle financeiro.
Para especialistas, o primeiro passo é reconhecer os sinais: se o benefício mal chega e já vai quase todo para pagar consignados, é hora de acender o alerta. Informação, neste caso, é a principal ferramenta de defesa — e pode significar a diferença entre viver sob pressão financeira ou recuperar a tranquilidade para usar a renda naquilo que realmente importa.
*Com informações do site JusBrasil