CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) colocou na pauta de julgamentos desta quinta-feira (20) a ação conhecida como revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Esperado há cerca de nove anos, o julgamento deve definir se a correção atual do Fundo de Garantia -de 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial)- é constitucional.
O caso chegou ao Supremo em 2014, após estudo encomendado pelo partido Solidariedade e pela Força Sindical apontar perdas consideráveis ao trabalhador. Na época, o levantamento mostrou que a correção dos valores -a mesma da caderneta de poupança- trouxe prejuízo de 88,3% ao dinheiro depositado no FGTS de 1999 até 2013.
O ex-deputado Paulo Pereira da Silva (SDD), o Paulinho da Força, era presidente da central sindical na época e foi um dos responsáveis por entrar com a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090.
O pedido é para que a TR seja descartada e a Justiça adote algum índice de inflação, que pode ser o IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial) ou o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
A AGU (Advocacia-Geral da União), que representa a Caixa Econômica Federal na ação, estimou gastos em torno de R$ 300 bilhões, em petição apresentada em 2014.
Segundo especialistas, todos os trabalhadores com conta no Fundo de Garantia a partir de 1999 podem ser beneficiados. Há 117 milhões de contas ativas ou inativas de cerca de 70 milhões de profissionais. Se a TR for considerada inconstitucional, a expectativa de advogados é que mesmo quem não entrou com ação na Justiça pode ser beneficiado caso haja a mudança de índice, mas apenas quem ingressou no Judiciário é que poderá receber os valores atrasados.
O advogado Antônio Carlos do Amaral Maia, do Amaral Maia Sociedade Individual de Advocacia, orienta os trabalhadores a entrarem com ação o quanto antes. Ele diz que, se houver modulação, o STF pode limitar a causa e garantir pagamento apenas a quem ingressou no Judiciário até a data do julgamento.
É possível entrar com processo no Juizado Especial Federal, sem advogado, mas, caso haja recurso por parte da Caixa, administradora do fundo, será necessário nomear um defensor em prazo curto.
O trabalhador que decidir entrar com a ação agora deverá ter em mente que não há garantia de vitória e também que a modulação (a definição dos parâmetros de alcance de uma decisão judicial) poderá excluir processos recentes.
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ENTENDA O QUE DEVE SER DEFINIDO PELO STF
O QUE É A REVISÃO DO FGTS?
É uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia. Hoje, esses valores têm a mesma correção da poupança, de 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial), que rende próxima de zero. Com isso, a atualização do dinheiro fica abaixo da inflação, deixando de repor as perdas do trabalhador.
Segundo Paulinho, desde 1999, quando houve modificação no cálculo da TR, os trabalhadores acumulam perdas. A revisão corrigiria essas perdas, que chegaram a 88,3% até 2013.
O QUE O SUPREMO VAI DECIDIR SOBRE O FGTS?
O Supremo decidirá se a correção aplicada hoje é constitucional ou não. Os defensores da tese acreditam na inconstitucionalidade porque a fórmula atual não repõe as perdas da inflação, fazendo com que os trabalhadores tenham prejuízo ao deixar o dinheiro no fundo.
A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 solicita que os valores do Fundo de Garantia sejam corridos por um índice inflacionário. Entre eles estão o INPC, usado nas negociações de reajuste salarial, e o IPCA-E, que foi base para o pagamento dos precatórios do governo até o final de 2021.
A ação surgiu após o Supremo decidir, em 2014, que o governo não poderia usar a TR para corrigir os precatórios. Segundo o advogado Antônio Carlos do Amaral Maia, em ao menos três julgamentos o Supremo entendeu que a TR é inconstitucional.
“Está bem pacificada a jurisprudência no Supremo quanto à inconstitucionalidade da TR. Foram três grandes julgamentos: o primeiro foi dos precatórios, depois de ações das fazendas estaduais e federais, e terceiro, das causas trabalhistas, no fim de 2020, quando a TR foi unanimemente considerada inconstitucional”, diz.
POR QUE SE QUESTIONA A CORREÇÃO DO DINHEIRO DO FGTS?
O motivo é que a TR, usada para corrigir o dinheiro do fundo, tem rendimento muito baixo, próximo de zero, fazendo com que os trabalhadores não consigam repor seu poder de compra com o saldo do dinheiro do FGTS.
Em 2014, data do início da ação, estudo da Força Sindical mostrou que um trabalhador que tinha R$ 1.000 no ano de 1999 no Fundo de Garantia tinha, em 2013, R$ 1.340,47. Se fosse considerada a inflação medida pelo INPC, usado na correção de salários, o valor deveria ser de R$ 2.586,44, uma diferença de R$ 1.245,97.
Na defesa da correção maior, especialistas alegam que o dinheiro do FGTS é renda proveniente do salário e não pode trazer perdas, pois não se trata de um investimento.
QUEM TEM DIREITO DE ENTRAR COM A REVISÃO DO FGTS?
Todos os trabalhadores com dinheiro no fundo a partir de 1999 podem ter direito à correção se o Supremo entender que o índice utilizado estava errado e trouxe perdas. Segundo a Caixa, há 117 milhões de contas do Fundo de Garantia entre ativas e inativas.
Especialistas calculam que ao menos 70 milhões de trabalhadores podem ser beneficiados. É possível que um trabalhador tenha mais de uma conta, aberta a cada novo emprego com carteira assinada.
Se houver inconstitucionalidade e o índice de correção for alterado, a expectativa é que todos tenham seus depósitos corrigidos pela nova regra a partir de então. Para definir questões como o pagamento de valores de anos anteriores, por exemplo, o STF terá de modular o tema.
Na modulação, pode decidir que a Caixa deve pagar apenas a quem entrou com ação até 2014 ou até a data em que foi marcado o julgamento ou ainda apenas para os que fazem parte de ações coletivas. É preciso, no entanto, esperar o que Supremo irá decidir e como irá modular a questão.
QUAL O PRAZO PARA PEDIR A REVISÃO?
Não foi debatido um prazo específico sobre essa revisão, pois ela ainda não foi julgada. No entanto, entendimento das cortes superiores é que o trabalhador tem cinco anos -mesmo prazo das ações trabalhistas- para entrar na Justiça questionando valores não pagos pelo empregador de FGTS. Antes, esse prazo era de 30 anos.
QUAIS OS DOCUMENTOS PARA ENTRAR COM AÇÃO DE REVISÃO?
O trabalhador precisa ter documentos pessoais, comprovante de endereço e, o mais importante deles, os extratos do Fundo de Garantia com os valores dos depósitos. É indicado que, para entrar com a ação, os cálculos sejam apresentados à Justiça.
A plataforma Loit FGTS tem explicações sobre como entrar com o processo e realiza os cálculos, mediante pagamento de valor fixo de R$ 190, que pode ser parcelado. O Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador também tem orientações.
Há sindicatos com ações coletivas, que podem aceitar novos associados, um deles é o Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos). Para isso, é preciso se associar. No entanto, o trabalhador pode acionar o Juizado Especial Federal.
QUAIS AS CHANCES DE VITÓRIA?
No STJ (Superior Tribunal de Justiça), houve derrota dos trabalhadores, apontam outros especialistas. O trabalhador deve saber que não é possível prever o que o Judiciário vai decidir e, se entrar com ação, poderá perder o dinheiro investido na causa.
Por isso, é recomendável fechar algum tipo de acordo com o advogado para que os valores sejam pagos ao final do processo. Embora, em causas como essa seja comum a cobrança de algum adiantamento.
Julgamento do Supremo realizado em 2000 sobre a correção do FGTS na época do Plano Collor também foi desfavorável, mesmo tendo reconhecido que houve prejuízo às cadernetas de poupança na época dos planos econômicos.
“O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da lei e por ela ser disciplinado”, disse o STF.
O QUE É E COMO FUNCIONA O FGTS?
O FGTS funciona como uma poupança para o trabalhador. O fundo foi criado em 1966, com o fim da estabilidade no emprego, e passou a valer a partir de 1967. Todo mês o empregador deposita 8% sobre o salário do funcionário em uma conta aberta para aquele emprego.
Há ainda a multa de 40% sobre o FGTS caso o trabalhador seja demitido sem justa causa. Desde a reforma trabalhista de 2017, há também a possibilidade de sacar 20% da multa após acordo com o empregador na demissão.
QUEM TEM DIREITO AO FGTS?
Todo trabalhador com carteira assinada deve ter o FGTS depositado, o que inclui, atualmente, as empregadas domésticas. Até 2015, não havia direito ao FGTS por parte das domésticas. A PEC das Domésticas, porém, trouxe essa possibilidade em 2013, mas a lei que regulamentou a medida e possibilitou os depósitos dos valores por parte dos empregadores passou a valer apenas dois anos depois.
COMO SABER MEU SALDO DO FGTS?
O valor pode ser consultado no aplicativo FGTS, por meio do extrato do fundo. É possível, ainda, conseguir uma cópia do extrato nas agências da Caixa. Para cada empresa em que o trabalhador foi contratado, há uma conta vinculada aberta. É preciso observar o valor em cada conta e somar o quanto tem, ao todo.
– Abra ou baixe o aplicativo FGTS (para o primeiro acesso, é preciso criar senha de acesso)
– Clique em “Entrar no aplicativo”
– Aparecerá a frase “FGTS deseja usar caixa.gov.br para iniciar sessão”; vá em “Continuar”
– Informe seu CPF e clique em “Próximo”
– Digite sua senha e vá em “Entrar”; caso não se lembre, clique em “Recuperar senha”
– Na tela inicial, aparecerão as informações relativas às empresas que trabalhou
– O saldo de valores da empresa atual ou da última empresa na qual trabalhou aparece no topo da tela; clique sobre ela para ver as movimentações
– Para guardar os dados, clique em “Gerar extrato PDF” e salve em seu celular
– Para ver todas as empresas nas quais trabalhou, vá em “Ver todas suas contas”
– Clique sobre cada uma das empresas para abrir o extrato; em cada tela, aparecerá o saldo total
COMO SACAR MEU FGTS?
O FGTS só pode ser sacado em situações específicas, conforme a lei, como aposentadoria, compra da casa própria, demissão sem justa causa ou doença grave. Em 2019, foi acrescentada mais uma situação, que é o saque-aniversário. No entanto, quem opta por essa modalidade não pode fazer o saque-rescisão ao sair do emprego.
VEJA QUAIS SÃO AS 16 SITUAÇÕES DE SAQUE DO FGTS:
1 – Demissão sem justa causa
– Quando o trabalhador sai da empresa por decisão do empregador, sem que haja justa causa na demissão, ele tem direito de sacar seu Fundo de Garantia, com multa de 40% sobre o saldo daquela conta.
2 – Fim do contrato temporário
– O trabalhador contratado por prazo determinado pode sacar seu FGTS ao final do contrato
3 – Compra ou construção da casa própria
– Uma das funções do dinheiro do FGTS é fomentar políticas habitacionais no país
– Dentre as regras de saque do fundo está a garantia de que o trabalhador pode usar o valor para a compra da casa própria
– Para isso, é preciso ter ao menos três anos de trabalho sob o regime do FGTS, somando períodos consecutivos ou não, na mesma ou em diferentes empresas, entre outras regras
4 – Amortização de parcelas da casa própria
– Quem tem financiamento imobiliário pode usar o saldo do FGTS para quitar totalmente ou amortizar a dívida da casa própria
5 – No mês de aniversário para quem optou pelo saque-aniversário
– Criado em 2019, o saque-aniversário permite a retirada de parte do saldo da conta do FGTS, todo ano, no mês de aniversário do trabalhador
– O valor a ser retirado é limitado, conforme o saldo. Veja:
Saldo no FGTS – Alíquota – Parcela adicional
R$ 500 – 50% – —
R$ 500,01 até R$ 1.000 – 40% – R$ 50
R$ 1.001,01 até R$ 5.000 – 30% – R$ 150
R$ 5.000,01 até R$ 10 mil – 20% – R$ 650
R$ 10.000,01 até R$ 15 mil – 15% – R$ 1.150
R$ 15.000,01 até R$ 20 mil – 10% – R$ 1.900
Acima de R$ 20 mil – 5% – R$ 2.900
6 – Rescisão do contrato por falência ou morte de empregador individual, empregador doméstico ou nulidade do contrato
– Quando há o fim do contrato por falência, o saque do FGTS é permitido, desde que o trabalhador apresente declaração escrita do empregador confirmando a rescisão do contrato em consequência de extinção total ou parcial de parte de suas atividades ou cópia de decisão judicial transitada em julgado confirmando a rescisão por falência
– Quando há morte do empregador individual ou doméstico, é preciso apresentar atestado de óbito
7 – Rescisão do contrato por culpa recíproca ou força maior
– Quando houver má conduta ou ato de improbidade de ambas as partes, o contrato de trabalho pode ser rompido e o FGTS, sacado
8 – Aposentadoria
– O trabalhador pode fazer a retirada dos valores do FGTS apresentando documentação que comprove a aposentadoria
9 – Desastre natural, inundações e situações de emergência
– O saque deve ser autorizado por decreto do governo federal. Neste ano, os valores foram liberados em vários municípios atingidos por fortes chuvas.
10 – Suspensão do trabalho avulso
– O trabalhador avulso, que presta serviços para empresas sem ter vínculo empregatício, tem direito ao saque do FGTS quando houver suspensão total do trabalho avulso por 90 dias ou mais
11 – Morte do trabalhador
– Os dependentes habilitados para receber a herança podem sacar os valores
12 – Idade igual ou superior a 70 anos
13 – Trabalhador ou dependente portador de HIV
– É preciso provar a doença com atestados médicos
14 – Trabalhador ou dependente com câncer
– O titular da conta do FGTS ou seu dependente em tratamento contra câncer pode sacar o dinheiro do fundo; é preciso atestado
15 – Trabalhador ou dependente com doença grave ou em estágio terminal por doença grave
– Se o titular da conta ou um de seus dependentes tiver uma das doenças graves listadas na legislação, pode sacar o FGTS
16 – Se ficar por três anos seguidos fora do regime do FGTS
– Quem fica por três anos seguidos sem trabalhar com carteira assinada pode sacar o FGTS