Trayce Melo
Em fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu como legal a penalização para que inadimplentes (pessoas com dívidas em atraso) tenham a documentação pessoal suspensa, como a carteira de habilitação (CNH) ou o passaporte. Essas pessoas também podem ser proibidas de participar de concursos públicos e de licitações com o poder público, segundo a decisão. O recurso pode ser aplicado pelo Poder Judiciário.
O economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Pará e Amapá (Corecon-PA/AP), Nélio Bordalo, esclarece em quais situações a medida pode ser aplicada e quais tipos de devedores poderiam ser impactados.
Bordalo explica que em casos de não pagamento de dívidas, as primeiras medidas a serem tomadas incluem a penhora de valores em contas bancárias, o bloqueio de propriedades, além da inclusão do nome do devedor em cadastros de restrição de crédito.
“Acontece que, ciente de que esses bens serão objeto de penhora, é bastante simples para o devedor ocultá-los. Foi pensando nisso que o Código de Processo Civil estabeleceu, no inciso 4º do artigo 139, a possibilidade de o juiz ordenar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias que não estejam especificadas na legislação, visando garantir o cumprimento da decisão judicial”, esclarece.
“É fundamental destacar que, para que essas medidas tenham validade, é imprescindível a existência de uma ação judicial em andamento. Antes de iniciar o processo, o credor precisa buscar alternativas amigáveis e conciliatórias para receber o que lhe é devido”, pontua.
Essas ações mais severas têm sido implementadas para assegurar o cumprimento das obrigações em situações nas quais o devedor, intencionalmente, se desfaz dos seus bens, porém continua a agir de forma contraditória perante o Judiciário.
“Pense em alguém que dirige um carro novo e não quita uma dívida de R$ 15 mil, nem apresenta uma proposta de pagamento. Isso não faz sentido. Da mesma forma, não é coerente não pagar uma dívida de R$ 100 mil, mas fazer viagens para o exterior várias vezes ao ano”, ilustra. Nessas situações, restringir a capacidade de viajar ou dirigir pode incentivá-lo a quitar a dívida ou, ao menos, parcelá-la.
Entretanto, Bordalo ressalta que mesmo sendo uma penalização legal, sua aplicação requer a consideração de certas circunstâncias, além de respeitar os “direitos fundamentais e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade”, conforme destaca o texto apresentado no plenário.
São os casos, por exemplo, em que o devedor não tenha condições de arcar com suas dívidas. “Quem usa a CNH para trabalhar (motorista de táxi, ônibus, caminhão ou aplicativos), por exemplo, não pode ter o documento apreendido, pois o documento é necessário para o trabalho, o que configura uma teratologia jurídica, infringindo diversos tratados internacionais essenciais e também a Constituição”.
Orientações
- Para aqueles que enfrentam problemas de inadimplência e se preocuparam com a decisão do STF, Bordalo destaca a relevância de contratar um advogado, especialmente se a empresa prejudicada tiver iniciado um processo.
- É fundamental, antes de qualquer coisa, optar sempre por buscar um acordo. “Optar pela conciliação em vez de tentar esconder bens ou realizar outro tipo de fraude é sempre a escolha mais sensata”, declara.
- Para aqueles que se encontram sem condições de arcar com os pagamentos, o especialista orienta: “Informe ao credor e ao juiz sua situação financeira real, apresentando detalhes como sua renda, extratos bancários e de cartões de crédito, além de mencionar os bens que possua. É importante esclarecer também suas despesas pessoais e familiares, entre outros aspectos. A Justiça tende a favorecer os que agem com honestidade e pode ser severa se suspeitar de algum tipo de fraude”, conclui.