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Plano Real: há 30 anos, a economia do Brasil mudava

Cédulas de Real FOTO: Marcello casal jr/agência brasil
Cédulas de Real FOTO: Marcello casal jr/agência brasil

Luiza Mello

Há 30 anos o Brasil testemunhava o nascimento de um plano econômico que mudaria sua história para sempre. Nascia, em 1º de julho de 1994, o Plano Real, que permitiu a estabilidade e confiança da economia brasileira, acabando com a hiperinflação que, naquele ano, em doze meses, chegava a 4.922% na acumulada, e finalizou dezembro com nível alto de 916%. No ano seguinte, 1995, a inflação foi reduzida para 22%. Desde então, mesmo com as várias crises internacionais e internas que prejudicaram a estabilização econômica, o IPCA acumulado em 12 meses passou de 9% em poucas ocasiões.

Itamar Franco na apresentação da nova moeda
FOTO: divulgação

O real foi criado no governo Itamar Franco, em 1994, para resolver uma das maiores crises inflacionárias do mundo. Na época os preços dos produtos nos supermercados chegavam a ser remarcados até três vezes em um único dia.

Os governos dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor tentaram, sem sucesso, acabar com a inflação herdada dos governos militares anteriores. Ao assumir a Presidência da República, após a queda de Collor, Itamar Franco convidou o economista Fernando Henrique Cardoso para assumir o Ministério da Fazenda.

Com a missão de reorganizar a economia, FHC reuniu um grupo de economistas, coordenado por Pedro Malan, do Banco Central. O plano de ação econômica que eles escreveram foi publicado no final de 1993. Na época, a inflação batia recordes, prejudicando principalmente os mais pobres.

Confiando no sucesso do Plano, Fernando Henrique se afastou do cargo de ministro da Economia e entrou na disputa pela sucessão de Itamar. A campanha começou por Minas Gerais, estado conhecido por “decidir as eleições” pelo tamanho de sua população e força política.

POÇOS DE CALDAS

Era um sábado, 2 de julho de 1994. Fernando Henrique havia pernoitado na cidade de Poços de Caldas, no Sul de Minas. Logo cedo, acompanhado por candidatos locais, FHC saiu do Palace Hotel –um dos mais tradicionais do interior de Minas – e seguiu em direção à Praça Pedro Sanches, onde entrou em uma agência do Banco do Brasil (os bancos abriram excepcionalmente naquele final de semana). Ali ele trocou suas notas e moedas em “cruzeiro” pelo novo Real.

“Abri a carteira com os cruzeiros que tinha e troquei por reais. Ao tomá-los nas mãos me enchi de orgulho, e lembrei do longo caminho percorrido, um ano inteiro trabalhando na formulação do plano econômico, explicando-o à sociedade, até chegar ao lançamento da nova moeda”, declarou o ex-presidente e “pai” do real, Fernando Henrique Cardoso.

Ao continuar em Minas, FHC seguiu para o município de Uberlândia, onde teve a oportunidade de visitar o centro da cidade e saborear o famoso “cafezinho” mineiro, onde pagou em reais diante da incredulidade de quem recebia a nova moeda, no primeiro dia de sua validação. Por onde andava, Fernando Henrique era chamado a explicar aos moradores da cidade mineira o que era o Real, quanto valia a antiga moeda, se havia conversão, entre

outros questionamentos. A partir de Minas, o Brasil inteiro abriu as portas para o então candidato Fernando Henrique Cardoso, que foi eleito em primeiro turno com 54,3% dos votos válidos.

ETAPAS

30/03/1994. Crédito: Eraldo Peres/CB/D.A Press. Brasil. Brasília – DF. Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso – FHC apresenta cédulas de notas da nova moeda, o Real.

O Real foi criado em etapas. Em março de 1994 a equipe de economistas comandada por Fernando Henrique criou uma espécie de moeda virtual, a Unidade Real de Valor – URV – que permitiu fazer a transição sem carregar junto a hiperinflação. Quatro meses depois, em 1º de julho de 1994, foi anunciado o Plano Real que passou a valer no dia seguinte, circulando em cédulas. O real é a 8ª moeda do país desde a Independência.

“Foi uma formidável inovação que assumiu a forma de segunda moeda nacional, porém apenas ‘virtual’, ou para servir exclusivamente como padrão de valor monetário”, explica o economista e ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, que fez parte da equipe que criou o Real. Ele lembra que a Medida Provisória 434, que permitiu a troca da moeda nacional, determinava que, quando a URV fosse emitida em forma de cédulas — e assim passasse a servir para pagamentos —, o cruzeiro real seria extinto e a URV teria seu nome mudado para real.

Edmar Bacha foi outro economista que protagonizou o Plano Real e, junto com Gustavo Franco e com o ex-ministro Pedro Malan, lançaram o livro “30 Anos do Plano Real”, uma coletânea de artigos que mostram as fases bem sucedidas e os riscos identificados após o lançamento da nova moeda.

O Banco Central e a Casa da Moeda tiveram papel decisivo nas duas últimas fases do Plano Real. “Foram grandes desafios logísticos. Nas décadas de 1970 e 1980, a inflação alta e crônica corroía rapidamente o valor do dinheiro e a produção de numerário se dava em ritmo intenso na Casa da Moeda. Mesmo assim, concluiu-se que não seria possível conciliar a manutenção do estoque do meio circulante em Cruzeiros Reais com a produção física do Real durante a fase de transição – entre março e junho de 1994, relata a instituição em artigo sobre os 30 anos do Plano.

A distribuição do novo numerário para a rede bancária começou a ser feita em abril de 1994 para acelerar a substituição integral do meio circulante. Até 30 de junho daquele ano, mais de 940 milhões de cédulas e mais de 688 milhões moedas já tinham sido distribuídas em todo o país. Em operação inédita, o BC coordenou simultaneamente: o fornecimento físico do Real, o acolhimento de depósitos à vista feitos na nova unidade monetária e o recolhimento de numerário em cruzeiros reais (que circularam até setembro de 1994).