Cintia Magno
Ainda em 1938, quando um Decreto Lei assinado pelo então presidente Getúlio Vargas determinou a criação do salário mínimo, ficou estabelecida também uma lista de itens alimentícios básicos que garantiriam, durante um mês, o sustento e o bem-estar de um trabalhador em idade adulta. Desde então, o Decreto Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, é o que continua a regulamentar os 13 produtos que compõem a cesta básica brasileira, porém, ao longo dos anos os estados brasileiros foram adicionando itens de acordo com as particularidades regionais, gerando listas que se diferem em cada unidade da federação.
Aprovada em julho na Câmara dos Deputados e posteriormente encaminhada para o Senado, a proposta de Reforma Tributária voltou a chamar a atenção para o tema ao prever a criação de uma cesta básica nacional de alimentos com tributação zerada. A reforma considera unificar os itens da cesta básica em todas as 27 unidades da federação, porém, os itens que comporiam essa cesta básica nacional unificada ainda deverão ser definidos por meio de lei complementar.
A unificação tem gerado divergências, já que, a partir dela, determinados alimentos que contam com benefícios ligados à redução de ICMS em alguns Estados, por exemplo, poderiam passar a não contar mais. Isso porque, atualmente, os produtos básicos que compõem a cesta básica, de acordo com o previsto no Decreto Lei, contam com desoneração de impostos federais, porém, os Estados têm liberdade para conceder benefícios ligados ao ICMS a outros itens adicionais que consideram básicos de acordo com os hábitos alimentares e realidade locais.
Quando se analisam as diferentes cestas básicas praticadas nos 26 Estados e no Distrito Federal, é possível compreender o tamanho do desafio. Uma pesquisa realizada por pesquisadores da FGV Direito de São Paulo, cujo relatório foi publicado em abril deste ano sob o nome de ‘Alíquota Única na Tributação sobre o Consumo’, elenca as particularidades encontradas nas cestas básicas de cada Estado. Segundo o estudo, alguns estados tratam como produtos pertencentes à cesta básica até mesmo itens que não são do gênero alimentício.
É o caso, por exemplo, de alguns tipos de medicamentos incluídos, segundo o estudo, em cestas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Acre. Outro caso é o de produtos de higiene corporal e bucal, encontrados em cestas de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Maranhão e Amazonas.
Especificamente no Estado do Rio de Janeiro, também são inseridos na cesta básica itens como repelente de insetos e protetor solar com fator de proteção igual ou superior a 30. Já no Ceará, são encontrados itens de material de construção, como areia e cal virgem, telha, tijolo, cerâmica tipo “C”, e de material escolar, como caderno, caneta, lápis comum e de cor, borracha de apagar, apontador, lapiseira, agenda escolar, entre outros. O Ceará tem, inclusive, a maior relação de produtos adicionais do país, segundo o estudo da FGV.
No que se refere às particularidades dos hábitos alimentares, o estudo aponta que a cesta básica de Minas Gerais é a única do país a incluir o tradicional pão de queijo. Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso são os únicos estados cuja cesta básica contempla a erva-mate.
No Estado do Pará, segundo o estudo, que usa como legislação base o Decreto n° 4.676/2001, os itens adicionais da cesta básica incluem produtos como sabões em pó e em barra, detergente em pó, mortadela, sardinha em conserva, achocolatado em pó, entre outros. Esses e outros itens apontados como ‘adicionais’ em cada Estado são produtos que, como reforça a própria pesquisa, extrapolam aqueles pesquisados mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em todo o Brasil.
PESQUISA
Tomando como referência os itens básicos que compõem a cesta de acordo com o estipulado pelo Decreto Lei nº 399/1938, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos pesquisa os preços das cestas básicas em todo o Brasil. No Estado do Pará, a cesta básica é calculada pelo Dieese há mais de 30 anos.
O supervisor técnico do Dieese-PA, Everson Costa, explica que para que se tenha um escritório do Dieese funcionando em um estado brasileiro, os trabalhos precisam ser iniciados justamente pela coleta dos preços da cesta básica e isso ocorre por um motivo muito simples. “Para poder falar do custo de vida do trabalhador, eu preciso no mínimo saber quanto aquela alimentação custa”, considera.
Apesar de ter a legislação oficial como base, o Dieese também passou a incorporar, com o passar do tempo, pesquisas de preços sobre outros itens que são básicos na alimentação dos paraenses. “Por exemplo, no nosso caso, aqui da Região Norte, e também da Região Nordeste, nós temos um consumo extraordinário da farinha de mandioca. Algo que você não vai encontrar na pesquisa da cesta básica calculada do Sul e Sudeste do país porque lá você passa a ter, por exemplo, a batata ou outro tipo de produto”, explica Everson, se referindo às pesquisas do Dieese.
“Quando a gente divulga a cesta básica, lá nós temos itens básicos e deve-se observar que cada item daquele tem uma quantidade definida no Decreto Lei, como a quantidade em kg de tomate, a quantidade de farinha, quantidade de carne, então, aquele custo pesquisado representa quanto uma pessoa adulta teria que desembolsar para adquirir esses alimentos e ter acesso a essa ração essencial que poderia subsidiar a alimentação dele”. No mês de julho, a cesta básica do paraense ficou em R$650.
O supervisor técnico do Dieese-PA considera, ainda, que o Pará não tem a mesma composição alimentar de outros Estados, exatamente porque a cultura e os costumes são diferentes. Por isso, foi necessário pesquisar outros itens para além dos mais básicos.
“Para que a gente possa se aproximar do custo de vida dos paraenses, o Dieese também passou a levantar, há muitos anos, os preços de dois alimentos que são fundamentais para a alimentação do paraense e que inclusive são coletados também pelo IBGE quando ele faz a apuração da inflação aqui. Então, mesmo o Dieese usando ainda uma metodologia de cálculo que remonta há anos atrás, para que a gente pudesse falar mais amplamente desse custo de vida alimentar paraense, a gente passou a pesquisar o preço do litro do açaí e do pescado”.
Para além desses, Everson aponta que também foi necessário considerar itens que não necessariamente fazem parte da rotina alimentar ao longo de todo o ano, mas que possuem uma participação muito representativa em períodos esporádicos.
“A gente tem datas aqui, como o Círio de Nazaré, que nos levaram a pesquisar também quanto custa o nosso pato, a nossa maniçoba, o nosso vatapá. Então, a cesta básica pesquisada, hoje, pelo Dieese, é uma espécie de farol para que a gente possa começar a mensurar o peso dessa alimentação, respeitando as diversidades e particularidades de cada região”, aponta. “Nós entendemos que, aqui no Pará, o açaí e o pescado fazem parte da rotina alimentar. Pode não estar na cesta básica oficial prevista em lei lá atrás, mas hoje até os índices de inflação que são pesquisados aqui levam em consideração esses dois itens porque eles fazem parte da nossa tradição, da nossa cultura”.
Consumidores apontam produtos que não podem faltar
Enquanto a definição de uma lista unificada de itens da cesta básica não se resolve no âmbito legislativo, resta à população habilidade para fazer os itens essenciais da alimentação caberem no orçamento. Para o aposentado Roberto Costa, 71 anos, itens como o feijão, o arroz e o frango não podem faltar na cesta básica.
“São aquelas coisas mais essenciais mesmo, né? Também não pode faltar um detergente pra gente lavar a louça”, considera, ao apontar que observou uma leve queda nos preços dos itens essenciais nos últimos dias – cenário, inclusive constatado pelas pesquisas recentes do Dieese-PA. “Está dando pra levar o básico, deu uma melhorada. Mas eu coloco tudo na ponta do lápis pra não passar nada quando chegar lá no caixa”.
Considerando que tem produtos que não podem faltar em casa, a dona de casa Vera Lúcia Gomes, 59 anos, tenta equilibrar os custos buscando marcas mais em conta. “Como eu moro sozinha, eu levo o mais essencial mesmo. O arroz, o feijão e o que precisar de comida, e tem que ter um sabão e um detergente pelo menos pra gente lavar a roupa, né? Isso também é básico”.
A dona de casa Maria José Belo, 61 anos, costuma fazer as compras não apenas para a sua casa, como também para o netinho que ela ajuda a criar. “Todo mês tem que ir o arroz, o feijão, macarrão, um leite para o meu netinho. Eu compro tudo e depois separo o que fica pra mim e o que eu mando pra ele”, conta. “A gente leva o básico mesmo. Além da comida, um sabão, uma água sanitária e assim a gente vai. Eu ainda vou tentando pechinchar o mais barato porque isso faz diferença”.
Saiba mais
ADICIONAIS
Itens adicionais da Cesta Básica no Pará, de acordo com pesquisa realizada pela FGV Direito SP, com base no Decreto (PA) n° 4.676/2001.
- Sal de cozinha;
- Sardinha em conserva; Salsicha e linguiça;
- Salsicha em conserva;
- Mortadela;
- Sabões em pó, flocos, palhetas, grânulos ou outras formas semelhantes;
- Sabão em barra, detergente em pó, flocos, palhetas, grânulos ou outras formas semelhantes;
- Composto lácteo;
- Chocolate em pó;
- Preparações para alimentação infantil à base de farinhas, grumos, sêmolas ou amidos e outros.
Fonte: Relatório da Pesquisa ‘Alíquota Única na Tributação sobre o Consumo’ – FGV Direito de São Paulo, publicado em 18/04/2023. Disponível em: https://biblioteca digital.fgv.br/dspace/handle /10438/33599