FERNANDA BRIGATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Uma data importante para o mercado de energia solar se aproxima e, na avaliação do setor, o período eleitoral, a Copa do Mundo e mesmo certo hábito de deixar tudo para a última hora, combinados a juros bancários altos e a discussão de novas mudanças nas regras podem ter esfriado a busca por sistemas de geração própria de energia solar.
Para as distribuidoras, a frustração não se justifica, uma vez que a alta demanda por pedidos de acesso à rede chegou a sobrecarregar os sistemas de diversas concessionárias na semana passada. Em 20 das 40 distribuidoras representadas pela Abradee (associação do setor), os pedidos dobraram na comparação com o ano passado.
De 35,9 mil em novembro de 2021, para 70 mil, neste ano, e a projeção das distribuidoras é que o mês de dezembro também termine com aumento de 100% nas solicitações. A média de novas conexões chegou a 2.000 unidades consumidoras por dia.
A corrida por pedido ocorre porque o dia 6 de janeiro é a data final para que novos usuários de energia solar garantam até 2045 a isenção de pagamento da Tusd B (tarifa de uso dos sistemas de distribuição), ou fio B.
Neste fim de 2022, passou na Câmara dos Deputados e chegou ao Senado um projeto de lei que, entre outras mudanças, buscava estender em seis meses esse prazo.
O projeto não avançou sob pressão das distribuidoras, da Frente Nacional dos Consumidores de Energia e do movimento Energia Justa, que calculam um custo extra de R$ 138 bilhões aos consumidores (a cifra não trata apenas do fio B, inclui outras mudanças previstas no texto em discussão no Congresso).
A prorrogação do prazo era apenas um dos pontos em discussão no projeto de lei, que acabou virando um ponto discórdia entre os senadores que estarão na base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assume no dia 1º.
As discussões também desviaram a atenção do prazo, cujo fim se aproximava. “Muitos integradores relatam que há dúvidas sobre a lei e sobre o prazo, ficou um ruído na comunicação”, diz Lucas Freitas, CEO da distribuidora Genyx.
Os integradores são os que fazem as instalações para o consumidor final. “O assunto eleição, depois a Copa, também tirou o espaço para a gente se comunicar”, afirma. “E mais a incerteza com o prazo, se ficaria o dia 7 ou não.”
Quem aderir ao sistema a partir do dia 7 de janeiro passará a pagar pela Tusd B progressivamente até 2029.
As distribuidoras e a Aneel consideram essa isenção um subsídio. O que foi chamado de “taxar o sol” é, na avaliação das distribuidoras, o fim de um benefício que, quando foi criado, pretendia estimular a geração distribuída (como é chamada essa produção de energia a partir de placas sobre as casas e comércios), que há dez anos era cara e inacessível.
O mercado evoluiu rapidamente, especialmente a partir de 2019. Naquele ano, a geração distribuída respondeu por 2,1 gigawatts. Em 2022, deve fechar com 16,1 gigawatts, segundo projeção da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar), e deve ir a 21,6 gigawatts em 2023.
A disputa com as distribuidoras exise porque, segundo as empresas, o uso da rede de distribuição gera um custo para o sistema todo. Na conta de energia convencional, aquela paga pelos consumidores comuns, a Tusd B corresponde a cerca de 28% da tarifa convencional.
Os microgeradores (residências, pequenos negócios, prédios públicos etc) precisam estar ligados à rede de distribuição tanto para usar a energia elétrica tradicional em períodos em que a produção solar não seja suficiente, mas também porque o excedente não tem como ser armazenado.
Então, hoje, quando uma residência produz mais do que consome, essa energia vai para a rede de distribuição, e o consumidor fica com um crédito com a concessionária.
Segundo a Aneel, apenas a prorrogação do prazo poderia gerar um custo adicional entre R$ 13 bilhões e R$ 25 bilhões até 2045, valor que será repartido entre todos os 84 milhões de consumidores ligados a rede. Somadas às outras mudanças previstas do projeto de lei, o impacto poderia chegar a R$ 125 bilhões, de acordo com a agência.
Lucas Freitas, da Genyx, defende que o marco legal de setor foi negociado com o setor para amadurecer o mercado e abrir caminho para outros negócios e mais investimentos.
O problema, segundo ele, é que diversos pontos previstos na lei não foram cumpridos pela Aneel, como a realização de audiência públicas e uma espécie de encontros de contas da geração distribuída, por meio do qual o setor esperava mostrar o impacto que a retirada da energia solar poderia causar ao sistema integrado.
Na empresa que dirige, o aumento de negociações no segundo semestre foi de 50% na comparação com a média do primeiro, mas o resultado poderia ser melhor. “Tem uma aceleração, mas essas questões da lei deixam o cliente meio confuso”, diz.
O financiamento para os sistemas de energia solar ainda são um complicador para o setor. Em 2022, o endividamento das famílias subiu e o crédito ficou mais caro. Os sistemas, sejam eles residenciais ou comerciais, não são baratos.
Mesmo assim, quem atua em linhas específicas para esse tipo de empreendimento, registrou crescimento em 2022. A carteira de financiamento de painéis solares do BV ficou em R$ 4,1 bilhões no terceiro trimestre de 2022, quase o dobro (96,4%) do que registrado no mesmo período em 2021.
Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Absolar, defende que a Aneel e as distribuidoras descumpriram prazos e compromissos previstos no marco legal.
Por mais que o prazo da isenção da Tusd B tenha acelerado investimentos no setor, a Absolar diz que as distribuidoras têm atrasado e criado dificuldades para que os consumidores entrem com os pedidos. No dia 22 de dezembro, a entidade pediu a Aneel que fiscalize as empresas.
Segundo a associação, os sites de quatro concessionárias estiveram fora do ar ou com algum problema de navegação na semana que antecedeu o Natal. A situação, diz a Absolar, impedia que os clientes enviassem a documentação necessário ao pedido de acesso.
Marcos Madureira, presidente da Abradee, diz que acusar as empresas de má vontade com os pedidos é uma inverdade. Ele admite que os sistemas podem ter registrado intermitências pelo alto volume de pedidos de acesso à rede.
Em um concessionária, de 700 pedidos diários, em média, o volume, na véspera do Natal chegou a 2.500. “A facilidade de envio do pedido pela internet foi criada pelas empresas, como alguém pode dizer que elas estão dificultando o acesso”, afirma Madureira.
“Posso assegurar que todos os pedidos completos que deram entrada no sistema serão considerados, mesmo que tenha havido algum problema com a solicitação.”
A Aneel foi procurada, mas não respondeu.