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Crédito do INSS: por que está mais difícil para aposentados e pensionistas conseguirem empréstimo?

O consignado é um tipo de crédito que traz menos riscos para os bancos, pois a quitação das parcelas é feita diretamente no contracheque de quem o contratou.
O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) prepara mudanças no crédito consignado oferecido a trabalhadores.. Foto: Divulgação

BRASILIA (AG) – Uma disputa entre o governo e os bancos sobre os juros do crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS pode travar a concessão de empréstimos nessa modalidade. Desde março do ano passado, um movimento liderado pelo Ministério da Previdência em prol de melhores condições para esse tipo de operação já resultou em oito reduções da taxa máxima que pode ser cobrada nos empréstimos, de 2,14% para 1,66% ao mês (21,84% ao ano). Mesmo com essas reduções, houve queda no número de liberações do crédito com desconto em folha.

O consignado é um tipo de crédito que traz menos riscos para os bancos, pois a quitação das parcelas é feita diretamente no contracheque de quem o contratou. Por isso, as taxas costumam ser menores que em outros financiamentos. Os bancos dizem, no entanto, que o efeito da redução do teto no consignado do INSS foi inverso ao pretendido pelo governo.

Em vez de elevar a concessão, ela acabou restringindo o acesso dos aposentados a novos empréstimos, especialmente de clientes com perfil mais arriscado, como os mais idosos e com benefício menor.

As instituições financeiras estão mais seletivas por causa do aumento do custo de captação de recursos. Esse custo está atrelado à curva de juros futuros, que vem crescendo embora a Selic – a taxa básica de juros, que é referência para a concessão de empréstimos no país – esteja estável em 10,5% ao ano.

Sem o repasse da alta de custo para as taxas cobradas no consignado – já que existe um teto para os juros nessa modalidade -, não se descarta um cenário de suspensão total desse produto financeiro, como já ocorreu no ano passado.

O ministério rebate dizendo que houve redução das taxas apenas nas novas operações de crédito com margem livre, mas aumento em refinanciamento e portabilidade. Atualmente, os aposentados e pensionistas do INSS podem comprometer até 35% do valor do benefício com as parcelas do empréstimo.

O refinanciamento ocorre quando o cliente que já está quase quitando o empréstimo pega mais dinheiro emprestado – o chamado “troco”. Já a portabilidade não significa dinheiro novo, é só a troca da dívida de um banco para o outro, normalmente motivada por juros menores.

Números da Dataprev (empresa pública que cuida do processamento de dados da Previdência) compilados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostram que o volume financeiro de novos empréstimos com margem livre caiu 23% entre 2022 e 2023, sem contabilizar os refinanciamentos.

Neste ano, até maio, último dado disponível, a queda continua: 11% ante o mesmo período do ano passado. Ou seja, as concessões seguem em queda mesmo diante de uma redução forte no ano anterior.

Os números do Banco Central, que consideram os refinanciamentos, também mostram queda em 2023, de 3,2%, mas apontam recuperação até maio deste ano. Considerando o saldo total da modalidade, o crescimento em 2023 (6%) foi o menor da última década, segundo as estatísticas do BC.

O primeiro corte na taxa de crédito consignado do INSS ocorreu em março de 2023. Naquele mês, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) reduziu o teto de 2,14% para 1,70% ao mês. O conselho tem 15 cadeiras, das quais seis são ocupadas pelo governo, seis por representantes dos trabalhadores ativos e inativos e três por membros dos empregadores.

Como resposta, os bancos em bloco, inclusive Caixa e Banco do Brasil, suspenderam a oferta do crédito na época, e forçaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a arbitrar uma nova taxa, de 1,97%.

Em agosto, junto com a primeira queda da taxa Selic, a redução do teto foi retomada e passou a seguir os movimentos dos juros básicos da economia. Em maio, a Selic caiu pela última vez, para 10,5% ao ano, enquanto o teto do consignado chegou a 1,66% ao mês (21,84% ao ano).

O economista Michael Burt, da LCA Consultores, destaca que, mesmo depois do “meio-termo” encontrado na taxa em março do ano passado, os níveis de concessão se mantiveram baixos nos meses seguintes. Em agosto, por sua vez, começaram uma retomada, na medida em que a primeira queda da Selic foi acompanhada também pela redução dos custos de captação.

– Aparentemente, a retomada no fim do ano passado deve ter sido beneficiada pela redução dos custos de captação dos bancos, o que permitiu operar com juros menores. Neste ano, com a elevação dos custos de captação e a fixação de um teto de juros, os bancos devem ter segurado a concessão para certos tipos de clientes.

Burt nota a distância entre a queda da taxa do consignado para os aposentados em relação aos juros de todas as modalidades para pessoa física no crédito livre. A taxa média no consignado do INSS desabou 20% desde fevereiro do ano passado, enquanto o geral caiu 10%.

O ministro da Previdência, Carlos Lupi, nega que haja queda nas concessões. Em sua avaliação, é preciso contar o “troco”, quando o beneficiário que já tem um empréstimo, mas ainda tem margem a ser descontada, pede um crédito extra ao banco. Além disso, o ministro avalia que a diferença do teto para a Selic hoje é suficiente para cobrir o risco da operação, considerando a garantia do débito em folha.

– Temos hoje 16,5 milhões de beneficiários com empréstimos. Só que se transformam em 38 milhões de empréstimos diferentes. Quando faltam menos de dois meses para pagar, os bancos ligam e dizem que vão colocar mais R$ 5 mil na conta. A pessoa nunca deixa de ficar devendo – disse, em entrevista ao GLOBO no fim de junho.

Para embasar o argumento, o Ministério da Previdência comparou o número de operações entre março de 2023 – mês no qual os bancos suspenderam a oferta por pelo menos 12 dias – com o mesmo período deste ano.

Os dados mostram que houve aumento de 38% nos empréstimos com margem livre, menor do que o avanço de 228% do refinanciamento e de mais de 540% da portabilidade seguida de refinanciamento. No total, sem considerar a portabilidade “pura”, que é apenas um rouba-monte, as operações dobraram.

“Não há que se falar em restrição ao crédito nesse contexto, especialmente considerando que as operações somente são realizadas de mútuo acordo entre devedor e credor”, disse a pasta em nota. “Desde o início da última sequência de redução da taxa Selic por parte do Banco Central do Brasil, as proposições deste Ministério tiveram como objetivo transferir aos aposentados e pensionistas os ganhos observados com a redução do teto de juros.”

O ministério destacou ainda que atendeu a demanda da Febraban e da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) em dezembro do ano passado e passou a considerar a redução mensal da Selic, não a anual.

O setor bancário argumenta que adotar o movimento da Selic como critério para ajustar o teto do consignado é um erro, uma vez que o custo de crédito segue a curva futura de juros, que não necessariamente tem um comportamento determinado pela Selic. Executivos defendem que a Selic seja apenas um gatilho para a reavaliação do teto, para que não haja risco de a taxa ficar parada muito tempo.

Como não podem ultrapassar o teto de juros, o espaço para ganho dos bancos diminui à medida em que o custo de captação aumenta. Cálculo da Tendências Consultoria indica que, em abril e maio deste ano, o valor que os bancos pagaram para captar recursos para os empréstimos superou o spread, que embute, por exemplo, a margem de lucro da operação, o risco de inadimplência e o custo de impostos. Ou seja, o custo de captação superou o ganho com as operações.

Diante dos números, Isabela Tavares, especialista de crédito na Tendências, afirma que podem ter outros fatores que explicam a queda da concessão do consignado, mas indica que os juros parecem ser impeditivos. Segundo a economista, esse cenário gera, no mínimo, uma maior seletividade do sistema financeiro para emprestar. No limite, pode travar o mercado.

– O custo de captação do consignado INSS está maior que o spread da modalidade nos últimos dois meses (abril e maio). Isso mostra que o custo dos bancos está maior do que o que ganham com o empréstimo. Está inviável fazer a operação, isso acaba travando a maior oferta – diz.

Para ela, o crédito como um todo foi um importante propulsor da economia no começo deste ano, para o consumo das famílias, mas há um alerta:

– Há um risco de travar essa oferta e isso bater no consumo e no PIB de maneira geral. Pode não chegar neste patamar, mas os bancos podem ficar mais seletivos.

Fernando Perrelli, presidente da fintech BYX, afirma que a intenção do governo é boa ao atrelar o teto do INSS à Selic, mas não necessariamente traz alinhamento com o custo do dinheiro.

– Acaba acontecendo um movimento de bancos médios e pequenas instituições perdendo espaço para grandes, que têm o custo de dinheiro mais barato.

Texto de: Thaís Barcellos