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Apostas na internet aumentam riscos de dependência em jogos

 
FOTO: RICARDO AMANAJÁS
FOTO: RICARDO AMANAJÁS

Os anúncios de jogos online envolvendo apostas financeiras chegam de forma insistente nas redes sociais e aplicativos de mensagens, mesmo que o usuário nunca tenha ido atrás dessas plataformas. Mais do que a importunação por um anúncio não desejado, o que está em jogo é o risco que diferentes formatos de jogos de apostas podem oferecer, sobretudo para pessoas que, mesmo inconscientemente, apresentam predisposição ao desenvolvimento de uma compulsão comportamental.

A psicóloga e pesquisadora do Programa Ambulatorial do Jogo (PRO-AMJO), Bruna Lopes, considera que a própria forma como os jogos de aposta funcionam faz com que eles possam, sim, oferecer risco de uma pessoa vir a desenvolver dependência. Essa dependência comportamental, inclusive, é uma das trabalhadas no PRO-AMJO, programa que integra o Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI), um ambulatório que desenvolve estudos e tratamentos para quem apresenta transtornos do controle dos impulsos e que funciona no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Esses jogos trabalham de um jeito que, às vezes a pessoa ganha, e às vezes não. Isso gera uma expectativa muito grande na pessoa, principalmente porque a recompensa é dinheiro. Então, muitas pessoas, realmente, podem correr o risco de desenvolver uma dependência desses jogos”.

Bruna lembra que, neste contexto, algumas pessoas apresentam uma predisposição ao risco. “Pessoas que apresentam impulsividade e que podem apresentar comportamentos de risco para outras coisas como, por exemplo, o uso de substâncias, também correm mais risco de ter dependência de um jogo de azar. Outras pessoas que também correm mais risco são aquelas que têm alguma vulnerabilidade emocional, então, pessoas que apresentam sintomas depressivos ou de ansiedade, pessoas que já tiveram algum trauma que não foi bem trabalhado podem apresentar o risco maior de dependência no jogo porque elas podem buscar o jogo como uma maneira de lidar com as emoções negativas delas”, exemplifica.

A psicóloga considera que, como o jogo apresenta a tendência de se tornar um hábito, pode ser bastante arriscado a pessoa iniciar o contato com essas plataformas porque ela não sabe o quão vulnerável pode estar naquele momento, principalmente se ela estiver passando por problemas financeiros ou com alguma questão emocional que, às vezes, ela pode nem estar consciente. Como pode ser difícil fazer a separação entre o que é apenas uma diversão e o que se tornou um risco, o ideal é que o indivíduo pondere muito bem antes de começar a jogar e, claro, tenha sempre consciência de que está lidando com algo que pode, sim, vir a oferecer um risco para a sua vida financeira e pessoal.

No caso de uma pessoa que já apresenta uma situação de dependência ou vício em jogos de azar, a psicóloga Bruna Lopes pondera que os efeitos sentidos apresentam semelhanças com outras formas de dependência, como a própria dependência química, por exemplo. “A gente chama esse quadro de pessoas que têm problemas sérios com o jogo de ‘Transtorno do Jogo’, que é uma dependência comportamental e muito semelhante com a dependência de substâncias porque a pessoa pode apresentar, por exemplo, a tolerância, que significa que a pessoa vai jogando cada vez mais para ter uma excitação desejada semelhante a que ela tinha no início do jogo”, considera.

“Além disso, ela também pode apresentar fissura, que é muito comum em pessoas que têm dependência química e que é aquela vontade intensa de jogar só por ter algumas lembranças ou por passar por um ambiente que lembre o jogo, qualquer coisa do tipo que faça ela voltar a esse desejo intenso e incontrolável em relação ao jogo. Inclusive, até o tratamento também é muito parecido, comparado com pessoas que têm dependência química. Então, realmente, há uma semelhança”.

Para que uma pessoa consiga identificar se está em uma situação de dependência e possa buscar o tratamento adequado, a pesquisadora destaca que existem vários sinais de alerta. É o caso, por exemplo, de a pessoa observar o quanto ela busca recuperar as perdas que teve nos jogos anteriores? Se ela não consegue aceitar as perdas e volta a jogar na tentativa de compensar e de recuperar o dinheiro perdido, esse é mais um sinal de que ela pode estar dependente. Outro indicador são as tentativas malsucedidas de parar de jogar: a pessoa tenta parar, faz um esforço muito grande e até sofre na tentativa de parar, mas não consegue fazer isso por muito tempo. Outros sinais são observar que a pessoa está mentindo sobre a questão do jogo para familiares e amigos, e o quanto ela passa a buscar maneiras de obter mais dinheiro para continuar jogando.

A psicóloga Bruna Lopes lembra que as pessoas que estejam com sintomas de que possam ter dependência em jogos de azar podem buscar os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e, ainda, buscar apoio nos Jogadores Anônimos, entidade em que pessoas que estão parando de jogar ou que já pararam trabalham juntas para se manter abstinentes em jogo.

ANÔNIMOS

Voltada para pessoas que são jogadoras compulsivas e que desejam parar de jogar, o Jogadores Anônimos é uma irmandade criada em 1957 nos Estados Unidos e que, desde então, se espalhou por diversos países no mundo. No Brasil, a primeira reunião de Jogadores Anônimos ocorreu no Rio de Janeiro, em 1993. Mais recentemente, há cerca de quatro meses, um grupo também foi criado em Belém, capital paraense. “Nós temos um grupo em Belém do Pará há quatro meses. Ainda é um grupo pequeno, mas têm chegado cada vez mais pessoas, jogadores anônimos”, comenta um membro do Jogadores Anônimos do Rio de Janeiro, que pede para ser identificado pelo pseudônimo de ‘João’ a fim de manter o anonimato preconizado pela irmandade. “Eu sou um jogador compulsivo, sou do Jogadores Anônimos e não jogo há 33 anos. Eu parei de jogar em 1991 e continuo sem jogar”.

João explica que os grupos anônimos funcionam basicamente da mesma maneira, tal qual a mais conhecida irmandade dos Alcoólicos Anônimos. “Existem dois tipos de jogos: existe a aposta, um jogo apostado, que pode ser desde o jogo do bicho, cassino, bingo, até o Tigrinho e as bets que tem agora. Tudo isso são apostas, então, toda pessoa que desenvolve uma dependência ou uma compulsão por esse tipo de jogos pode se recuperar nos Jogadores Anônimos”, explica. “O outro tipo de jogo pode ser o videogame, os jogos eletrônicos que não envolvem apostas. Nesse caso, existe uma outra irmandade chamada GAA (Games Adictos Anônimos)”.

Nos Jogadores Anônimos, João explica que a pessoa que ingressa vai participar de reuniões que envolvem pessoas que estão em recuperação ou conseguiram parar de jogar. Com essa ajuda mútua e participando das reuniões, a pessoa pode seguir o programa de recuperação que é composto por 12 passos, sendo o primeiro deles admitir que é dependente. “Quando a pessoa chega a um grupo, são dadas 20 perguntas e se ela responder positivamente a sete delas, possivelmente ela é uma jogadora compulsiva. Normalmente, quando a pessoa começa a responder essas perguntas, ela já se identifica. É a própria pessoa que tem que chegar a esse resultado por ela mesma porque para parar de jogar, a pessoa tem que estar consciente de que é uma jogadora compulsiva. Esse é o primeiro passo”, explica. “A pessoa começa a participar das reuniões e vai mantendo contato com outros que conseguiram e, nessa troca de força, esperança, de experiência com quem conseguiu, a pessoa vai se fortalecendo”.

João reforça que o único propósito da irmandade é parar de jogar. Por isso, nas reuniões não se discute nenhum outro assunto. “O nosso único propósito para nos mantermos unidos é ajudarmos uns aos outros nessa detenção das apostas. O jogador compulsivo tem que parar de jogar, não tem como ele fazer uma pequena aposta ou tentar controlar o seu jogo. É como o álcool, o alcoólico tem que evitar a primeira dose e o jogador compulsivo tem que evitar a primeira aposta”.

Dinheiro pode ser aplicado e render dividendos

Mais do que um risco à saúde, o uso de jogos de apostas também não é a estratégia mais eficiente de fazer uma renda extra ou manter uma reserva financeira. O educador financeiro Haelton Costa considera que, se bem aplicado, o valor gasto nessas plataformas pode garantir uma boa reserva e, ainda, com rendimentos. “A pessoa faz uma pequena aposta e ganha, por exemplo, R$ 100 e então ele começa a raciocinar que se jogar o dobro ela vai ganhar R$500 e cada vez mais vai aumentando essa aposta. E aí ele começa a entrar num vício de querer ganhar sempre mais, mas sem a possibilidade de isso acontecer”.

Nesta lógica, Haelton considera que, mesmo que os valores apostados sejam pequenos por dia, eles podem gerar grandes prejuízos financeiros. Mais seguro e rentável seria, por exemplo, fazer uso desse dinheiro que seria gasto em apostas para investir em aplicações seguras e legais. “Se o indivíduo colocar R$ 1 por dia, ele vai ter gasto R$ 30 no final do mês e, ao final de um ano, ele vai ter gasto R$360. Mas se ele deixar esse mesmo valor em um investimento que eu considero que é um dos mais simples depois da poupança, que é o CDB, ele vai estar fazendo um excelente investimento”.

O educador financeiro aponta que se essa pessoa aplicar todo mês em CDB esses mesmos R$30 que ela estaria usando para jogar, por exemplo, no final do ano ela não teria apenas os R$360. Com os rendimentos, ela conseguiria resgatar R$402,48, uma rentabilidade de 10% e obtida de forma segura. “Sendo que esse valor que ele vai colocar lá todo mês, de R$30, ele pode resgatar a hora que ele quiser. Muita gente tem medo das aplicações financeiras, à exceção da poupança, porque acha que o dinheiro vai ficar preso, que não vai poder sacar o dinheiro quando precisar, se tiver uma emergência, mas não tem nada disso”, explica

“Tem aplicações que você programa se quer resgatar esse dinheiro daqui a um ano, daqui a dois anos, daqui a 5 anos, mas o dinheiro não fica preso lá, você pode resgatar a hora que você tiver necessidade. Você só não vai conseguir toda a rentabilidade que estava programada para o período todo. O que as pessoas têm que fugir, na verdade, são de investimentos como títulos de capitalização porque o dinheiro fica preso. Mas CDB e poupança a pessoa pode resgatar a hora que quiser”.

Jogadores

Anônimos Belém

Se você é dependente de jogos, é possível buscar ajuda no grupo Jogadores Anônimos de Belém. As reuniões ocorrem aos domingos, das 10h às 12h, no endereço: av. Ceará, nº 595 – Bairro Canudos. Para mais informações, entre em contato pelo Whatsapp (91) 99603-0369 ou acesse o site www.jogadores anonimos.com.br.