Cintia Magno
A vinda da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP30) a Belém traz consigo, sem dúvida, o grande desafio de se pensar a sustentabilidade social, econômica e ambiental em todos os setores econômicos, incluindo, naturalmente, o agropecuário. Mais do que isso, porém, a escolha do Brasil como sede da conferência do clima em 2025, possibilita ao agro brasileiro também a oportunidade de contribuir com as discussões e apresentar o que já vem fazendo para introduzir práticas mais sustentáveis em seus processos produtivos.
Quando se analisam as demandas e os grandes desafios que deverão estar inseridos nos encontros da COP30, a doutora em agronomia e professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Ana Regina da Rocha Araújo, não tem dúvidas de que as discussões estarão centradas em uma questão básica: a sustentabilidade do setor agropecuário, considerando que tipo de demandas e que tipo de soluções sustentáveis o setor pode trazer.
“Neste contexto, eu imagino que as políticas públicas têm que vir em cima desse aspecto para trazer uma garantia de geração de renda, de produção de alimentos de qualidade e inserir essa produção dentro de uma matriz energética mais sustentável”.
Ainda que não se tenham respostas exatas de como os problemas poderão ser solucionados, a professora lembra que o Brasil apresenta, dentro da matriz energética luminosa, um grande potencial que passa desde a questão das hidrelétricas, até a geração de energia eólica, energia solar, e de geração de energia através de biomassa vegetal e animal, em unidades em que se trabalha com biodigestores.
“É um grande ganho, é uma tecnologia de ponta, mas eu imagino que, para que isso aconteça, para que seja uma discussão para 2025, é preciso discutir isso mais detalhadamente com todas as instituições que podem gerar pesquisa, que podem gerar informações nesse nível. A gente vai ter que trabalhar com a Embrapa, com o Museu Emílio Goeldi, com outras universidades para além da Ufra, como a UFPA e a Uepa, com os institutos federais, então, a gente precisa conversar sobre esses aspectos”.
Ana Regina considera que, hoje, o mundo passa por um momento crítico no que se refere às alterações climáticas. Portanto, é urgente a necessidade de se buscar alternativas efetivas para driblar esses fatos. E, nesse sentido, o setor agropecuário já dispõe de algumas soluções tecnológicas que podem contribuir com esse objetivo.
“A gente pode pensar em estabelecer uma integração entre lavoura, pecuária, floresta; a gente pode pensar em sistemas agroflorestais também como alternativas; a gente pode pensar em estabelecer fixação biológica de nitrogênio no solo porque isso representaria um ganho de bilhões de dólares por ano, já que essas espécies fixam nitrogênio de forma gratuita da atmosfera”, exemplifica.
“A gente tem, hoje, várias possibilidades de trabalhar, por exemplo, com automação dentro das áreas de produção; trabalhando com drones; com GPS; a questão do sensoriamento remoto; a agricultura de precisão, em que você faz mapeamento de área, onde você consegue identificar lacunas e possibilidades de driblar os problemas de solo, de clima, a parte de nutrição mineral daquele ambiente. Então, eu diria que, de maneira geral, as discussões da COP30, lá em 2025, terão que passar por tudo isso”.
Para que a aplicação dessas e outras tecnologias possam gerar resultado efetivo, a professora destaca que é preciso haver uma integração entre as instituições que produzem conhecimento não apenas a nível estadual, mas nacional.
“É preciso ter uma união, talvez através de política pública, para gerar um documento técnico que reúna todas essas informações que vêm sendo produzidas. Por exemplo, aqui na Ufra a gente tem um trabalho, hoje, em que estamos levantando resíduos sólidos orgânicos, dentro daquelas espécies que são de maior representação econômica no Estado do Pará, como o açaí, o abacaxi, a banana, o cacau, o dendê, e nós vamos buscar saber que características podem apresentar esses resíduos gerados da produção no campo e da agroindústria, para que eles sejam incluídos dentro da matriz energética”, pontua.
“O objetivo é avaliar que características esses resíduos têm para fazer um boletim técnico. A gente tem muitas informações ainda pendentes, mas essa é uma questão que o setor público pode pensar e fazer, de repente, uma usina de triagem desse material, para chegar a uma unidade biodigestor a nível municipal, ou que congregue consórcios intermunicipais para geração de energia. Enfim, a gente precisa caminhar nesse sentido e o Brasil, de certa forma, é referência nessa área ambiental”.
Doutor em engenharia agronômica e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), o professor Ronilson Santos destaca que a adoção de práticas mais sustentáveis no setor agropecuário também é destaque entre as pesquisas realizadas pela instituição. Dentro da Faculdade de Engenharia Agronômica do Campus Universitário de Altamira da UFPA, onde ele atua, o professor cita o exemplo de dois projetos desenvolvidos pela instituição e que são voltados para três grandes setores produtivos na região de Altamira, o gado de corte, o cacau e a mandioca.
“Quando eu comparo o cacau com a cultura, por exemplo, do arroz, do feijão, do milho ou da soja, o cacau está atrasado cerca de 25 anos no que tange ao uso de novas tecnologias. Isso porque essas culturas já têm utilizado densamente a agricultura de precisão na perspectiva de reduzir custo de produção, necessidade de mão de obra, hora-máquina, uso de fertilizantes”, considera o professor.
“Pensando nisso, nós estamos produzindo aqui em Altamira um projeto piloto para a introdução de técnicas de gerenciamento na produção de cacau para tentar reduzir custos de produção, aumentando a lucratividade, e pensando principalmente na floresta em pé”.
Ronilson explica que o projeto começou em 2020 e, na propriedade em que a pesquisa está sendo conduzida, já foi possível observar um aumento de 59% na produtividade de amêndoa seca, neste ano de 2023.
“Isso representou um aumento da lucratividade do produtor, que produziu 1.700 kg a mais, o que representou um aumento de R$25.500 de receita por hectare”, aponta os resultados, lembrando também dos ganhos ambientais. “O outro detalhe é que, com o aumento da produtividade, eu começo a pensar na perspectiva de reduzir a pressão sobre a floresta em pé; a gente também tem a perspectiva de se reduzir o consumo de fertilizantes e, associado a isso, também tivemos a redução do ataque de pragas na área, o que possibilita uma redução da carga de defensivos, o que representa um ganho ambiental considerável”.
Outro ponto observado pelo estudo demonstra que, através da adoção de um sistema de gerenciamento da produção, também foi possível melhorar a qualidade das amêndoas, passando de um rendimento de 30% para 40%. “A ideia é de que no final do projeto a gente consiga ter um protocolo que pode ser transformado, de repente, numa rotina a ser oferecida para os produtores de cacau da nossa região, sempre na perspectiva de aumentar a produtividade, sem a necessidade abrir novas áreas na floresta para fazer plantio. Então, se tem um ganho ambiental, econômico e, evidentemente, um ganho social”.
No que se refere à produção de gado de corte, o professor destaca outro projeto desenvolvido pela Faculdade de Engenharia Agronômica da UFPA que também sinaliza como a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico podem contribuir, e já vêm contribuindo, com o setor do agro.
“Nós somos o segundo maior rebanho de gado bovino do país, mas a produtividade ainda é muito baixa. Hoje, nós colocamos no máximo uma unidade animal por hectare, e isso poderia ser pelo menos quatro vezes mais”, considera o professor. “Mas porque a quantidade de animais por hectare é baixa? Porque a pastagem é de baixa qualidade e em pouca quantidade. Isso é um limitante, então, também usando a agricultura de precisão, estamos pensando em começar a dinamizar e a modernizar isso”.
Também através de um projeto piloto, a faculdade tem pesquisado os efeitos da agricultura de precisão para que se possa fazer uma análise prévia da condição da pastagem para identificar onde estão os pontos críticos e, assim, poder atuar de forma mais direcionada.
“A ideia é usar equipamentos para identificar onde estão os gargalos naquela área de produção, depois disso a gente vai fazer a amostragem de solo para avaliar o que está acontecendo e fazer a intervenção. Isso traz uma abordagem diferente porque, de maneira geral, o produtor hoje trata a área dele como igual e não é dessa forma que deve ocorrer, tanto do ponto de vista econômico, como do ponto de vista agronômico e do ponto de vista ecológico”, aponta.
“Se a gente começa a trabalhar nessa perspectiva de monitoramento, você vai poder reduzir o uso de fertilizantes, aumentar a qualidade da pastagem no que tange ao seu nível proteico, e aí ao invés de eu demandar grandes áreas para manter a minha produção, eu posso ser tão ou muito mais produtivo em pequenas áreas”.
Mais uma vez, neste caso, o aumento da produtividade com a utilização de uma área menor abre uma perspectiva para a redução da pressão sobre a floresta em pé.
“O produtor vai poder pensar também sobre a possibilidade de fazer, dentre outras coisas, turismo rural, utilizar os recursos florestais não madeireiros, na possibilidade de trabalhar com crédito de carbono. Então, a pastagem também pode oferecer isso”, avalia Ronilson Santos. “Então, o nosso maior desafio, enquanto acadêmicos, é pesquisar o que a população quer e precisa saber para mitigar esses problemas que nós enfrentamos, sobretudo o ambiental. Quando eu consigo conciliar o ambiental, o econômico e o social, é possível chegar bem próximo de um equilíbrio”.