PEDRO S. TEIXEIRA
DENVER, EUA (FOLHAPRESS) – O Banco da Amazônia (Basa) podia demorar até seis meses para verificar toda a papelada necessária para garantir que o pequeno produtor em busca de empréstimo estivesse em situação regular e não tivesse histórico de desmatamento ou trabalho análogo a escravidão. Com integração de diferentes sistemas, os funcionários conseguiram reduzir o prazo para um dia.
A desburocratização multiplicou de mil por ano em 2021 para mais de 20 mil, em 2023, os empréstimos para os pequenos fazendeiros locais. Os juros, subsidiados por meio do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), ficam na faixa de 4% a 6%.
A tecnologia ganhou o Prêmio Transformação Bancária, da Cantarino Brasileiro, na categoria ESG, e foi reconhecida como uma das inovações do ano pela Red Hat, maior fornecedora de soluções em código aberto do mundo.
O Basa é uma entidade financeira de economia mista com foco no fomento da economia na região da Amazônia Legal. A União detém 95% das ações. A concessão de crédito na região, contudo, requer cuidado redobrado para não impulsionar infrações socioambientais em uma área de reserva florestal essencial para o mundo.
O app do banco usa interoperabilidade de sistemas do Governo Federal, do Banco Central e do Ibama para cruzar informações sobre o produtor e a propriedade com um sistema de imagens via satélite da startup socioambiental Terras App.
A modernização permitiu que o crédito chegasse à pequena produtora Hellen Marjorie de Oliveira, 33. A fazendeira, com os R$ 15 mil emprestados, comprou bezerros e plantou abacaxi em seus dois alqueires de terra, que em Rondônia equivalem a 10,8 hectares, no total. A fazenda de Helen fica em Candeias do Jamari, a cerca de 50 quilômetros da capital, Porto Velho.
O dinheiro foi essencial para instalar um sistema de irrigação no fim do ciclo de produção do Abacaxi. “Achamos que iríamos perder a colheita, mas, graças a Deus, colhemos frutos bonitos e conseguimos vender bem”, diz Oliveira. O dinheiro da fruticultura foi usado para adiantar o pagamento do empréstimo.
O crédito junto ao Basa digital foi o primeiro empréstimo que a agricultora conseguiu contratar na vida. Agora, a Oliveira fez nova contratação de crédito, no valor de R$ 25 mil, para plantar mais abacaxi e também mandioca.
O empréstimo foi avalizado pelo técnico agrícola Humberto Alves, dono da Agroserv, escritório que se especializou no Basa digital, em Porto Velho. Ele diz que o aplicativo mudou a imagem do Basa, antes visto como burocrático.
“Meus clientes refugavam quando ouviam o nome do Basa, porque a instituição era associada à burocracia”, afirma Alves. “Diziam: não quero mexer com Basa, não, porque dá muito trabalho.”
De acordo com Alves, fazendeiros com acesso à internet na propriedade conseguem assinar o contrato no mesmo dia em que ele envia a análise do projeto por aplicativo.
O processo consiste em fotografar registros do CAR (Cadastros Ambiental Rural), CAF (cadastro nacional do agricultor familiar) e documentos pessoais do produtor. O técnico, após ouvir o agricultor familiar, ainda faz uma proposta de investimento, considerada na avaliação do crédito.
O Basa, então, checa informações financeiras, como histórico de dívida, para liberar ou não o empréstimo.
Antes, Alves precisava coletar cópias de toda a documentação, autenticá-las e levá-las a sede do banco. Lá, funcionários preenchiam formulários, que precisavam de ser avaliados pela equipe do banco.
Agora, esse procedimento fica por conta do técnico agrícola que também atua como agente bancário.
O executivo do Banco da Amazônia para tecnologia, Claudio Pinto, diz que não há muitos recursos para trabalhar com linhas de crédito de pequena monta. “Por isso, temos poucos contratados nessa função.”
Em 2022, após a implementação do Basa digital, o banco emprestou R$ 314,8 milhões, uma alta de 370,4% em relação ao ano anterior. O nível de inadimplência ficou em 1,92%, abaixo dos 3,30% registrados no Sistema Financeiro Nacional, de acordo com executivos do Basa que foram a Denver, nos Estados Unidos, receber o prêmio internacional em evento da Red Hat.
Antes da implementação do Basa digital, Oliveira, agricultora de Candeias do Jamari, diz que teve dificuldade para concluir outros empréstimos via Pronaf.
Alves, da Agroserv, diz esperar que outros bancos adotem soluções parecidas. “Não há nada parecido no mercado para o agricultor familiar.”
BASA PRECISOU SUPERAR FALTA DE CONECTIVIDADE
O aplicativo Basa fica no computador ou smartphone do técnico agrícola e é a ponta final de um sistema híbrido da Red Hat, que funciona em parte no próprio aparelho e em parte na nuvem.
Essa configuração ajuda a driblar os problemas de conectividade na região Norte, onde está a maior parte da Amazônia legal. No Pará, por exemplo, menos de 8% da população tem acesso a conexão adequada, mostra pesquisa do CGI (Comitê Gestor da Internet) publicada em abril.
Na nuvem, o Basa consegue acionar diversas APIs, aplicações disponíveis na internet que podem ser juntadas a outros programas de computador como se fossem um bloco de Lego. Há APIs do Banco Central, do Ibama, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, entre outros. Tanto o Governo Federal como o BC têm a interoperabilidade como diretriz em suas políticas de digitalização.
O aplicativo também recorre às imagens de satélite do Terras App, criado por ex-diretores do Imazon. A startup criou a plataforma BusCAR para verificar se determinada propriedade cumpre requisitos socioambientais necessários para receber crédito.
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RAIO-X – BASA
Fundação: julho de 1942
Valor de mercado: R$ 5,68 bi
Receita: R$ 5,9 bi em 2023
Número de funcionários: 2.835
Número de agências: 106, nos nove estados da Amazônia Legal, em São Paulo e em Brasília
Área de atuação: Banco de fomento
Concorrentes: BNDES, Sicredi, Banco do Brasil, Caixa e Rabobank
O repórter viajou a convite da Red Hat.