Luiz Flávio
Consultora em estratégias para a sustentabilidade, Vanessa Pinsky é especialista em agenda ESG e inovação sustentável, além de ser pós-doutoranda em bioeconomia (FEAUSP), com foco em governança, política pública e cadeias de valor da sociobiodiversidade na Amazônia. Na entrevista a seguir fala sobre como os recursos naturais podem gerar negócios, para o pequeno empreendedor e até para grandes empresas, além das melhores estratégias para aplicar a sustentabilidade:
P Hoje a sustentabilidade é agenda obrigatória nas empresas que desejam ter um negócio saudável e competitivo. Como você vê esse conceito aplicado aos processos produtivos aqui no Estado?
R A sustentabilidade deveria ser a premissa para os negócios de empresas de todos os portes e setores de atuação. A Agenda ESG, cada vez mais prioritária, avançou muito desde 2020 em alguns setores, especialmente nas empresas que compreendem os riscos regulatórios, operacionais e reputacionais envolvidos. A indústria paraense deveria priorizar estratégias de negócios baseadas na vocação territorial, com as melhores práticas de sustentabilidade que preservem os serviços ecossistêmicos, gerem empregos e renda baseados na distribuição justa de benefícios, valorizando a cultura e tradição local. Negócios baseados na bioeconomia amazônica deveriam ser o fio condutor de estratégias competitivas de organizações com foco no longo prazo, na geração de oportunidades econômicas e no fomento das cadeias produtivas da sociobiodiversidade.
P Como os recursos naturais podem ser negócios, desde o pequeno empreendedor até as grandes empresas?
R Há um potencial enorme em negócios baseados na biodiversidade amazônica, com foco na economia verde, no encadeamento produtivo sustentável das pequenas e grandes empresas da região. E isso inclui a agenda da sustentabilidade para os pequenos empreendedores, com foco em competitividade, inovação sustentável e estratégias de diferenciação para criar e expandir seus negócios. Por definição, a bioeconomia amazônica foca em atividades econômicas baseadas na produção, comercialização e distribuição dos ativos ambientais e envolve premissas fundamentais voltadas para o desenvolvimento sustentável: bem-estar, geração de emprego e renda, distribuição justa dos benefícios, conservação da biodiversidade, desmatamento zero, respeito à cultura local e valorização dos saberes tradicionais, fortalecimento dos sistemas tradicionais de manejo, ciência e tecnologia voltadas ao uso sustentável da sociobiodiversidade.
P Quais as melhores estratégias para implementar uma agenda ESG, de inovação sustentável e de bioeconomia nas empresas?
R Os riscos e os impactos econômicos, sociais e ambientais da crise planetária, potencializados pela maior percepção sobre os problemas complexos e sistêmicos, colocaram a Agenda ESG na prioridade das discussões das lideranças nos últimos anos. A sigla ESG em inglês se refere a questões ambientais, sociais e de governança corporativa. Trata-se de uma estratégia de longo prazo baseada em temas materiais para uma organização, com foco na mitigação de riscos e criação de oportunidades em negócios sustentáveis. ESG não é um novo nome para Sustentabilidade. ESG não é filantropia ou voluntariado corporativo, e nem abrir mão de retorno financeiro. É a visão do mercado de capitais e financeiro sobre a sustentabilidade. Trata-se de indicadores não-financeiros, que tem como objetivo apoiar a análise da capacidade da empresa de gerar valor no longo prazo, de atender às demandas da sociedade e dos stakeholders, de reconhecer e assumir responsabilidades pelos seus impactos (externalidades ambientais e sociais negativas) e propor soluções. ESG demanda estratégia de longo prazo em temas materiais para as empresas, com foco na mitigação de riscos e criação de oportunidades de negócios. Mas o enfoque das discussões no mercado tem sido muito mais nos riscos do que nas oportunidades de negócios.
P Como o Pará pode se preparar para a COP-30, sendo efetivamente um polo de debate sobre o clima, mas também sobre bionegócios, e de que forma isso pode se reverter de maneira positiva para Belém e para o estado do Pará?
R A COP30 será uma grande oportunidade de mostrar ao mundo o potencial do Brasil e da Amazônia no protagonismo do desenvolvimento sustentável, na agenda climática e nos negócios sustentáveis. Estabelecer um plano integrado na indústria paraense com foco em bioeconomia circular, por exemplo, é uma estratégia de negócio que possibilita aumentar o valor econômico da floresta com sustentabilidade, baseado em recursos renováveis, valoração da biodiversidade e descarbonização. A abordagem utiliza e valoriza a biomassa e outros recursos e resíduos renováveis da floresta, além de reaproveitar os resíduos dos processos produtivos da indústria tradicional, setor florestal e agricultura. Negócios sustentáveis, baseados em inovação tecnológica, competitividade, geração de emprego e renda para a população. Há muitas oportunidades e trabalho pela frente. O setor produtivo paraense terá uma oportunidade única de reforçar sua liderança na agenda de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal.
Empresa alia a boa culinária com capacitação de fornecedores
O embrião da Manioca nasceu da inquietação da empresária Joanna Martins em perceber o quanto o Brasil era distante da Amazônia, após morar por 5 anos em São Paulo, onde fez faculdade entre os anos de 1998 e 2002. “Era bem doloroso perceber o quanto a culinária e os sabores da minha região eram ‘exóticos’ para eles e para pessoas de outros Estados de fora da Amazônia e isso me incomodou muito”, lembra.
Já em Belém e depois de 2 tentativas de empreender em outros setores, de aprender e entender um pouco mais o homem amazônico e de se reaproximar da história da sua família, Joanna, filha do saudoso chef Paulo Martins, encontrou na indústria de alimentos uma forma de atuar efetivamente para mudar essa realidade, aliando ainda a oportunidade de valorizar a cultura do povo local e gerar desenvolvimento sustentável e renda na região. Nasce a Manioca, que é o nome originário da Mandioca, principal matéria-prima trabalhada pela empresa. “Vem de uma lenda indígena da Oca de Mani, Manioca=Mandioca”, revela.
De início, os fornecedores da empresa foram os herdados do restaurante da sua família que, naturalmente, já eram pequenos produtores ou extrativistas de povos e comunidades tradicionais que forneciam produtos de muita qualidade. “O que fazemos hoje é apenas seguir esse princípio, agregando apoio ao desenvolvimento deles, a partir da criação do Programa Raízes, que atua diretamente em 42 famílias, com capacitação, assistência técnica, apoio à formalização e monitoramento do impacto ambiental, de forma sistematizada, com metas de melhorias, avaliação de resultados e crescimento, desenhados junto com eles”, detalha.
“Queremos que tudo que fazemos não seja só bom para gente, sócios ou funcionários, mas também para região como um todo e seu povo, o que consequentemente vai ser melhor para o planeta e para todos que vivem nele”.
Ao criar a empresa Joanna e seu sócio, Paulo Reis, entenderam que é possível desenvolver a floresta sem destruí-la, criando um modelo de negócio diferente.
Os empresários acreditam que, ao valorizar, difundir e incentivar a produção de produtos e ingredientes da região, aliados à cultura local de forma responsável, atuam de forma direta na geração de renda, desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida de quem vive aqui. “É um modelo de desenvolvimento diferente do global, mas possível e totalmente alinhado ao povo e à floresta”, coloca.
O volume de produção da empresa ano passado chegou a 36 toneladas com um mix de 20 produtos que, além do tucupi (amarelo e preto) e das farinhas, inclui temperos e molhos variados, sementes, grãos, geleias, entre outros. Para fora do Brasil os produtos mais comercializados são o tucupi e as farinhas de mandioca, por serem produtos mais tradicionais e alinhados à cultura amazônica, gerando mais interesse.
“O trabalho de exportação ainda é algo bem pequeno e não é uma prioridade nossa ainda, mas fazemos exportações regulares para França e Estados Unidos onde temos parceiros de distribuição e já fizemos vendas pontuais para Japão, Emirados Árabes, Coreia do Sul e Portugal”, contabiliza a empresária.
Hoje a Manioca possui mais de 250 pontos de venda, em mais de 15 capitais brasileiras e em algumas cidades do interior, atendendo a todo o Brasil através do ecommerce. “Em Belém estamos em redes de supermercados, em lojas de turismo e em restaurantes. Queremos estar em cada vez mais lugares, tornando a Amazônia mais acessível. Temos o sonho de ver o tucupi ou qualquer outro produto Manioca ocupando um lugar de importância no dia a dia da alimentação do brasileiro, assim como acontece com o molho de tomate, do azeite de oliva e/ou do shoyu”.