Luiz Flávio
O crescimento de atentados nas escolas brasileiras verificado nos últimos anos e que resultou na morte de alunos e professores, exige um complexo trabalho envolvendo vários atores como forma de prevenir esse tipo de ocorrência, que choca pela brutalidade e violência.
O primeiro passo é o monitoramento constante do ambiente cibernético, onde está enraizado o discurso de ódio. O segundo – e não menos importante – é a criação de políticas públicas para controlar a circulação de armas que foi incentivada nos 4 anos da gestão de Jair Bolsonaro.
Aliado a isso, também se faz necessário criar mecanismos para combater o discurso misógino e preconceituoso que permeia o cotidiano de muitos jovens brasileiros. São ações fundamentais, segundo especialistas, para que a segurança pública consiga combater e frear essas ocorrências.
O tema veio à tona novamente essa semana com dois casos de repercussão nacional e local. O primeiro ocorreu na última segunda-feira (27), quando um adolescente de 13 anos esfaqueou 4 professoras e um aluno dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo. A professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, foi esfaqueada pelas costas e não resistiu.
O adolescente que praticou o crime é aluno do 8º ano do Ensino Fundamental na escola e anunciou o ataque em um post em rede social, onde escreveu ter aguardado pelo momento a “vida inteira” e que esperava matar pelo menos uma pessoa. O alvo principal do autor do ataque era um estudante com quem teria brigado na semana passada, mas esse colega não estava no local. A professora Elisabeth teria sido uma das pessoas que agiram para separar os estudantes durante o conflito.
O segundo caso ocorreu na Região Metropolitana de Belém na tarde da última quinta-feira, quando um aluno também foi esfaqueado por outro de 17 anos dentro da sala de aula da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Palmira Gabriel, localizado na avenida Augusto Montenegro, bairro do Tenoné.
Segundo uma testemunha, a vítima teria jogado bolas de papel em um colega de classe, que revidou deferindo-lhe três facadas. Policiais Militares apreenderam a mochila do suspeito com duas facas e uma machadinha. A vítima foi levada para um hospital, com facadas no rosto, mão e abdômen. O esfaqueador foi encaminhado para a Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data), da Polícia Civil.
QUESTÕES
Júlia Neves de Albuquerque Maranhão, psicóloga especialista no atendimento a crianças e adolescentes, observa que o Brasil vem registrando um aumento de situações ligadas a saúde mental entre os adolescentes e jovens, envolvendo questões socioemocionais e um enfraquecimento do laço social ocasionado pelo aumento das relações mediadas pela esfera virtual.
“Somado a isso temos um maior compartilhamento e acessos a informações nas redes sociais, em fórum privados ou até mesmo na deep web. Todos esses fatores, juntos, podem possibilitar e até aumentar essas ocorrências de eventos violentos dentro das escolas”, explica.
Ela diz que o adolescente emite sinais quando está precisando de ajuda, entre os quais o aumento do isolamento social, excessiva busca pelos eletrônicos, irritabilidade, discurso com linguagem violenta, mudança brusca de comportamento.
“Relatos sobre bullying são sinais que acendem um alerta e precisam de atenção, tanto dos pais como da escola. Claro que não é qualquer alteração, nesse sentido que aponta que o adolescente será responsável por ataques violentos, mas já sinalizam que esse adolescente pode estar precisando de ajuda”, coloca.
Presença da família é fundamental para prevenção
É fundamental manter o diálogo com esse adolescente, dando possibilidade de fala e de se expressar, seja na escola, na relação com os pais e na comunidade em geral. “Na construção dessa relação com o adolescente, esses sinais de alerta ficam mais evidentes. Porém, vale ressaltar, que essas falas precisam ser validadas e levadas a sério, não podemos achar que é ‘besteira’. Relatos de bullying, machistas, racistas, LGBTfóbicos, e principalmente que remetem a atentados já ocorridos anteriormente são sinais de alerta e precisam de atenção especializada”.
Para enfrentar esse cenário, aponta a psicóloga, é necessária a junção de forças, envolvendo vários atores: família, escola, comunidade e políticas públicas que possibilitem acesso a atendimento especializado no serviço de saúde, formação dos professores, psicólogos presentes nas escolas, investimento na educação e outras ferramentas que diminuam as disparidades sócio emocionais.
Júlia ressalta a importância da presença efetiva da família – principalmente dos pais – na vida do adolescente, não só no monitoramento das redes sociais, que é importante, mas não é tudo. “Existem fóruns virtuais privados que podem passar desapercebidos. O mais relevante seria a construção de uma relação baseada no diálogo, onde esses cenários possam ser discutidos, colocados pelos adolescentes e os sinais percebidos pelos pais”.
A especialista defende que decretos que facilitem a aquisição e porte de armas e discursos relacionados a violência ou que facilitem a violência, como machismo, racismo, LGBTfobia, “podem contribuir para esse cenário que estamos vivendo, pois podem instigar um discurso de superioridade que muitas vezes levam a comportamentos violentos”
Ataques e massacres em escolas não seguem uma lógica da criminalidade comum de fato, mas os responsáveis por esses espaços podem observar sinais claros que são expressos pelos jovens e adolescentes. “A utilização de ações de inteligência policial podem ser mais uma ferramenta para contribuir na prevenção, porém não é a única ferramenta de prevenção. Precisamos de ações conjuntas”, completa.
Estado toma série de medidas de segurança
Na última sexta-feira as secretarias de Estado de Educação (Seduc) e Segurança Pública (Segup) anunciaram uma série de medidas para garantir a segurança na rede de ensino estadual. Entre as medidas está o aumento do efetivo da Companhia Independente de Policiamento Escolar (Cipoe), e da companhia em batalhão.
Também será implementado o videomonitoramento nas unidades educacionais; contratação de mais psicólogos e assistentes sociais e a criação de um botão de emergência para diretores de escola, além de um sistema onde a inteligência da Segurança Pública terá acesso ao histórico de toda a vida escolar dos alunos.
Seduc e Segup firmarão um termo de cooperação para a elaboração de um plano piloto a ser implantado em 10 escolas do estado para ouvir as comunidades e forças de segurança com a finalidade pedagógica. Haverá ainda a criação de um gabinete de segurança dentro da Seduc e da criação do botão “Alerta Pará da Educação”, a exemplo do Alerta Pará que serve para mulheres que possuem medidas restritivas e que podem acionar a polícia via aplicativo quando em situação de agressão iminente.
O governador Helder Barbalho (MDB) deve enviar para a Assembleia Legislativa (Alepa) nos próximos dias um projeto de lei para autorizar a reconvocação de PMs que estão na reserva para atuar no Cipoe, mas antes passando por um treinamento específico, e ainda outro projeto para transformar a Companhia Independente em um batalhão, o que vai dar mais robustez à entidade policial.
A Seduc fará ainda a organização de normas em relação a regimento escolar, abrangendo revisão de protocolos de segurança, melhoraria da convivência nas escolas, combate a bullying, além da elaboração de manual de procedimentos de segurança para ser publicado em 40, 50 dias; além de parceria com grêmios estudantis.