Uma das cidades mais antigas e do Pará está no berço neste sábado, 6. Vigia, localizada na chamada zona do Salgado, completa 408 anos, curiosamente dias antes de Belém, a capital, festejar os mesmos anos de fundação. A cidade tem 50.832 habitantes, de acordo com o Censo 2022 do IBGE.
Quando a então coroa portuguesa tomou conhecimento da passagem do francês Daniel de la Touche por terras ao Norte do Brasil, ainda em meados do século XVII, não hesitou em enviar uma expedição que pudesse expulsar os franceses e assegurar o domínio de Portugal.
Ainda que no nordeste paraense já estivessem presentes os índios Tupinambás, que viviam na aldeia nomeada Uruitá, a chegada da expedição de conquista do Grão-Pará, comandada pelo navegador português Francisco Caldeira Castelo Branco, marca a fundação oficial, em 06 de janeiro de 1616, do que hoje é o município de Vigia de Nazaré. Seis dias depois, o mesmo Castelo Branco viria a fundar a capital paraense, Belém.
Com 408 anos de história a contar da colonização, o município de Vigia guarda uma cultura rica marcada não apenas pelo conhecido carnaval e pelo tradicional Círio de Nossa Senhora de Nazaré, mas que também está resguardada na sua arquitetura marcada por casarões e igrejas centenárias e repletas de memória.
Dentre as edificações mais representativas da época da colonização e que ainda hoje podem ser apreciadas está a Igreja da Madre de Deus, a Igreja Matriz de Vigia, que homenageia Nossa Senhora de Nazaré. Com uma fachada imponente e que pode ser avistada ao longe, a igreja marca o início e o encerramento das festividades em homenagem à Virgem de Nazaré e, durante o ano todo, guarda por trás de suas pesadas portas de madeira uma enorme riqueza de detalhes em peças do estilo barroco.
O patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi deixado ao município de Vigia pelos padres jesuítas, ordem religiosa ligada à Igreja Católica e que tinha como missão a catequização dos nativos através do ensino, tendo exercido participação importante no Brasil colonial.
Antes da igreja, porém, os jesuítas que se instalaram na aldeia que viria a ser Vigia construíram uma casa que posteriormente foi transformada em colégio, edificação que, infelizmente, já não está mais de pé. O escritor, pesquisador e memorialista vigiense Raul Lobo explica que o nome dado à Igreja da Madre de Deus faz referência justamente ao colégio.
“A primeira construção dos jesuítas em Vigia foi a casa, que depois foi transformada em colégio. Era o colégio Madre de Deus. Depois é que fizeram a igreja da Madre de Deus. Essa era uma prática dos jesuítas, onde faziam o colégio, faziam a igreja bem ao lado para que pudessem exercer as práticas religiosas, como é o exemplo da Igreja de Santo Alexandre, em Belém”, explica. “Então a nossa Igreja Matriz era a igreja do colégio e ela tem apenas um púlpito, de onde o padre dava as informações da prática religiosa que eles estavam estudando”.
Comandada pelos jesuítas e contando com a contribuição da mão de obra de negros e indígenas, a construção da igreja foi concluída em 1732, ainda no século XVIII. Porém, Raul Lobo destaca que existem registros antigos que apontam que a permissão da coroa portuguesa para que a igreja fosse construída na colônia data de anos antes, de 1702.
“Inicialmente, o chão da igreja era formado por tábuas de acapu. Posteriormente é que foi trocado por ladrilhos hidráulicos vindos de Portugal e que permanecem até hoje”, conta Raul, ao destacar que existem quatro diferentes tipos de ladrilhos no piso da igreja e que podem ser apreciados ainda hoje.
“No presbitério ainda temos muitas peças em madeira. No sacrário (também em madeira) temos a figura do anjo, que representa a ligação entre os homens na Terra e Deus, e das folhas de acanto. A imagem de Cristo também em madeira, no altar, data da época da construção da Igreja”.
Se no altar a riqueza de detalhes talhada em cada peça de madeira já encanta, na sacristia da Igreja Matriz de Vigia a arte empregada proporciona ainda maior beleza. No teto do local destinado à salvaguarda das vestimentas sacerdotais e de objetos utilizados durante as celebrações, pinturas detalhadas prestam homenagens à Nossa Senhora.
O pesquisador Raul Lobo aponta que, entre flores e arabescos, estão escritas frases em latim que fazem referência à Virgem Maria. “Resplandecente como o sol; És bela como a lua; És como a estrela do mar e do dia”, traduz Raul, que aponta que a Igreja foi sagrada a Nossa Senhora de Nazaré muitos anos depois de sua construção. “Quando os jesuítas foram expulsos por Marquês de Pombal, já em 1759, a coroa portuguesa entrou em conflito com a sociedade, então, para reaver esse acordo amistoso, eles elegeram a igreja em paróquia em 1761 e, quando transformaram em paróquia, sagraram em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré porque já existia o culto nazareno em Vigia”.
Devoção à Virgem de Nazaré foi registrada oficialmente em 1697
Logo após garantir o domínio português sobre o território que abrigava a então aldeia Uruitá, Francisco Caldeira Castelo Branco seguiu viagem rumo a Belém e deixou em Vigia o fidalgo português Dom Jorge Gomes d’Alamo, responsável pela colonização da área. Segundo a história, no momento em que saiu de Portugal para se estabelecer na região do nordeste paraense a pedido da coroa portuguesa, o colonizador levou com ele a devoção por Nossa Senhora de Nazaré. “Ele era um português rico e devoto de Nossa Senhora de Nazaré e que veio na caravela do nosso fundador, Francisco Caldeira Castelo Branco. As expedições traziam várias pessoas e em determinados pontos iam deixando-as para colonizar aquele povoado, os índios”, explica Raul Lobo.
“Quem ficou em Vigia foi Dom Jorge Gomes d’Alamo. Pelo fato de ele ser devoto de Nossa Senhora de Nazaré, presume-se que ele tenha trazido uma réplica da imagem de Nossa Senhora para continuar a sua devoção aqui”.
O pesquisador explica que durante algumas décadas não se tinha registros oficiais sobre a realização de uma procissão em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré em Vigia. A primeira referência oficial data de 1697. “Neste ano veio o padre José Ferreira, em missão, visitar as aldeias e ele fez um registro afirmando que o que tinha de bom em Vigia era a imagem milagrosa de Nossa Senhora de Nazaré, que por aqui vinham muitos romeiros de longe para participar das celebrações daquele tempo”, conta Raul.
“Então, a partir daquele registro em 1697 é que se oficializa o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, mas se ele chegou e já encontrou essa devoção é porque já existia tempos antes. Como não se tinha documento que comprovasse isso, a partir do registro dele se oficializou a data”.
PATRIMÔNIO
Confira algumas das construções histórias que ainda estão presentes no cenário de Vigia
Igreja da Madre de Deus (Igreja Matriz)
A construção é uma das primeiras comandadas pelos jesuítas em Vigia de Nazaré. A Igreja em estilo barroco é rica em detalhes em madeira e guarda belas imagens de roca, imagem caracterizada pela possibilidade de ser vestida com diferentes roupas, tendo algumas partes do corpo móveis para facilitar a troca. O pesquisador e escritor Raul Lobo aponta que, à época, as imagens de roca não tinham denominações fechadas. Com tantas denominações existentes para Nossa Senhora, elas poderiam ser caracterizadas e depois descaracterizadas de acordo com a liturgia. A Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, que sai na procissão do Círio de Vigia, é deste estilo e está resguardada na Igreja Matriz.
Outra característica da Igreja tombada pelo Iphan é a presença de 22 colunas laterais em estilo toscano, uma das poucas existentes no Brasil com esta característica. Outra curiosidade da Igreja é que seus corredores laterais costumavam servir de abrigo para os romeiros que se dirigiam à então vila para acompanhar a procissão de Nossa Senhora de Nazaré. Em uma de suas torres, quatro sinos ainda fazem os anúncios fúnebres e solenes no município.
Igreja de Pedra (Capela do Senhor dos Passos)
Inacabada, esta foi a última construção dos jesuítas em Vigia. Erguida em pedra sobrepostas e sem reboco, teve a participação de negros e indígenas. A expulsão da ordem dos jesuítas pela coroa portuguesa, porém, impediu a finalização da obra. Em 1931, parte das paredes laterais chegou a ser demolida para a utilização das pedras na construção da antiga usina de energia e no cais de arrimo do município. Já em 1950, devotos arrecadaram recursos para a recuperação da capela, que acrescentou um coro e fechou o arco cruzeiro.
Sociedade Literária 05 de Agosto
Antiga residência do professor Francisco Quintino de Araújo Nunes, natural de Vigia, o imóvel abrigou em suas dependências a Sociedade Literária Beneficente 5 de Agosto, fundada em 1871. A sociedade, que teve Francisco Quintino como o primeiro presidente, congregava os intelectuais vigienses. Posteriormente, o prédio com técnica construtiva em taipa foi vendido e mais tarde desmembrado em dois imóveis.
Poço dos Jesuítas
Com o crescimento populacional da então Vila de Nossa Senhora de Nazareth da Vigia, no século XVIII, e o estabelecimento de várias ordens religiosas, algumas estruturas de serventia comunitária foram criadas pelos colonizadores, a exemplo dos poços para usufruto público que disponibilizavam água na área urbana da vila. A história aponta que existiram pelo menos oito poços que acabaram desativados com o tempo. Um deles, porém, foi preservado e pode ser visitado. Sua obra é atribuída aos jesuítas.
Trem de Guerra (atual Câmara Municipal de Belém)
No dia 23 de julho de 1835 foi travada, em torno do prédio do Trem de Guerra, uma grande batalha entre cabanos e autoridades vigienses. O prédio original foi demolido em setembro de 1990 e reconstruído, mantendo algumas de suas características arquitetônicas. Atualmente abriga a Câmara Municipal de Vigia.
Paço Municipal (atual Prefeitura Municipal)
O prédio foi sede da Intendência Municipal no período de 1890 a 1930, quando foi transformado em Prefeitura. Passou a guardar a sede da Prefeitura e da Câmara de Vereadores até 1970. Já em 1977 o antigo prédio do Paço Municipal foi demolido, sendo reconstruído posteriormente com as linhas arquitetônicas do anterior.
Fonte: Placas informativas dos pontos turísticos.