O vice-prefeito de Ananindeua, Hugo Atayde, é acusado de tortura e associação criminosa com milicianos, pelo Ministério Público do Pará (MPPA), em uma Ação Penal que tramita no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). Ela teve origem no assassinato de um rapaz de 23 anos, em fevereiro de 2019, por um suposto grupo de extermínio, integrado por policiais militares. A informação foi divulgada na última quarta-feira (02), pelo jornalista Matheus Leitão, da revista Veja. Mas não é a primeira vez que Atayde é suspeito de envolvimento com as milícias. Também em 2019, ele foi preso pela operação Anonymus II, que desarticulou um grupo de extermínio, responsável por vários homicídios na Região Metropolitana.
Segundo a revista Veja, na época do assassinato de Matheus Gomes Silva, em fevereiro de 2019, os envolvidos no crime possuíam “forte influência política no Poder Legislativo do Pará”. A Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), era presidida por Daniel Santos, então deputado estadual e hoje prefeito de Ananindeua. Dois dos policiais militares suspeitos do crime trabalhavam no gabinete de Daniel, um deles como seu motorista. E semanas após o crime, o próprio Daniel teria sido beneficiado por um “arranjo político” de Daniel: ele nomeou uma vereadora para um cargo na Alepa, o que permitiu que Atayde, que era suplente, assumisse a vaga dela. Mas a revista esclarece que Daniel não figura na Ação Penal.
Ainda segundo a Veja, tudo começou em 3 de janeiro de 2019, quando três homens furtaram a casa de Atayde. Levaram R$ 50 mil em bens, entre Tvs, joias, 22 relógios, roupas, sapatos e R$ 12 mil em dinheiro. Como não houve arrombamento, ele deduziu que os criminosos possuíam uma cópia da chave da casa. E suspeitou de uma adolescente de 16 anos, que trabalhara como babá dos filhos dele. “O MP diz que Atayde, acompanhado de policiais, ameaçou a adolescente com arma de fogo e depois a levou à uma delegacia”, relata a reportagem. No celular da garota, ele encontrou o contato de Matheus Gomes Silva, que era ex-namorado dela. O rapaz foi preso “e sofreu tortura para confessar o furto, segundo diz a denúncia”.
Mas o juiz considerou a prisão ilegal e os dois foram soltos. E a partir daí, pelo que se deduz da reportagem, os dias de Matheus estavam contados. Pouco depois, o “grupo de extermínio” teria plantado, nas redes sociais, um possível motivo para a morte dele: divulgou fotos do rapaz e da garota como se tivessem ligação com o Comando Vermelho. Fotos, de acordo com a reportagem, “obtidas no arquivo reservado do sistema penitenciário, ao qual só autoridades têm acesso”. Assim, em 27 de fevereiro, cinco homens invadiram a casa do rapaz e o mataram a tiros. O último foi na cabeça, “caracterizando crime de execução”. A munição, descobriu-se, era da PM. E o veículo dos criminosos, que pertenceria a uma policial militar, já teria sido usado em cinco assassinatos.
Atayde chegou a ser denunciado pelo MPPA como o mandante da execução. No entanto, diz a reportagem, “o Tribunal do Júri rejeitou, em junho de 2021, a acusação por homicídio, mas encaminhou o caso dos crimes de tortura e associação à milícia para uma Vara Criminal do Pará”. Mas o processo estaria “travado” há três anos, e três promotores de Justiça se disseram impedidos de atuar no caso. No último mês de março, diz a revista, Atayde pediu o arquivamento do processo, “alegando que não há provas contra ele e (que) o caso sequer pode ser considerado ação penal, embora apareça com esse nome no Tribunal de Justiça”. Ele e Daniel são muito próximos: Atayde foi chefe de Gabinete do prefeito, até se tornar vice dele, na reeleição à Prefeitura. Agora, também é o vice-presidente de Daniel no PSB do Pará.
Acusações e Investigações
O título da reportagem da Veja é “PSB no Pará tem dirigente acusado de atuar em grupo de extermínio”. Nela, o jornalista Matheus Leitão lembra que também Daniel Santos enfrenta problemas com a Justiça: ele é investigado, pelo MPPA, por suspeita de envolvimento no desvio de mais de R$ 261 milhões do Iasep, o instituto de assistência do funcionalismo estadual, para o Hospital Santa Maria de Ananindeua. Segundo a Junta Comercial do Pará (Jucepa), Daniel foi sócio do hospital entre 2014 e maio de 2022. O desvio ocorreu entre 2019 e meados de 2023 e incluiu superfaturamentos de até 1000%, nos preços cobrados pelo Santa Maria ao Iasep. Os pedidos do prefeito e de outros investigados para o trancamento da investigação foram negados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Resposta
Matheus Leitão relata que, na última terça-feira (01), procurou Daniel e Atayde, para que se manifestassem sobre a Ação Penal do MPPA. O prefeito chegou a atender um telefonema do jornalista e prometeu “que a assessoria responderia”, o que não ocorreu. Só após a publicação da reportagem é que Prefeitura enviou uma nota, na qual diz: “O prefeito não é nem alvo do processo citado e não há nenhuma investigação ou acusação em relação a ele. Portanto, a reportagem insinua algo que não condiz com a realidade dos fatos. O outro citado, Dr. Hugo (Atayde), informa que as denúncias referentes às investigações foram rejeitadas pela Justiça e não responde a nenhum processo. Por fim, a assessoria lamenta que tenha sido procurada somente na noite de terça-feira, com prazo exíguo para se manifestar até a manhã desta quarta-feira sobre um assunto tão relevante”.
Documentos
O DIÁRIO teve acesso a documentos sobre o caso. O juiz Cristiano Magalhães Gomes, da Vara do Tribunal do Júri de Ananindeua(PA), chegou a aceitar a denúncia do MPPA contra Atayde e 3 policiais militares, pelo assassinato de Matheus Gomes Silva. Mas, em junho de 2021, voltou atrás. Porque entendeu que não existiam “indícios mínimos” de que eles participaram daquela execução. Até mesmo a policial apontada como a dona do carro prata usado no crime teria comprovado, em outro processo, que “não detinha a posse efetiva do carro, mais sim seus parentes”.
No caso de Atayde, o juiz escreveu: “Apesar de haver indícios de que tenha praticado diversas das condutas descritas, todas são relativas ao crime de tortura e não ao crime de homicídio que hora se analisa. É natural que estivesse enfurecido pelo fato de ter sido furtado, tal circunstância, por si só, não indica que tenha efetivamente matado ou arquitetado a morte da vítima Matheus. A existência de motivação e os indícios da prática de crime menos grave, não lhe atribui a situação objetiva de réu em crime de homicídio”.
Assim, o juiz enviou as acusações de tortura, associação criminosa e constituição de milícia privada para distribuição a uma vara criminal de Ananindeua, já que tais casos não são de competência da Vara do Tribunal do Juri. Aparentemente, há vários processos contra supostos integrantes das milícias que tocavam o terror na Região Metropolitana. Mas o DIÁRIO ainda não localizou o processo contra outros suspeitos do assassinato de Matheus Gomes da Silva.
O crime e as investigações
E olha que foi um crime brutal. Na casa em que ele se encontrava, no bairro do Coqueiro, estavam, também, uma prima e dois tios. Por volta das 3h30m, cinco homens encapuzados com bataclavas e vestindo coletes balísticos típicos da polícia, arrombaram a porta. Todos estavam armados com pistolas e uma espingarda. Mandaram que o tio do rapaz deitasse no chão. Arrastaram o rapaz para um canto da sala e dispararam 3 tiros, o último na cabeça. Também roubaram uma TV, um computador e um celular.
Durante as investigações, a polícia descobriu que nem Matheus e a adolescente, nem dois outros jovens que Atayde também acusou pelo furto, possuíam passagem pela polícia. Matheus usava drogas. Mas, segundo a família e os vizinhos, nunca se envolvera em crimes. Estimulado pelos tios, que eram professores, estava até fazendo o supletivo, para tentar entrar na universidade.
Acusações adicionais
Os crimes cometidos antes da morte dele também impressionam. A adolescente e a avó dela teriam vivido momentos de terror, quando transportadas à delegacia, por policiais militares comandados por Atayde, então vereador e ex-diretor da Semutran, na qual um forte esquema de corrupção alimentaria a milícia. A adolescente teria sido até torturada, enquanto prestava depoimento a uma delegada, que viria a ser presa, meses depois, na Anonymus, por alertar Atayde sobre a operação.
A adolescente e a avó também teriam assistido a tortura de Matheus, pelos policiais, para que confessasse. Outro rapaz que Atayde acusou, nem sequer estaria em Ananindeua, quando ocorreu o furto. O rapaz e a família teriam passado o final de ano no Mosqueiro. E quando retornaram, encontraram a casa deles, em Ananindeua, toda revirada. Vizinhos teriam informado que Atayde estivera lá. Ele, então, dirigiu-se à Seccional da Cidade Nova, para saber o que estava ocorrendo. Mas acabou autuado, por causa do furto.
Em 6 de abril, um estojo de bala, com o mesmo “código de rastreabilidade” dos projeteis usados na execução de Matheus, foi encontrado no local de em um assassinato, no bairro do Jurunas, em Belém, cometido por dois encapuzados. E também o carro prata usado na execução de Matheus seria o mesmo utilizado em outros 5 homicídios. Um deles, em 21 de fevereiro de 2019, no bairro da Pedreira, vitimou o então vereador Deivite Wener Araújo Galvão, o “Gordo do Aurá”.