'SÓ CAPA'

UTI vazia e portas fechadas: O mistério do Pronto-Socorro que não funciona em Ananindeua

Com 75 leitos, sendo 10 de Unidade de Terapia Intensiva, a unidade que deveria desafogar o atendimento de urgência no município virou um “hospital fantasma”.

Fachada bonita, serviço nenhum: O fracasso do Pronto-Socorro de R$ 20 milhões em Ananindeua
Fachada bonita, serviço nenhum: O fracasso do Pronto-Socorro de R$ 20 milhões em Ananindeua. Foto: Antonio Melo

Ananindeua - Na entrada do Pronto-Socorro Municipal de Ananindeua (PSMA), no bairro Coqueiro, o silêncio e a ausência de movimento contrastam com o investimento de quase R$20 milhões feito para sua inauguração, que ocorreu em julho de 2024. Com 75 leitos, sendo 10 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a unidade que deveria desafogar o atendimento de urgência no município se tornou um “hospital fantasma”.

A equipe do DIÁRIO esteve no local na manhã desta sexta-feira (28) e verificou que, embora o local devesse garantir assistência de qualidade para a população, no entanto, menos de um ano depois, o cenário encontrado foi de abandono: o funcionamento adequado, que deveria ocorrer onde está a fachada do hospital, localizada na avenida Mário Covas, não dá acesso ao prédio; as portas encontram-se fechadas.

Segundo os moradores e comerciantes do entorno, “deveria estar funcionando” pela entrada da avenida Hélio Gueiros, – o que não acontece –, onde há apenas um portão lateral com a placa “Acesso a ENTRADA de ambulância e visitantes somente”, e o restante do comunicado está cortado.

Ainda, entre o período de 9h15 à 10h, não havia nenhuma movimentação de pacientes, pois, segundo relatos, os populares “já sabem da realidade do local”. Apenas a movimentação de dois homens, na portaria lateral; no mais, nenhum profissional da saúde. A ausência de funcionamento tem forçado os moradores a buscar atendimento em unidades superlotadas ou procurar outras alternativas. Foi o que aconteceu com o autônomo Nilson Valente, de 61 anos, um dos que sentem na pele a precariedade da saúde do município. Após sofrer um AVC em outubro do ano passado, Nilson precisou ser atendido em Belém, pois não encontrou assistência em Ananindeua.

Após sofrer um AVC em outubro do ano passado, Nilson precisou ser atendido em Belém, pois não encontrou assistência em Ananindeua.
Nilson tentou atendimento, mas foi em vão. Foto: Antonio Melo/Diário do Pará

“Não consegui atendimento aqui [PSMA], nem nas UPAs, pelo SUS não. Aqui [em Ananindeua], as consultas paguei no particular. Aí foi que tive que recorrer a UPA da Terra Firme, passei dois dias e meio em coma, e só depois me encaminharam para o que deveria ser feito. Lá eu consegui, aqui não”, relatou.

Moradora do bairro Cidade Nova, a manicure Denise Cardoso, de 64 anos, também compartilhou que após o fechamento do PSMA, o atendimento na cidade ficou ainda mais complicado.

“Antes da reforma, esse hospital funcionava. Fui internada aqui três vezes e era bom. Depois que fizeram a inauguração, não funcionou mais. Além disso, o posto de saúde [do lado do PSMA], que eu frequentava, está há dois anos parado. Começaram a reformar e pararam. Assim fica difícil”, criticou.

Moradora do bairro Cidade Nova, a manicure Denise Cardoso, de 64 anos, também compartilhou que após o fechamento do PSMA, o atendimento na cidade ficou ainda mais complicado.
Moradora do bairro Cidade Nova, a manicure Denise Cardoso, de 64 anos, também compartilhou que após o fechamento do PSMA, o atendimento na cidade ficou ainda mais complicado. Foto: Antonio Melo

Vereador denunciou prédio vazio com leitos desocupados

A situação foi constatada, inicialmente, pelo vereador Flávio Nobre (MDB), que esteve no local na noite de quarta-feira (26), por volta das 22h, e encontrou o prédio praticamente vazio. Segundo ele, a visita foi motivada pela denúncia de um casal que levou a esposa ao PSMA após uma crise epiléptica e encontrou o local sem ninguém para atender.

Um hospital fechado e sem atendimento à população, foi o que foi encontrado pelo vereador. “Eu fui até o local, encontrei com o porteiro, me apresentei e, até então, não queriam liberar minha entrada. Falei que sabia que ele estava sendo orientado, que estaria fazendo o trabalho dele e eu também gostaria de fazer o meu. Consegui entrar no espaço porque, pela lei, não posso ser impedido de entrar em um prédio de repartição pública”, relatou.

Já dentro do hospital, ele detalha que apenas 4 pacientes estavam internados aguardando cirurgia. “Esses pacientes tinham dado entrada na tarde do mesmo dia, e eles não ficam por muito tempo, apenas pernoitam e são liberados no dia seguinte; lá também tinham 3 técnicas de enfermagem e uma médica”.

“Lá questionei os mais de 60 leitos desocupados, também do porque a urgência e emergência obstétrica não estar funcionando em plena quarta-feira a noite, o qual a gente sabe que diariamente esse atendimento é usado; e, inclusive, vi que a UTI aparentava nem ter sido usada”, acrescenta.

O vereador Flávio Nobre afirma que continuará apurando sobre a movimentação do PSMA, pois, conforme ele, provavelmente os pacientes estão sendo atendidos nos municípios vizinhos.

“Estou oficializando o pedido de relatórios para a Secretaria Municipal para que definam o perfil de pacientes, assim como informações sobre a central de regulação e leitos, qual o total de pacientes cadastrados nos últimos 90 dias e a demanda do município por leito. Além disso, para a Prefeitura de Belém sobre quantos pacientes estão sendo atendidos em Belém que vão daqui do município de Ananindeua. O mesmo ofício já fiz para o Governo do Estado e prefeitura de Marituba”, pontua.

Crise se arrasta há meses em Ananindeua

A crise na saúde pública de Ananindeua se arrasta há meses e já é alvo de investigações do Ministério Público do Pará (MPPA) e do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O prefeito Daniel Santos (PSB) é acusado de envolvimento em esquemas de desvio de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como um dos casos – o favorecimento de um repasse de mais de R$ 71,5 milhões ao Hospital Santa Maria entre 2021 e 2024 – do qual pertenceu ao prefeito até 2022 –; e calotes em unidades conveniadas.

O MPPA, inclusive, solicitou a intervenção estadual na saúde do município. Diante do cenário caótico, a população segue sem respostas. Enquanto o PSMA permanece fechado e sem utilidade, outras unidades tentam suprir a demanda sem estrutura adequada.