
Ananindeua - Na entrada do Pronto-Socorro Municipal de Ananindeua (PSMA), no bairro Coqueiro, o silêncio e a ausência de movimento contrastam com o investimento de quase R$20 milhões feito para sua inauguração, que ocorreu em julho de 2024. Com 75 leitos, sendo 10 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a unidade que deveria desafogar o atendimento de urgência no município se tornou um “hospital fantasma”.
A equipe do DIÁRIO esteve no local na manhã desta sexta-feira (28) e verificou que, embora o local devesse garantir assistência de qualidade para a população, no entanto, menos de um ano depois, o cenário encontrado foi de abandono: o funcionamento adequado, que deveria ocorrer onde está a fachada do hospital, localizada na avenida Mário Covas, não dá acesso ao prédio; as portas encontram-se fechadas.
Segundo os moradores e comerciantes do entorno, “deveria estar funcionando” pela entrada da avenida Hélio Gueiros, – o que não acontece –, onde há apenas um portão lateral com a placa “Acesso a ENTRADA de ambulância e visitantes somente”, e o restante do comunicado está cortado.
Ainda, entre o período de 9h15 à 10h, não havia nenhuma movimentação de pacientes, pois, segundo relatos, os populares “já sabem da realidade do local”. Apenas a movimentação de dois homens, na portaria lateral; no mais, nenhum profissional da saúde. A ausência de funcionamento tem forçado os moradores a buscar atendimento em unidades superlotadas ou procurar outras alternativas. Foi o que aconteceu com o autônomo Nilson Valente, de 61 anos, um dos que sentem na pele a precariedade da saúde do município. Após sofrer um AVC em outubro do ano passado, Nilson precisou ser atendido em Belém, pois não encontrou assistência em Ananindeua.
“Não consegui atendimento aqui [PSMA], nem nas UPAs, pelo SUS não. Aqui [em Ananindeua], as consultas paguei no particular. Aí foi que tive que recorrer a UPA da Terra Firme, passei dois dias e meio em coma, e só depois me encaminharam para o que deveria ser feito. Lá eu consegui, aqui não”, relatou.
Moradora do bairro Cidade Nova, a manicure Denise Cardoso, de 64 anos, também compartilhou que após o fechamento do PSMA, o atendimento na cidade ficou ainda mais complicado.
“Antes da reforma, esse hospital funcionava. Fui internada aqui três vezes e era bom. Depois que fizeram a inauguração, não funcionou mais. Além disso, o posto de saúde [do lado do PSMA], que eu frequentava, está há dois anos parado. Começaram a reformar e pararam. Assim fica difícil”, criticou.
Vereador denunciou prédio vazio com leitos desocupados
A situação foi constatada, inicialmente, pelo vereador Flávio Nobre (MDB), que esteve no local na noite de quarta-feira (26), por volta das 22h, e encontrou o prédio praticamente vazio. Segundo ele, a visita foi motivada pela denúncia de um casal que levou a esposa ao PSMA após uma crise epiléptica e encontrou o local sem ninguém para atender.
Um hospital fechado e sem atendimento à população, foi o que foi encontrado pelo vereador. “Eu fui até o local, encontrei com o porteiro, me apresentei e, até então, não queriam liberar minha entrada. Falei que sabia que ele estava sendo orientado, que estaria fazendo o trabalho dele e eu também gostaria de fazer o meu. Consegui entrar no espaço porque, pela lei, não posso ser impedido de entrar em um prédio de repartição pública”, relatou.
Já dentro do hospital, ele detalha que apenas 4 pacientes estavam internados aguardando cirurgia. “Esses pacientes tinham dado entrada na tarde do mesmo dia, e eles não ficam por muito tempo, apenas pernoitam e são liberados no dia seguinte; lá também tinham 3 técnicas de enfermagem e uma médica”.
“Lá questionei os mais de 60 leitos desocupados, também do porque a urgência e emergência obstétrica não estar funcionando em plena quarta-feira a noite, o qual a gente sabe que diariamente esse atendimento é usado; e, inclusive, vi que a UTI aparentava nem ter sido usada”, acrescenta.
O vereador Flávio Nobre afirma que continuará apurando sobre a movimentação do PSMA, pois, conforme ele, provavelmente os pacientes estão sendo atendidos nos municípios vizinhos.
“Estou oficializando o pedido de relatórios para a Secretaria Municipal para que definam o perfil de pacientes, assim como informações sobre a central de regulação e leitos, qual o total de pacientes cadastrados nos últimos 90 dias e a demanda do município por leito. Além disso, para a Prefeitura de Belém sobre quantos pacientes estão sendo atendidos em Belém que vão daqui do município de Ananindeua. O mesmo ofício já fiz para o Governo do Estado e prefeitura de Marituba”, pontua.
Crise se arrasta há meses em Ananindeua
A crise na saúde pública de Ananindeua se arrasta há meses e já é alvo de investigações do Ministério Público do Pará (MPPA) e do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O prefeito Daniel Santos (PSB) é acusado de envolvimento em esquemas de desvio de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como um dos casos – o favorecimento de um repasse de mais de R$ 71,5 milhões ao Hospital Santa Maria entre 2021 e 2024 – do qual pertenceu ao prefeito até 2022 –; e calotes em unidades conveniadas.
O MPPA, inclusive, solicitou a intervenção estadual na saúde do município. Diante do cenário caótico, a população segue sem respostas. Enquanto o PSMA permanece fechado e sem utilidade, outras unidades tentam suprir a demanda sem estrutura adequada.