Luiz Flávio
Aos 52 anos, casada, mãe de três filhos, Maria Josefa Machado Neves tem muitas histórias para contar. Uma é especial. Natural da cidade de Diamante do Sul, no Paraná, Josefa mudou de Estado e de vida, há 40 anos, para ser protagonista de uma mudança social no município de São Félix do Xingu, no sudeste do Pará, coração da Amazônia.
Presidente da Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF), Josefa está à frente de um grupo de 40 mulheres que desenvolvem a agroecologia na região amazônica. Ela cumpre o segundo mandato na AMPPF, sendo uma das sócias fundadoras.
A história da AMPPF e das mulheres de São Félix do Xingu mostra a força da agricultura familiar e a importância da bioeconomia – um modelo que oferece muitas oportunidades para tornar os sistemas agroalimentares mais eficientes, inclusivos e sustentáveis, com preservação do ecossistema e bem-estar social. Com a nova percepção das riquezas naturais da região, Maria Josefa e as produtoras de polpa de frutas de São Félix do Xingu compreenderam que é possível gerar renda e melhorar a vida das pessoas sem desmatar e causar danos à floresta. “Daqui a uns anos, essa área vai voltar a ser uma nova floresta e todo mundo vai tirar o seu sustento. Podemos melhorar a nossa vida sem desmatar e sem causar danos às florestas”, assinala.
A produção da comunidade, segundo Josefa, depende das estações e safras das frutas. “O ano todo a gente mexe com polpa de fruta, produtos variados, 14 sabores, de janeiro a dezembro. Cajá, caju, acerola, goiaba, muruci, manga, graviola, cupuaçu, maracujá, tamarindo. Somos 55 associados; 40 são mulheres e 15 homens. Filhos também entraram na associação muito jovens. Somos 42 famílias”, informa.
A participação das mulheres em atividades da agricultura familiar no município é bastante ativa e já avança para o setor da agroindústria. Segundo Helene Menu, gerente do programa Florestas de Valor, desenvolvido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o caso mais emblemático é o da associação. “É um movimento bastante interessante, trazendo a diversidade de pensamentos e abordagem para dentro do grupo”, afirma.
O grupo também está organizado em torno de uma agroindústria e fornece produtos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e comércios locais. “Também está buscando diversificação de atividades para reduzir as perdas de frutas nos pomares e nos sistemas agroflorestais de seus quintais, gerando renda para as famílias e alimentação de qualidade nas escolas graças a uma merenda escolar mais saudável”, informou Helene.
Apesar das carências estruturais da região, como a falta de eletricidade em muitas áreas, as mulheres de São Félix adquiriram conhecimento e habilidades para diversificar a produção, garantindo a qualidade e a segurança dos alimentos. O maior exemplo é o cacau. Essencial para a economia regional, o fruto se transforma em doces e drinques, abrindo novas possibilidades econômicas para o grupo.
As mulheres produtoras não apenas redefiniram o significado de empreendedorismo, mas também demonstraram o poder da colaboração. Celma de Oliveira, coordenadora de projetos do Imaflora, considera que a participação das mulheres das comunidades é essencial para o sucesso do programa. “Mulheres rurais têm grande capacidade de doação às propostas do programa e sempre superam nossas expectativas. Assumem lideranças na gestão e produção da propriedade, na comercialização e nos espaços de debate e propostas de políticas públicas”, afirma Celma.
ACOMPANHAMENTO
A agricultora Maria Josefa ressalta a importância do programa Florestas de Valor para os produtores. “A gente teve o selo, muitas capacitações. Hoje as pessoas estão bem estruturadas. Hoje a gente já sabe como fazer. A gente plantava de qualquer jeito, não sabia por onde ia. Depois de sermos acompanhados pelo Imaflora, conseguimos tudo o que temos e somos hoje. Mudou bastante e para melhor”, afirmou.
As atividades do programa Florestas de Valor, em São Félix do Xingu e também nos municípios de Oriximiná e Alenquer, no norte do Pará, afetam diretamente o clima, com a manutenção ou aumento do carbono na biomassa dos sistemas produtivos. A avaliação é do engenheiro florestal Eduardo Gusson, especialista em carbono e técnico do Imaflora.
Segundo Gusson, a análise considera as emissões evitadas em função da conservação da vegetação nativa, no caso das áreas sob manejo extrativista de produtos da sociobiodiversidade sob orientação do programa (como área de coleta de castanha-do-pará, cumaru, copaíba), ou devido à transição da mudança no uso do solo, de pastagem e agricultura convencional para Sistemas Agroflorestais (SAF’s), “sempre considerando a queima evitada da biomassa para o preparo das áreas (o que denominamos de Roça Sem Fogo)”.
Gusson destaca três fatores para sustentar sua avaliação: a mecanização do preparo dos roçados, mantendo a biomassa das capoeiras no lugar do uso tradicional do fogo; a implantação de roçados e SAF’s e a manutenção do carbono das florestas que são utilizadas para o manejo de produtos não madeireiros.
A substituição da roça de corte e queima (coivara), prática comum de preparo dos roçados reduz a emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) por evitar a queima de biomassa. Os SAF’s, destaca Gusson, promovem a remoção (ou sequestro) do carbono atmosférico, que é um dos Gases do Efeito Estufa, “através do acúmulo deste elemento na biomassa das plantas cultivadas, e também na serrapilheira e solo, com o decorrer do estabelecimento destes sistemas produtivos”.
Programa transforma recursos em valores socioambientais
Inserido na proposta da Organização das Nações Unidas (ONU) que estabeleceu o movimento global “Década de Restauração de Ecossistemas”, de 2021 a 2030, o programa Florestas de Valor, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), completa dez anos de atuação na Amazônia com resultados expressivos.
Segundo análise de custo-benefício do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), feita em 2021 com base em entrevistas dos beneficiários, de cada R$ 1,00 investido no programa, são gerados R$ 7,94 em valor socioambiental. Isto é, o impacto é quase oito vezes maior que o valor investido.
Para Helene, o balanço dos dez anos do Florestas de Valor é muito positivo, tanto no norte do Pará, em Alenquer e Oriximiná, quanto no sudeste, em São Félix do Xingu. “Mesmo as realidades e as demandas sendo totalmente diferentes nos dois territórios, conseguimos apoiar as comunidades extrativistas, no primeiro caso, e agricultores familiares, no segundo caso, a fortalecer a organização comunitária, com a formação de duas cooperativas (Coopaflora – Cooperativa Mista dos Povos e Comunidades Tradicionais da Calha Norte e a Coquilombo – Cooperativa Mista do Quilombo Jauari)”, destaca.
Helene Menu também apontou o fortalecimento da Cooperativa Alternativa Mista Dos Pequenos Produtores do Alto Xingu (CAMPPAX) e da AMPPF como importante fator para a consolidação do acesso a mercados para os produtos dos territórios.
Outra linha de ação do programa que levou a grandes conquistas, segundo Helene, foi a disseminação de boas práticas de manejo de produtos não madeireiros da floresta (castanha, cumaru e copaíba). “A venda destes produtos gerou uma renda de mais de R$ 1,5 milhão de reais nos últimos dois anos.
BENEFÍCIOS
l Em São Félix do Xingu, 490 pessoas são beneficiadas pelas ações do programa Florestas de Valor. A AMPPF tem 55 associados, com 42 famílias beneficiadas. O volume médio da última safra/ano foi de 13.500 kg.