Abrir a torneira e ter acesso à água potável é um ato simples do cotidiano, que, em teoria, deveria ser comum para todos. No entanto, ainda não é a realidade de pelo menos 3.972.978 paraenses, o que corresponde a 48,9% da população do estado sem acesso à água potável. Esses dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2022), compilados pelo instituto Trata Brasil.
Em um estado rico em rios e conhecido por suas chuvas, ainda falta água limpa para beber. Uma possível solução para esse problema é o sistema de captação de água da chuva, uma tecnologia social desenvolvida pela professora Vania Neu, da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), em parceria com comunidades ribeirinhas.
Para facilitar o entendimento sobre a aplicação do sistema, a pesquisadora lançou, nesta quarta-feira (04), a segunda versão de uma cartilha ilustrada, que explica, passo a passo, como implementar o sistema criado. O lançamento ocorreu como parte das atividades do IV Conecta Ufra, evento realizado na universidade.
Por que uma cartilha?
“A cartilha, quando bem ilustrada, reflete a realidade e consegue levar a informação até as pessoas com dificuldades de leitura, uma realidade comum em muitas comunidades rurais isoladas. Ela foi criada especialmente para as comunidades sem acesso a água potável, como as ribeirinhas. Dessa forma, ela alcança mais pessoas do que seríamos capazes de atender diretamente, e a ilustração facilita para que qualquer pessoa possa replicar o sistema em sua própria casa. Não são ilustrações genéricas, elas são contextualizadas para a realidade das comunidades”, explica a professora Vania Neu.
Essa é a segunda edição da cartilha, após dois anos de trabalho. O sistema desenvolvido não requer energia elétrica, funcionando apenas com a gravidade. O novo modelo traz várias melhorias e adaptações, desenvolvidas em conjunto com a comunidade, incluindo durante a pandemia. “A tecnologia social surge a partir do diálogo com a comunidade, e é assim que ela se aprimora”, afirma Vania.
O novo sistema garante água potável, livre de contaminantes físicos, químicos e biológicos, por meio de cuidados simples que as próprias comunidades podem realizar. Além disso, o sistema agora conta com dois reservatórios.
“Antes, quando chegávamos à comunidade, muitas vezes o morador não havia higienizado o reservatório para não ficar sem água. Agora, eles podem usar um enquanto higienizam o outro”, complementa a professora. A Ufra também atesta a qualidade da água, em parceria com o laboratório de hidrobiogeoquímica, coordenado por ela. A tecnologia foi certificada pela Fundação Banco do Brasil neste ano.
As ilustrações foram feitas pelo artista Thiago Sena Dantes de Oliveira, que também ilustrou outras cartilhas do projeto. Para a professora, tecnologias como essa deveriam ser transformadas em políticas públicas para garantir o acesso à água potável a um número ainda maior de pessoas.
Aplicação prática
O sistema de captação de água da chuva é uma tecnologia social que a Ufra aplica na comunidade de Furo Grande, no município de Barcarena, onde 63,7% da população não tem acesso à água potável. Para as 15 famílias beneficiadas pelo projeto, a realidade é diferente. Mary Baía, agente de saúde local, participou do lançamento da cartilha e compartilhou a transformação que a tecnologia trouxe à comunidade.
“Antes do projeto, as famílias tinham mais problemas de estômago, diarreia e doenças de pele. Com a implementação da tecnologia, esses problemas diminuíram. Como agente de saúde, vejo as duas realidades: de quem tem e de quem não tem as cisternas do projeto. Quem não tem cisterna ainda vive com a preocupação de ‘será que terei água para beber amanhã?’”
Mary explica que a prefeitura fornece água em garrafões por barco, uma vez por semana, para quem já tem o recipiente. Quem não tem, fica sem o fornecimento. “Um ou dois garrafões de água, dependendo da quantidade de pessoas, é insuficiente. Muitas famílias dependem exclusivamente da água do rio. Vejo quem participa do projeto como privilegiado, porque pode usar a água para higienizar alimentos, fazer o açaí, beber e até ajudar os vizinhos.”
Embora Mary tenha se mudado para outra comunidade, ela continua com a rotina de ribeirinha. Em sua nova casa, não há sistema de captação de água da chuva, o que já faz diferença no seu cotidiano. Porém, ela afirma que o próximo lar que construirá com seu esposo contará com o sistema, tecnologia que ela se empenha em compartilhar com todos ao seu redor. “É um sonho ver todos nós tendo acesso a água. Ninguém vive sem água. Mas enquanto os governos e políticos nos ignoram, a universidade nos trouxe esperança”, conclui.
Além das versões físicas que serão distribuídas nas comunidades, a cartilha pode ser baixada gratuitamente no link: Cartilha de captação de água da chuva.
Com informações de Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra