Carol Menezes
Mark Zuckerberg, presidente da Meta (empresa dona do Facebook), detentora atualmente também do aplicativo de mensagens WhatsApp e da rede social Instagram, chamou a atenção por publicar uma foto de família em que as três filhas, que são crianças, aparecem com o rosto coberto por emojis. A postagem rendeu milhares de comentários, alguns em tons de crítica, acusando o magnata de não confiar nas próprias plataformas que controla. Para quem é do Direito, e até mesmo da Psicologia, Mark está absolutamente correto em sua atitude.
Sim, expor o rosto de parentes menores de idade pode ser uma problemática inclusive a longo prazo. Além do aspecto jurídico, dada a proteção que envolve a defesa da criança e do adolescente tanto no âmbito da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o problema nessa exposição passa por questões que envolvem a preservação da saúde mental da criança, a segurança de dados, prevenção ao cyberbulling e proteção contra redes criminosas que sexualizam crianças e adolescentes.
“Há uma série de casos de crianças que foram expostas em redes sociais, viraram memes e, passados anos, amargam impactos sociais e psíquicos que prejudicaram suas vidas “, atenta Hugo Mercês, que é advogado, consultor jurídico e há pelo menos três anos é envolvido em debates relacionados a esse tipo de proteção e preservação.
Uma vez divulgado na internet, ainda que em espaços mais reservados, sempre há o risco de vazamento, seja por descuidos na segurança dos usuários, no manejo da rede, seja na própria rede utilizada ou mesmo do aparelho para acesso à internet. Isso não significa que haja motivo para paranoias.
“O tema é complexo e não pode ser pautado por sensacionalismo”, reforça Hugo. “Pensar a vida sem redes sociais parece uma privação – e até mesmo um cerceamento à liberdade. O que se coloca aqui é que essa exposição exige cuidados legais, atenção e moderação. A questão toma uma relevância ainda maior por conta de não haver legislações firmes no sentido de responsabilização das grandes empresas de tecnologia que monopolizam o acesso à internet”, justifica o advogado.
LEI
Aprovada em 2018 após quase duas décadas de discussão sobre o tema no Congresso Nacional e em vigor no Brasil desde agosto de 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei federal 13.709/2018) é uma poderosa ferramenta de promoção da cidadania digital das crianças e adolescentes, afinal, trata-se da legislação brasileira que regula as atividades de tratamento de dados pessoais e que também altera artigos do Marco Civil da Internet (lei federal 12.965/2014).
O consultor jurídico afirma que, ao lado da Constituição Federal e do ECA, a LGPD constitui um moderno arcabouço normativo de proteção – porém, não é suficiente para coibir violências e ilegalidades no âmbito digital. Ele aponta dois motivos para isso: o fato de que as instituições públicas e privadas ainda precisam de tempo para implementar e acumular experiências que assegurem a máxima eficácia desta normas; e ainda a realidade de que o fluxo de informações e inovações no âmbito digital, inclusive para fins ilegais, é muito mais célere do que qualquer percurso legislativo, fazendo com os avanços nas leis estejam sempre em atraso em relação aos avanços tecnológicos.
“É preciso mais que um esforço normativo, é preciso um esforço de educação continuada para proteção às crianças e adolescentes, bem como um acompanhamento parental de como estes jovens estão se posicionando ou são posicionados na internet”, aponta Hugo, insistindo na necessidade de avanços na responsabilização das big techs pela falta de moderação e até pela promoção de conteúdos ofensivos à dignidade de crianças e adolescentes.
“Há um velho ditado africano segundo o qual precisamos de uma aldeia para criar e proteger uma criança. Este dito segue atual: em tempos de aldeias digitais, precisamos de leis, mas também precisamos de uma presença familiar ativa e constante no desenvolvimento e na proteção de crianças e adolescentes”, recomenda.
CONSEQUÊNCIAS
Com atuação na área de desenvolvimento humano nas fases infância-adolescência-adulto, a psicóloga Ana Júlia Moreira explica que as consequências a médio e longo prazo de uma pessoa que teve sua imagem viralizada após divulgação por familiares ou outras pessoas desconhecidas pode caracterizar violência psicológica e pode contribuir para violências verbais, já que esse tipo de exposição costuma render vários tipos de comentários.
“Por mais que no universo infantil a criança não desperte para aquilo, muitas vezes ocorre na adolescência de estar estudando sobre bullying, ouvindo palestras sobre violência psicológica e cair a ficha da identificação. E aí a sensação daquela criança que viralizou e que hoje é adolescente é de que ela acabou de ser vítima daquilo tudo, como se tivesse ocorrido no tempo presente, porque não houve tomada de consciência naquela época para haver qualquer manifestação ou sentimento do que aconteceu”, detalha a psicóloga.
Ana Júlia confirma que o resultado desse tipo de situação pode acarretar em sérios adoecimentos, sendo os mais comuns a depressão e transtornos ansiosos. A psicóloga relata que explica aos pacientes adultos e cuidadores sobre a importância de saber dosar. “Se quer publicar um registro de algo que foi importante, mas aquele registro não é algo tão íntimo, ok, mas se a coisa foge do equilíbrio e aí são postadas muitas fotos daquela criança, até mesmo em momento de intimidade, da escola, são inúmeros os riscos”, pondera a profissional.