O Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (GRETTA), em parceria com a ong SUMAMOS+ e a Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento, realizou na região metropolitana de Belém uma pesquisa sobre empregabilidade voltada para a população trans. O objetivo trazer o debate sobre a situação socioeconômica da população trans na capital e nos municípios próximos.
Não é novidade que a população trans hoje vive fora do mercado de trabalho graças ao enorme preconceito que ainda afeta esse público. O lançamento da pesquisa acontecerá no próximo dia 22 de novembro no auditório do Ministério Público Federal, com apoio do Governo do Estado e participação do Ministério dos Direitos Humanos, através de sua secretária da pasta de Políticas LGBT, Symmi Larrat, entre outras autoridades convidadas a participar.
No evento de lançamento ocorrerá o seminário “Transformando Vidas”. “Além de lançar a pesquisa, queremos trazer empresas, governos e sociedade para debater a empregabilidade da população trans. Até o momento, já temos agenda com alguns deputados para tratar sobre algum projeto de lei que possa vir a tramitar na ALEPA sobre o assunto, mas todas as tentativas foram em vão”, destaca Bárbara Pastana, presidente do Movimento LGBT no Pará.
Ela lamenta o fato da falta de interesse da classe política em puxar esse debate. “A pesquisa está na sua fase final de digitalização. Foram entrevistadas 200 pessoas trans na região metropolitana. Logo depois que todos os dados forem coletados, a ideia é transformar em um documento e entregar a todos os presentes no seminário e aos vereadores e deputados estaduais e federais do nosso Estado”, diz Pastana.
A pesquisa, realizada em Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides e Castanhal trouxe resultados preocupantes para os travestis e transexuais da Amazônia, como a alta taxa de desemprego.
Além disso ainda há a precarização dos postos de trabalho, onde muitos travestis e trans acabam trabalhando em setores informais e em péssimas condições laborais, refletindo a dificuldade de acesso a cargos qualificados, mesmo para aqueles com níveis mais altos de escolaridade.
A pesquisa detectou ainda o baixo acesso a oportunidades de educação e capacitação: “Muitas pessoas trans enfrentam barreiras desde cedo, o que impacta sua trajetória educacional e, consequentemente, suas oportunidades de trabalho formal”, coloca a ativista do movimento. Segundo Bárbara Pastana, “apenas as empresas que implementam políticas de Inclusão e diversidade, especialmente as que adotam ações afirmativas, conseguem reduzir a desigualdade e criar ambientes de trabalho mais justos e produtivos para pessoas trans”.
Ela destaca a importância da sensibilização e educação organizacional. “A conscientização sobre as realidades das pessoas trans dentro das empresas ajuda a combater o preconceito e melhora a aceitação, promovendo a permanência e o crescimento desses profissionais. As conclusões da pesquisa apontam para a necessidade de intervenções políticas e organizacionais para reduzir as desigualdades e promover a inclusão real de pessoas trans no mercado de trabalho”.
Programa prevê trabalho digno para pessoas LGBTQIA+
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), por meio da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (SLGBTQIA+) atua de maneira transversal na construção das ações para promoção do trabalho digno para pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social.
No estado do Pará, já está aprovado e em fase final de negociações, a implementação do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) que viabilizará a execução do projeto-piloto do programa “Empodera+: Trabalho Digno, Educação e Geração de Renda para Pessoas LGBTQIA+”.
O ACT está previsto por meio da Portaria nº 88, de 27/02/2024, que institui a Estratégia Nacional de Trabalho Digno, Educação e Geração de Renda para pessoas LGBTQIA+ e que teve sua minuta inicial elaborada por meio da consultoria em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Sobre o Empodera +, a secretária Nacional dos Direitos das Pessoal LGBTQIA+, Symmy Larrat – que é paraense – afirma que as empresas precisam conhecer o programa. “Ele proporciona oportunidades de empregabilidade e diversidade no mercado de trabalho para a população LGBTQIA+. Pode construir uma rede de soluções, em resposta à violência que exclui a nossa população do ambiente educacional e do mercado de trabalho”, coloca.
Ainda sem data definida para início da implementação na região Norte do país, o programa prevê um conjunto de ações. Entre elas, a oferta de bolsas de estudo, educação profissional e acesso ao mercado de trabalho às pessoas trans e travestis; a ampliação de políticas afirmativas de diversidade em empresas do setor estatal e privado; o fortalecimento institucional das políticas públicas para pessoas LGBTQIA+ nos territórios; e a implementação, monitoramento e avaliação de novas tecnologias sociais em políticas de direitos humanos.
Relatos de uma realidade ainda difícil
Nicolas Ravi Tourinho, 21, nasceu mulher, mas sempre se identificou com o gênero masculino. “Há 3 anos, me entendi como homem trans e é assim que me identifico até hoje. Faço terapia hormonal com uso de testosterona a dois anos e estou no processo de entrar na fila para realizar a cirurgia de mastectomia, que é a retirada das mamas”, conta.
Ele cursa hoje Ciências Sociais na Universidade do Estado do Pará (UEPA) Ravi já passou por situações bem difíceis no Ensino Superior devido à sua identidade de gênero. “Já tive seu nome social desrespeitado, pessoas o trataram no feminino inúmeras vezes, incluindo alguns professores”.
Para ele, o mais difícil é a questão financeira. “Não ter uma perspectiva de emprego na minha área, porque além de ser uma área difícil por si só para conseguir empregos, sou uma pessoa trans. Qual escola iria me contratar para dar aulas? A realidade trans é muito triste na nossa sociedade, especialmente no que se refere a condições dignas, como a questão da formação acadêmica e do trabalho”, lamenta.
Nicolas garante que ainda assim não foram garantidas oportunidades por ser trans. “Já perdi oportunidades de emprego devido a isso. Estava tudo certo para eu começar no emprego, mas deixaram de me contratar quando viram meu nome civil nos documentos”, relata.
Atualmente desempregado, Nicolas vive com a mãe, única pessoa da minha família que mantém contato depois de se assumir trans. “Felizmente ela é uma grande rede de apoio que posso contar. Já trabalhei de maneira informal como autônomo, ajudando minha mãe a fazer doces e salgados para vendas. Foi o que nos sustentou por um bom tempo”.
Michelly da Costa Silva, 44, ex-estudante de nutrição, está atualmente desempregada. Travesti, solteira e sem filhos, ela conta que conclui os ensinos Médio e Fundamental e mais tarde seguiu para São Paulo, onde morou por 25 anos.
“Lá sofri demais sendo inclusive escravizada sexualmente. Em seguida decidi voltar para o Pará onde retomei meus estudos para tentar mudar de vida. Consegui entrar na universidade, mas não levei o curso até o fim porque não consegui estava sem dinheiro arcar com custos de transporte e outras despesas, por exemplo”.
Foi então que decidiu investir em cursos como informática, auxiliar administrativo, agente de vendas e de cabelereira. “Fui chamado para várias entrevistas e tudo dava certo até as pessoas me verem pessoalmente. Quando percebiam que eu era trans, davam uma desculpa, me dispensavam e nunca mais havia retorno…”, lembra.
Hoje Michelly continua estudando e trabalha como secretária em ong’s atuando em projetos de políticas públicas para a população LGBT do Estado. “Além disso faço bico de cabelereira na minha casa ou na casa dos clientes e atuo como garota de programa. Preciso me prostituir para sobreviver até hoje… Tenho preparo e qualificação mas não consigo me empregar. Ninguém, me dá uma oportunidade e preciso de dinheiro para comer e me sustentar”, conta.