DESVIO DE R$ 109 MILHÕES

Suspeitos de envolvimento em fraude são vizinhos do prefeito Daniel

O empresário Danillo da Silva Linhares, suspeito de envolvimento em uma quadrilha que teria desviado mais de R$ 109 milhões da Prefeitura de Ananindeua, é vizinho do prefeito Daniel Barbosa Santos

O empresário Danillo da Silva Linhares, suspeito de envolvimento em uma quadrilha que teria desviado mais de R$ 109 milhões da Prefeitura de Ananindeua, é vizinho do prefeito Daniel Barbosa Santos
O empresário Danillo da Silva Linhares, suspeito de envolvimento em uma quadrilha que teria desviado mais de R$ 109 milhões da Prefeitura de Ananindeua, é vizinho do prefeito Daniel Barbosa Santos

O empresário Danillo da Silva Linhares, suspeito de envolvimento em uma quadrilha que teria desviado mais de R$ 109 milhões da Prefeitura de Ananindeua, é vizinho do prefeito Daniel Barbosa Santos: ambos moram, há anos, no mesmo condomínio de luxo, o Residencial Castanheira, naquela cidade. Lá também mora o secretário municipal de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, outro suspeito de envolvimento com a suposta quadrilha.

Só uma das construtoras do empresário obteve mais de R$ 88 milhões em contratos, todos supostamente fraudados, com a Secretaria de Saneamento (Sesan). Na última sexta-feira, durante a operação Aqueronte, integrantes do Gaeco, o grupo de combate a organizações criminosas do Ministério Público do Pará (MPPA), cumpriram mandados judiciais de busca e apreensão nas residências do empresário e do secretário. Na mesma data, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo foi afastado do cargo, por determinação da Justiça.

São duas as empresas de Danillo da Silva Linhares, no olho do furacão: a Edifikka Construtora Ltda e a DSL Construtora e Incorporadora. Segundo as investigações, elas teriam sido beneficiadas com contratos milionários da Sesan e da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), oriundos de 6 licitações fraudadas. A secretária municipal de Saúde, Dayane Silva Lima, e o ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL) da Prefeitura, Manoel Palheta Fernandes, além de um ex-sócio e do enteado dele também estariam envolvidos na “organização criminosa”, diz o MPPA. As residências deles também foram alvos de mandados de busca e apreensão, durante a operação Aqueronte. Assim como as sedes da Edifikka e da DSL e o Setor de Licitações e Execuções de Contratos da Prefeitura de Ananindeua.

A secretária de Saúde, Dayane Silva Lima, permanece no cargo, já que o MPPA não pediu o afastamento dela. Mas o ex-presidente da CPL, Manoel Palheta Fernandes, foi afastado da função pública, na última sexta-feira. Na Folha de Pagamentos da Prefeitura, ele figura como “Assessor Estratégico” do Gabinete do prefeito Daniel Santos, mas estaria lotado na Secretaria Municipal de Licitação, como “Agente de Contratação”.

Manoel Fernandes teria papel de destaque na suposta quadrilha, segundo o MPPA, até por ocupar uma posição estratégica, como presidente da CPL, na época das fraudes: os anos de 2022 e 2023. Isso levanta um problema bem maior do que o já apurado. Nos diários oficiais de Ananindeua, foram várias as licitações que ele comandou. Uma delas, por exemplo, foi a Concorrência Pública 3/2023.015, realizada pela Secretaria Municipal de Trânsito (Semutran), em agosto de 2023, para o transporte coletivo de passageiros da cidade.

Ascensão meteórica na Prefeitura

Os diários oficiais também mostram que Manoel Fernandes teve uma rápida ascensão na Prefeitura de Ananindeua. Ele foi nomeado “Assessor Especial”, com um DAS 6, lotado na Procuradoria Geral de Ananindeua (PROGE), em janeiro de 2021, logo no início da administração do prefeito Daniel Santos. Dez meses depois, em outubro, foi exonerado e imediatamente nomeado Assessor Especial DAS 7, o que representou ganho salarial. Um ano depois, em outubro de 2022, foi elevado a assessor especial DAS 8, ainda lotado na PROGE.

No ano passado, virou Assessor Estratégico do Gabinete do Prefeito, com o mesmo DAS 8. E teria sido lotado como “Agente de Licitação,  na Secretaria Municipal de Licitação (SML), criada também no ano passado, embora, pelo menos até dezembro, continuasse a aparecer como presidente da CPL, em publicações no diário oficial.

Em metade das licitações supostamente fraudadas, o ex-sócio e o enteado de Manoel Fernandes teriam figurado até como representantes legais da Edifikka e da DSL. Na Tomada de Preços 2/2022-049, da Sesan, para a reforma do Mercado do 40 Horas, o representante da Edifikka foi o empresário Antônio Gilberto Alves de Lima Júnior, ex-sócio da empresa J. Rocha Indústria e Comércio de Alimentos Ltda, da qual também foi sócio Manoel Fernandes.

O mesmo Antônio Gilberto Alves de Lima Júnior representou a DSL na Concorrência Pública 3/2022-030, também da Sesan, para drenagem, terraplenagem e recapeamento asfáltico, em vários bairros de Ananindeua. Já na Concorrência Pública SRP 3/2021-022, no valor de R$ 5,8 milhões, para a manutenção predial de todas as unidades da Secretaria de Saúde (Sesau), quem assinou o contrato, como representante da DSL, foi Fernando Frota de Lima Neto, enteado de Manoel Fernandes, diz o MPPA.

Foto: DIVULGAÇÃO

Licitações são disputas entre empresas, em igualdade de condições, estabelecidas pelo Poder Público para baratear os preços e obter a melhor qualidade possível, para as obras e serviços que precisa realizar. Mas segundo documentos do processo 0815821-68.2024.8.14.0401, que o MPPA ajuizou, no início do mês passado, na Vara de Combate ao Crime Organizado de Belém, para apurar o caso, a suposta quadrilha fraudava justamente o caráter competitivo das licitações, um crime previsto no artigo 337-F do Código Penal, com pena de até 8 anos de cadeia. E fazia isso inserindo nos editais licitatórios (os documentos que regem as licitações) uma série de exigências ilegais, que beneficiavam a Edifikka e a DSL e prejudicavam as demais concorrentes. Ou simplesmente exigia até o que não estava no edital.

Um exemplo é o que aconteceu na Concorrência Pública 3/2022-030, realizada pela Sesan, em setembro de 2022, para serviços de drenagem, terraplenagem e pavimentação. Uma licitação de R$ 17 milhões. Para a qual, no entanto, apenas quatro empresas se cadastraram e só duas compareceram: a FAS Serviços Técnicos e a DSL. A FAS foi inabilitada por não apresentar uma certidão negativa do Tribunal Regional Federal (TRF) e licença sanitária.

Mas, segundo o MPPA, não havia no edital licitatório a exigência dessa certidão do TRF, para a fase de qualificação econômico-financeira. Quanto à licença sanitária, diz o MPPA, ela não está prevista na lei 8.666/93, a Lei das Licitações, na fase habilitatória. Pior: só é obrigatória para empresas de setores com impacto direto na saúde da população, como bares, farmácias, hospitais. Com a inabilitação da FAS, a DSL venceu a licitação, cujo contrato, que seria de R$ 17 milhões, acabou indo parar em mais de R$ 21 milhões, devido a um aditivo.

Segundo o MPPA, em todos os editais licitatórios analisados foram identificados “itens restritivos” à competição. Ao mesmo tempo, não foram encontrados documentos comprovando as qualificações técnico-operacionais e técnico-profissionais da Edifikka e da DSL, para a execução dos contratos que obtiveram. Ambas, aliás, não possuiriam nem mesmo um número suficiente de veículos para tantos contratos.

A Edifikka, diz o MPPA, registra apenas um caminhão e uma Land Rover, que nem é um veículo usado em obras de construção. Já a DSL registra apenas uma caminhonete Ram Rampage. Outro problema é que o MPPA não encontrou sinais delas em vários dos endereços que registraram, na Junta Comercial do Pará (JUCEPA).   

O MPPA também detectou aumentos dos capitais sociais das duas empresas dias antes da divulgação de editais licitatórios. O que seria “indício de operação contábil para atender os critérios de qualificação econômico-financeira” desses editais, afirmam os promotores. Ambas, também, estariam usufruindo de vantagens indevidas, inclusive em licitações, por permanecerem cadastradas como EPPs (Empresas de Pequeno Porte), embora as suas receitas operacionais superem, em muito, os R$ 4,8 milhões anuais, que é o limite para o enquadramento como EPP. O MPPA aponta, ainda, indícios de omissão de faturamento pela Edifikka, devido ao aumento irrisório de seus ativos, entre 2021 e 2022, apesar dos contratos milionários que assinou com a Prefeitura de Ananindeua.

Entre vizinhos

A operação Aqueronte não foi a primeira do Gaeco a bater na porta de vizinhos do prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos. Em 29 de abril deste ano, o Gaeco cumpriu mandados de busca e apreensão nas casas do empresário Elton dos Anjos Brandão e do servidor público Ed Wilson Dias e Silva, que também moram no Residencial Castanheira.

Eles são suspeitos de integrar uma quadrilha que teria desviado mais de R$ 261 milhões do Iasep, o instituto de assistência dos servidores estaduais, para o Hospital Santa Maria de Ananindeua. As fraudes teriam ocorrido entre 2019 e meados do ano passado. Entre 2014 e maio de 2022, Daniel Santos e Elton Brandão foram os únicos donos daquele hospital.

Pouco depois daquela operação do Gaeco, o próprio Daniel acabou também incluído entre os investigados. Entre as fraudes apontadas pelo MPPA estão superfaturamentos de até 1000% nos preços que o Santa Maria cobrava pelos serviços que prestava ao Iasep. Até agulhas custavam 60 vezes mais.

Já Ed Wilson Dias e Silva seria o elemento da suposta quadrilha que fazia a ponte entre Elton Brandão e o Iasep: só depois de reuniões com ele é que o coordenador do esquema, dentro do Iasep, reduzia ou acelerava o ritmo das fraudes, diz o MPPA.

Ed Wilson foi chefe de Gabinete da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), quando Daniel presidiu a instituição. Também foi chefe de Gabinete e diretor de Planejamento Estratégico da Prefeitura de Ananindeua, na Administração de Daniel. Hoje, é candidato a vice na chapa do prefeito, que tenta a reeleição.

O Residencial Castanheira, é um condomínio horizontal com cerca de 300 lotes, cada um com 500 metros quadrados. Há grandes áreas verdes e de convivência. Um paraíso de mansões e carrões, em meio à pobreza da maioria da população de Ananindeua.

Texto: Ana Célia Pinheiro