Ana Célia Pinheiro
Pelo menos R$ 20 milhões que o Ministério da Saúde repassou à Prefeitura de Ananindeua estariam em local incerto e não sabido. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), o dinheiro foi repassado à Prefeitura para custear leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e de RUE (Retaguarda de Urgência e Emergência) do Hospital Camilo Salgado, em 2021 e 2022.
Só que o hospital não prestaria serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2021. Mesmo assim, foi mantido, pela Prefeitura, nos pedidos de verbas que ela enviou ao Ministério da Saúde, para o custeio de leitos hospitalares. No portal municipal da Transparência, o DIÁRIO não encontrou pagamentos da Prefeitura, nesse valor, ao Camilo Salgado, que se encontra até fechado, devido à uma tentativa de calote milionário, pelo prefeito de Ananindeua, Daniel Barbosa Santos.
Como você leu no DIÁRIO do último dia 30, o prefeito desapropriou o Camilo Salgado em outubro de 2021, com a promessa de construir ali o “primeiro hospital público” da cidade. Só que, até hoje, a Prefeitura ainda deve R$ 4 milhões aos donos do hospital. Pelo acordo/contrato, eles receberiam R$ 14 milhões de indenização, devido à desapropriação. As parcelas do pagamento deveriam ser quitadas mensalmente, em 2022, o que não ocorreu.
Por isso, eles entraram na Justiça, pedindo a devolução do imóvel, o pagamento da dívida (R$ 4,335 milhões, corrigidos) e uma indenização por danos morais (R$ 1 milhão). Segundo eles, o atraso dos pagamentos, que acabaram suspensos no final do ano passado, impediu a reabertura do Camilo Salgado em outro local.
Assim, o hospital permanece fechado desde o final de 2021. No entanto, mesmo antes de seu fechamento, o Camilo Salgado, aparentemente, já não realizava serviços para o SUS. Segundo a Sespa, não há relatórios da produção desses serviços, pelo hospital, nos anos de 2021 e 2022, nos sistemas de Informação Ambulatorial (SIA) e de Informação Hospitalar Descentralizado (SIHD), do Datasus, o departamento de Informática do SUS.
CONTAS
Por isso, o Ministério da Saúde está pedindo a prestação de contas desse dinheiro, no prazo de seis meses, o que poderá resultar até na obrigatoriedade de devolução desses recursos. De acordo com o SIA e o SIHD, informa a Sespa, a Prefeitura recebeu cerca de R$ 10 milhões por ano, em 2021 e 2022, para o custeio de leitos de UTI e RUE do Camilo Salgado. E, por incrível que pareça, recebeu recursos até mesmo no ano passado, o que faz com que o dinheiro “desaparecido” possa atingir até R$ 29,5 milhões.
No portal da Transparência, os repasses da Prefeitura ao Camilo Salgado, de 2021 a 2023, não chegam nem a 1% desse valor. Em 2021, a Prefeitura “empenhou” em favor do hospital (se comprometeu, formalmente, a pagar a ele) R$ 1,175 milhão, por serviços ambulatoriais e hospitalares, com dinheiro do Fundo Municipal de Saúde (FMS), que é para onde vai o dinheiro do SUS.
Só que a maioria esmagadora desses “empenhos” (R$ 998 mil) foi anulada, em dezembro daquele ano. Assim, o que o Camilo Salgado acabou recebendo foram apenas R$ 177.787,35. Além disso, todos esses “empenhos” seriam pagamentos de serviços realizados entre novembro de 2020 e abril de 2021 (esse último, totalizando apenas R$ 4.532,95). O próprio valor realmente pago foi por serviços de dezembro de 2020.
Já em 2022, os únicos empenhos para o hospital foram para o pagamento da indenização pela desapropriação. A entrada, de R$ 4 milhões, foi paga em 11 de fevereiro. Outras quatro parcelas, de R$ 1 milhão cada, foram pagas em abril, maio, julho e dezembro, o que resultou em um total de R$ 8 milhões.
Em 2023, os únicos empenhos para o Camilo Salgado foram, também, para o pagamento de mais duas parcelas dessa indenização, em junho e em dezembro. Não há, nem em 2022 nem em 2023, qualquer menção a serviços ambulatoriais e hospitalares que o Camilo Salgado teria realizado para o SUS. Então, onde é que foram parar os R$ 29,5 milhões que a Prefeitura teria recebido do Ministério da Saúde, para pagamentos de serviços daquele hospital? Por que a Prefeitura não informou o Ministério da Saúde que o hospital estava fechado? Ou por que não devolveu, de imediato, esses recursos?
O “sumiço” desse dinheiro é mais um capítulo da enrolada desapropriação do Camilo Salgado pelo prefeito Daniel Barbosa Santos, que poderá provocar um prejuízo de R$ 2 milhões aos cofres públicos, devido à indenização de R$ 1 milhão, por danos morais, que está sendo pedida, judicialmente, pelos proprietários; as “custas processuais” (o preço dos serviços da Justiça, ao longo do processo); e os 20% de honorários dos advogados sobre o valor em disputa, que é de R$ 5,335 milhões. Tudo, é claro, pago pelo contribuinte, e não pelo prefeito, que foi ou é dono de um hospital em Ananindeua, para o qual, até onde se sabe, não há atrasos de pagamentos.
Devolução
Mas há uma possibilidade ainda pior: a de que a Prefeitura também acabe tendo de devolver o hospital aos proprietários, mesmo que o processo se estenda por anos. E aí, o dinheiro público que está sendo colocado ali, para transformar o Camilo Salgado no “primeiro hospital público” de Ananindeua, terá sido jogado fora. Um abacaxi que o prefeito Daniel Barbosa Santos deixará para a população e as futuras administrações da cidade, já que o seu mandato acabará neste ano.
O processo tem o número 0806165-11.2024.8.14.0006, tramita na Vara da Fazenda Pública de Ananindeua e foi ajuizado, pelos proprietários do Camilo Salgado, no último 20 de março. Mas, além dele, há outra dor de cabeça para o prefeito: os questionamentos a respeito do valor da indenização pela desapropriação do Camilo Salgado e a própria urgência desse “primeiro hospital público” da cidade.
É que o prefeito proclama essa urgência, mas não revela os estudos em que se baseia. E nem os estudos que levaram à essa indenização de R$ 14 milhões.
Em agosto de 2022, o Ministério Público do Pará (MPPA) abriu um Procedimento Administrativo sobre o caso. Para “acompanhar a legalidade e conveniência” dessa desapropriação de R$ 14 milhões, para a construção do “primeiro hospital público” da cidade. O MPPA quer saber se isso não lesou os cofres públicos. Quer apurar tanto a justificativa da desapropriação, quanto os critérios que levaram a esse valor.
A investigação tem o número SIMP 000130-200/2022. A última movimentação do caso é do último 3 de abril: o promotor de Justiça Laércio Guilhermino de Abreu, que está respondendo pela 2ª Promotoria de Direitos Constitucionais, Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa de Ananindeua, enviou ofício ao Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci). Ele solicitou a realização de uma perícia ou auditoria, para determinar se o valor dessa desapropriação foi compatível com os preços do mercado, na época.