Pará

Ser professor e a missão histórica de ensinar

Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Cintia Magno

A instituição de um dia em comemoração aos professores está ligada à atuação daquela que é apontada como a primeira mulher negra a ser eleita no país, a professora e filha de ex-escravizados, Antonieta de Barros. Deputada estadual por Santa Catarina, Antonieta foi autora do projeto de lei estadual que resultou em uma das primeiras leis sancionadas no Brasil a estabelecer o dia 15 de outubro como o Dia do Professor, ainda em 1948.

Mais de uma década depois, em 1963, a data passou a fazer parte do calendário nacional através de um decreto publicado pelo então presidente do Brasil João Goulart e, hoje, o dia 15 de outubro pode ser celebrado por todos os professores, em todo o país.

A professora e pesquisadora catarinense, autora de uma biografia sobre Antonieta de Barros, Jeruse Romão, lembra um pouco da trajetória da deputada estadual. “Antonieta é uma mulher negra, nascida em Santa Catarina, cuja mãe era uma mulher negra escravizada e que em 1889 passou a residir em Florianópolis, onde teve seus três filhos, entre eles Antonieta”, apresenta.

“Antonieta ingressa na Escola Normal Catarinense em 1918, ela tinha 17 anos. Foi presidenta do Grêmio das Normalistas, o que já indicava o início do seu ativismo político, e editora de uma revista estudantil. Formou-se em 1921 e fundou uma escola em 1922, o Curso Particular Antonieta de Barros. Ela diz em uma entrevista que funda essa escola porque não havia concurso público naquela época e as pessoas eram indicadas por ‘pistolão’, a expressão que ela usa”.

Tamires Magalhães. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Ao lado da irmã mais nova, que também se formou na Escola Normal, Antonieta passa a lecionar na escola particular fundada por elas e, em 1923, também passa a escrever crônicas para os jornais de Santa Catarina, mantendo uma carreira conjunta no magistério e no jornalismo.

“Na década de 30 ela ingressa no serviço público como professora, 12 anos depois de formada, e em 1934 o nome dela aparece como uma indicação do seu partido para a constituinte catarinense. Ela é a única candidata mulher naquela eleição”, aponta Jeruse Romão. “Ela vive em um momento em que as mulheres pouco participavam da política e dos movimentos sociais em posição de direção. E Antonieta, junto com outras mulheres da sua geração, vai rompendo um pouco essas barreiras”.

Eleita, Antonieta toma posse do seu primeiro mandato, porém, retorna ao magistério quando a Assembleia Legislativa é extinta, em 1937, pela ditadura de Getúlio Vargas. O retorno às Eleições se dá apenas em 1947, quando ela concorre novamente.

“Nessa época ela já não era a única mulher a concorrer, mas foi a única com votação suficiente para assumir uma suplência; ela não atinge a titularidade como atingiu no primeiro mandato. Ela assume em 1948 a suplência e apresenta um conjunto de projetos, dentre eles o Dia do Professor”, explica a pesquisadora.

“Mas é importante lembrar que o Dia do Professor é um projeto que começa a ser discutido em São Paulo. O movimento de professores de São Paulo dispara telegramas para as Assembleias Legislativas brasileiras convidando os parlamentos estaduais a se somar ao movimento pela lei do Dia do Professor e Santa Catarina aderiu ao movimento muito rápido”.

Yasmin Santos Correia. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

 

Mesmo com tantos desafios, profissão continua a atrair jovens educadores

Tantos anos depois das manifestações de Antonieta de Barros em defesa do magistério e da educação, os desafios enfrentados pelos professores e professoras continuam enormes. Apesar disso, a profissão continua a atrair jovens educadores empenhados em promover a transformação social por meio da educação.

Ainda durante a primeira infância, a jovem Yasmin Santos Correia chegou a pensar em diferentes caminhos a seguir quando se tornasse adulta. Durante as experiências vivenciadas na oitava série do ensino médio, porém, ela sentiu pela primeira vez a certeza que lhe acompanha até hoje, a vontade de ser professora.

“Me encantei muito pelos meus professores de várias áreas, linguagem, artes, alguns de exatas também e eles me incentivaram muito a seguir essa profissão”, conta ela, que hoje cursa o último semestre do curso de licenciatura em letras – língua portuguesa na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Juliane. Foto: Reprodução

“Eu estou muito feliz, já estou dando aula há dois anos e estou em um projeto em uma escola pública na qual eu faço a união entre o ensino da língua portuguesa com o teatro”, conta, com o brilho no olhar de quem abraça a profissão. “Sempre foi uma vontade minha e eu estou me sentindo muito realizada de seguir essa profissão, é o que eu sempre quis realmente”.

Prestes a concluir a graduação, o pensamento centrado no que se almeja para o futuro é natural e algo sobre o qual Yasmin já refletiu muito bem. “Eu também imagino o professor sendo um exemplo político – eu, por exemplo, sempre fico imaginando a questão racial. A presença de professores e professoras negras e como esses alunos podem se identificar com esse professor e aprender. Que a nossa educação seja para abrir os olhos dos estudantes. Essa é uma luta diária minha”.

CONTATO

A participação direta e colaborativa na formação dos estudantes também é o anseio da universitária Tamires Magalhães Cordeiro, estudante do quarto período do curso de licenciatura em letras – língua portuguesa, também pela UFPA. Tamires viu a vontade de se tornar professora crescer dentro dela aos poucos.

“Até o meu segundo ano, eu falava que não queria ser professora porque deve ser estressante, mas depois, um professor da área de língua portuguesa me incentivou muito e eu me encantei pela área da literatura, da linguística e eu já comecei a pensar que poderia ser interessante e resolvi arriscar”.

“Eu já tive a oportunidade de ter o contato com a sala de aula, mesmo sendo em um cenário pandêmico, mas não vejo que isso deixou de agregar. Na verdade, foi desafiador porque a pandemia veio para nos ensinar que é preciso a gente também saber se reinventar, o professor tem que estar se reinventando, se conectando com seus alunos e ter o olhar sempre atento”, considera.

“Eu espero contribuir bastante com o aluno porque ser professor não é só absorver o conteúdo e simplesmente jogar para o aluno, é entender a realidade. O meu papel é contribuir para a formação do aluno, para a formação de seres pensantes”.

 

Ser professor, uma missão

O entendimento da amplitude que o papel do professor alcança na sociedade atual também já chegou para o jovem Fernando Kauffmann, estudante do último período do curso de licenciatura em ciência das religiões na Universidade do Estado do Pará (Uepa), e professor há dois anos. “O professor tem uma função não só de ensinar, ele cuida, ele forma mentes pensantes. Ser professor é uma missão, como dizia Paulo Freire, o nosso patrono da educação brasileira. Não podemos falar de educação, sem antes falar de amor”.

Fernando Kauffmann: professor ensina, cuida e forma mentes pensantes. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Nutrindo a vontade de ensinar desde a infância, Fernando também precisou enfrentar os novos desafios impostos pela pandemia da Covid-19, uma experiência que ele levará para a vida toda e que, com certeza, ajudaram a construir a sua formação.

“Nós passamos por um tempo de pandemia e o professor, nesse contexto, teve que se reinventar. Ele teve que cuidar do aluno, da família do aluno e da sua própria família. A gente enfrenta uma série de dificuldades dentro da sociedade que, às vezes, fazem a gente até mesmo pensar em recuar, mas ser professor também é resistência, é um ato de amor”, considera.

“O professor forma, capacita, desenvolve mentes pensantes, o nosso papel não é só ensinar. É capacitar cidadãos para que possam ser o futuro da nossa nação. Então, o que a gente espera é a valorização da sociedade porque o professor é o pilar. A única forma de a gente mudar a sociedade é pela educação”.

Orgulho e esperança de valorização

A valorização apontada por Fernando é a mesma que espera a estudante do curso de licenciatura em pedagogia da Uepa – Campus Barcarena, Juliane Nascimento. Seguindo um exemplo que teve dentro de casa, ela não tem dúvidas do papel fundamental que a sua profissão tem para toda a sociedade.

“O que eu espero do país como futura professora é que sejamos mais valorizados como base principal para a formação de sujeitos críticos, e que seja demonstrada essa verdadeira importância. Vejo que por muitas vezes somos desvalorizados quando falamos que estudamos pedagogia, como se o médico ou advogado não fossem ensinados por professores”, analisa.

“Desde criança tive exemplo em casa de professora, minha madrasta é professora e sempre me inspirei nela. Tenho vários familiares e minha ex-sogra como exemplo nessa profissão e eu sempre falo que não escolhi a pedagogia, foi a pedagogia que me escolheu”.

O próprio exercício de refletir sobre o que se deseja para o futuro dos professores no país é um desafio, diante da complexidade que a profissão demanda. No 7º semestre do curso de pedagogia pela Uepa – Campus Vigia, Bárbara Rocha Martins espera, acima de tudo, reconhecimento para todos os professores. “O que eu espero é que a gente consiga não só reaver a valorização da sociedade em relação à gente, mas também o reconhecimento pelo nosso trabalho. Durante a pandemia, muitos pais puderam ver a importância de um professor e o que a gente espera é a valorização disso”.