RIO (AG) – Quase quatro anos depois da aprovação do Marco Legal do Saneamento, que serão completados na segunda-feira, a situação das praias brasileiras mostra como está distante a meta estabelecida de tratar 90% de todo o esgoto até 2033. Os relatórios mais recentes de limpeza da água das praias produzidos nos dez estados mais populosos do litoral mostraram que 36% dos trechos analisados estão impróprios para banho. Foram examinados 1.035 pontos no Pará, no Maranhão, no Ceará, em Pernambuco, na Bahia, no Espírito Santo, em São Paulo, no Rio, no Paraná e em Santa Catarina, e 347 se mostraram impróprios.
A persistência do problema está relacionada à expansão do turismo sem investimentos em infraestrutura, segundo estudiosos do tema. Mas também há influência do movimento de saída de pessoas dos grandes centros para morar em cidades menores depois da pandemia. Os efeitos da falta de tratamento ultrapassam a área ambiental ou da saúde de quem se arrisca em águas impróprias. Um estudo do Instituto Trata Brasil, que acompanha os problemas do saneamento, aponta que, se o Brasil universalizar o esgoto até 2040, pode ganhar R$ 80 bilhões com o turismo.
Dos estados analisados, Pernambuco está em pior situação, com 63% dos trechos examinados considerados impróprios. De acordo com o boletim da Agência Pernambucana de Meio Ambiente, as coletas de julho mostraram que 17 dos 27 pontos (é possível haver mais de um na mesma praia, como em Boa Viagem) tiveram resultados negativos. A maioria fica no Norte do estado, onde a fama de praias como Itamaracá e Paul Amarelo, nos anos 1970 e 1980, levaram a uma ocupação descontrolada, à degradação e ao apelo turístico que provocou o fenômeno.
– As cidades cresceram sem acompanhamento de planejamento, e o saneamento básico ficou comprometido – resume o arquiteto e urbanista Zeca Brandão, da Universidade Federal de Pernambuco.
Praias da região metropolitana da capital, em Olinda, Recife e Jaboatão dos Guararapes, também têm muitos pontos com água imprópria. Um processo semelhante ao que houve no Norte do litoral ameaça Jaboatão dos Guararapes, alerta Brandão:
– Houve um processo de verticalização recente e muito rápido, com edifícios de mais de 33 andares na beira da praia. As praias do Sul também estão recebendo muitas obras, mas por enquanto ainda há controle ambiental maior.
No Ceará, onde um quarto dos pontos de coleta em praia teve resultado negativo, a forma de ocupação depois da pandemia é uma das hipóteses para a poluição. O oceanógrafo Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará, diz que muitas pessoas migraram para cidades pequenas recentemente.
– O problema é que muitos desses municípios (que receberam novos moradores) não têm estrutura de saneamento básico. Assim, crescem hotéis e casas sem estrutura. São regiões que estavam acostumadas a ocupação maior somente durante a alta estação – explica Soares.
Os problemas com a expansão sem controle não se resumem ao Nordeste. Oceanógrafo da Universidade do Vale do Itajaí, Marcus Polette alerta que em Santa Catarina já há regiões em colapso por problemas de mobilidade urbana, após o rápido crescimento sem a infraestrutura adequada. Além disso, cidades como Balneário Camboriú, Itapema, Porto Belo e Navegantes têm problemas agravados pelo turismo na alta estação.
Santa Catarina, que tem 31 municípios na sua costa, fica na 19ª posição no ranking dos estados com percentual de população atendida por rede de esgoto, de acordo com o Trata Brasil. Segundo o boletim de julho sobre as praias catarinenses divulgado pelo governo do estado, 29% dos trechos examinados estão impróprios.
– Muitas praias turísticas não contam com estações de tratamento de esgoto. Ao mesmo tempo, têm investido e apoiado grandes projetos imobiliários. A velocidade da implementação de infraestrutura não seguiu a mesma do desenvolvimento urbano – aponta Polette, para quem há um “grande contrassenso” entre a maioria dos gestores municipais. – Deixam de priorizar o saneamento básico, o que garantiria a eficiência da qualidade ambiental das praias e do mar e a vinda de mais turistas.
O último ranking do saneamento do Trata Brasil mostrou que no primeiro semestre de 2022 foram despejados na natureza o equivalente a mais de 1 milhão de piscinas olímpicas cheias de esgoto, o que representa 2,5 bilhões de litros. A estatística é baseada no Sistema Nacional de Informações de Saneamento do Ministério das Cidades. A porcentagem de esgoto tratado no país entre 2019 e 2022 evoluiu apenas de 49% para 52%, segundo o ranking.
– É muito pouco. Precisamos evoluir praticamente 38 pontos percentuais em 10 anos (para atingir a meta de 90% em 2033) – ressalta Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. – A sociedade não enxerga o valor do tratamento de esgoto para a nossa vida. Muitas vezes mal sabe se tem coleta e tratamento na nossa casa. É um setor que exige investimento alto e obras que trazem transtorno.
A universalização do esgoto parece ser um sonho distante. Atualmente, cerca de 32 milhões de brasileiros vivem sem acesso à água potável e mais de 90 milhões não têm coleta de esgoto. Segundo o Plano de Saneamento Básico do governo federal, é necessário um investimento de R$ 231 anuais por habitante para universalizar o esgoto. Mas em 2022, a média foi de apenas R$ 111. Há alguns estados com situações muito graves, como o Acre, onde o investimento foi de apenas R$ 3 por habitante.
– Não existe solução única. O país tem realidades diversas e uma desigualdade regional bem grande. Mas, em qualquer uma das soluções, a gente precisa de investimento, seja público ou privado. Por isso é importante entender a realidade do estado e se há capacidade financeira para cumprir a meta de 2033, ou se precisa de uma parceria privada. Além disso, é preciso ter uma regulação forte – recomenda Pretto.