Pará

Reciclagem cresce e garante renda a milhares de paraenses

Não é de agora que Maria do Socorro Santos Ribeiro, 51 anos, percebeu que poderia obter renda do que a maioria das pessoas descartam como lixo. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.
Não é de agora que Maria do Socorro Santos Ribeiro, 51 anos, percebeu que poderia obter renda do que a maioria das pessoas descartam como lixo. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

Cintia Magno

Não é de agora que Maria do Socorro Santos Ribeiro, 51 anos, percebeu que poderia obter renda do que a maioria das pessoas descartam como lixo. Sem oportunidade de trabalho e com uma família para sustentar, ela foi uma entre tantas mulheres e homens que, no passado não muito distante, garantiam a renda familiar através do que garimpavam no conhecido Lixão do Aurá.

Foi depois que ela e outros catadores se organizaram em cooperativa e saíram do aterro sanitário, porém, que eles tiveram a real noção da riqueza contida nos materiais recicláveis. Um segmento que, segundo apontam os dados estimados pelo Anuário da Reciclagem 2022, gerou um faturamento de R$1,46 bilhão às organizações de catadores no Brasil apenas no ano de 2021.

Organizados em um galpão destinado ao acondicionamento do material reciclado coletado, os 40 trabalhadores que integram a Associação de Catadores da Coleta Seletiva de Belém (ACCSB) têm a possibilidade de fazer todo o trabalho de seleção e separação dos resíduos antes de serem destinados à reciclagem.

Para que chegue até o espaço, localizado à margem direita do Canal São Joaquim, às proximidades da Avenida Júlio César, o material é coletado pelos próprios catadores nas residências de alguns bairros de Belém, ou ele é levado até o local por empresas e indivíduos que já desenvolveram o hábito da separação de resíduos.

“Nós somos remanescentes de cima do Lixão do Aurá e a nossa vida mudou para muito melhor depois que a gente se uniu e formou a Associação de Catadores da Coleta Seletiva de Belém (ACCSB), que também é uma cooperativa”, conta Maria do Socorro, atual presidente da ACCSB.

Para a grande maioria das pessoas que ainda hoje atuam na cooperativa, a única fonte de renda vem da ‘catação’, do material reciclável. Renda que Maria do Socorro considera que poderia ser muito maior se a própria sociedade se conscientizasse do valor que tais resíduos possuem.

“É uma tristeza para nós ver um material que poderia ser uma renda para um catador ir parar dentro do canal. Falta consciência da população de que isso que para eles é lixo, para muitos é dinheiro, é ouro”, considera.

Maria do Socorro dos Santos Ribeiro, 51 anos, presidente da Associação de Catadores da Coleta Seletiva Belém. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

“Tenho três filhos, todos sustentados com a reciclagem. Em cima do lixão os meus filhos nunca colocaram os pés, só eu e o pai deles. Eu virava semanas em cima do lixão, mas depois da cooperativa tudo melhorou. Hoje eu tenho a minha casa própria no Benguí, tenho minha casa em Mosqueiro, tenho uma casa em Cotijuba, eu aproveito a vida, faço os meus passeios, tudo através da reciclagem. Hoje eu vivo uma vida boa”.

Ao mesmo tempo em que garante uma vida digna para as famílias, gerando renda, o trabalho de coleta de materiais recicláveis também presta um importante serviço para o benefício de toda a sociedade. Papel que Maria faz questão de destacar. “Nós sobrevivemos dessa fonte de renda, mas a natureza também é beneficiada com esse trabalho. A gente se identifica como verdadeiros cuidadores do meio ambiente também”.

Ainda durante a infância, o catador Roselino Ribeiro, 73 anos, se criou tomando banho nos rios urbanos de Belém que, depois, acabaram se transformando em canais. É com tristeza que ele vê, hoje, os mesmos canais poluídos por resíduos que poderiam gerar dinheiro, caso recebessem a destinação adequada. Uma visão que a própria experiência de vida se encarregou de lhe mostrar.

Ainda durante a infância, o catador Roselino Ribeiro, 73 anos, se criou tomando banho nos rios urbanos de Belém que, depois, acabaram se transformando em canais. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

“A minha reciclagem eu comecei com 16 anos, pegando ferro que eu encontrava na beira da rua. Depois eu arranjei família e trabalhei um tempo na profissão de pedreiro, mas não pude mais continuar e encontrei trabalho na reciclagem de novo”, recorda, ao falar da profissão da qual ele nunca mais se afastou. “Desde sempre eu sustento a minha família da reciclagem e me sinto bem fazendo isso. Graças a Deus eu venho para cá até hoje porque me sinto bem, não consigo ficar em casa”.

A agilidade para fazer a separação do papel que será reciclado também advém de anos de experiência da catadora Maria Joana, hoje com 66 anos. Assim como Maria do Socorro e Roselino, ela também saiu do lixão para garantir a renda da família com a reciclagem, organizada em cooperativa. “A reciclagem mudou a nossa vida. Eu passei 10 anos em cima do lixão e vi como as coisas mudaram depois que a gente se organizou para formar a cooperativa. O sustento das nossas famílias é todo da reciclagem”.

Reciclagem movimentou R$23,6 milhões em 2021, no Pará

Reconhecido há tempos pelas famílias de catadores que realizam a separação e a destinação dos resíduos sólidos em todo o país, o potencial econômico da reciclagem também é evidenciada pelos números do setor. O Anuário da Reciclagem 2022, material elaborado pelo Instituto Pragma, aponta que em 2021 a reciclagem de resíduos foi responsável por um faturamento estimado de R$23,6 milhões às organizações de catadores somente no Estado do Pará. Em todo o Brasil, o montante estimado chegou ao valor de R$1,46 bilhão.

Os dados apontados pelo anuário foram alcançados a partir do levantamento de informações em campo, pesquisas em plataformas que registram informações sobre organizações de catadores, verificação de regularidade do CNPJ das organizações junto a base de dados da Receita Federal, além de outras iniciativas técnicas que, segundo o documento, garantem informações atualizadas e evitam duplicidade na contabilização de dados.

Ao todo, o banco de dados do Anuário da Reciclagem mapeou 1.996 cooperativas e associações de catadores no país que, juntas, reúnem mais de 56 mil trabalhadores, sendo cerca de 56% deles mulheres. Para o estudo, 672 organizações presentes em 394 municípios distribuídos por todas as Unidades da Federação responderam diretamente à pesquisa. Foi a partir das respostas apontadas por elas que se chegou aos números estimados.

Ainda de acordo com o Anuário da Reciclagem, “dentre as organizações que responderam à pesquisa, 288 forneceram informações sobre faturamento, o que representa uma amostragem de 14% do total de 1.996 organizações de catadores. Ao todo, a receita anual dessas organizações foi de R$209,03 milhões com a comercialização dos recicláveis recuperados”, um faturamento médio de R$725,83 mil por organização.

Considerando a avaliação das respostas dessas 288 organizações que participaram efetivamente da pesquisa, quando os parâmetros levantados são aplicados ao total de 1.996 organizações de catadores mapeados no Banco de Dados do Anuário da Reciclagem, chega-se à estimativa de que o total de organizações de catadores podem ter faturado R$1,46 bilhão no ano de 2021, no Brasil. Somente no Estado do Pará, a estimativa é de um faturamento de R$23,6 milhões no mesmo ano.

Presidente do Instituto Pragma, Dione Manetti destaca que, considerando a realidade apresentada, hoje, pela cadeia da reciclagem no Brasil, o desempenho apresentado pelas cooperativas mapeadas no Estado do Pará é bastante significativo.

“Às vezes a gente olha para essas organizações e não consegue ter a dimensão do que elas representam em termos de movimentação econômica. Só no Estado do Pará a gente teve um faturamento dessas organizações da ordem de R$23 milhões e isso é algo que, considerando a realidade socioeconômica do país e a localização geográfica do Estado do Pará – já que um dos problemas que agrava a situação da cadeia de reciclagem no Brasil é a grande concentração do parque de transformação nas regiões Sul e Sudeste -, é um resultado espetacular”.

Considerando o que já vem sendo feito mesmo com as dificuldades existentes, Dione aponta que o potencial econômico da reciclagem de resíduos no Brasil poderia ser muito melhor aproveitado. Ele considera que há 15 anos a reciclagem era uma questão eminentemente ambiental e que tinha uma dimensão econômica. Porém, hoje, a reciclagem é uma questão eminentemente econômica que tem uma dimensão ambiental importante.

“É um mercado que cresceu muito, mas no Brasil a gente tem uma característica muito diferente dos outros países. Não é que não existem catadores na França, por exemplo, mas ninguém tem essa presença tão forte desse trabalhador chamado catador como no Brasil”, considera. “E é importante entender que esses catadores não foram para a reciclagem por uma consciência ambiental, eles foram por uma necessidade de garantir o seu sustento econômico e a sobrevivência de suas famílias”.

Dona Maria Joana (66 anos) e Alda Maria (65) catadoras. Associação de Catadores da Coleta Seletiva Belém. Reciclagem de resíduos gera faturamento de R$ 209 milhoes a organizações de catadores no Brasil, apenas no ano de 2021. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará.

 Nesse sentido, Dione destaca que a atividade da coleta seletiva no Brasil se estruturou na informalidade e sem nenhuma estrutura condizente com a dimensão do trabalho que os catadores fazem e até mesmo com o risco para a saúde do próprio trabalhador. Logo, a maneira possível de potencializar o setor da reciclagem no Brasil passa, primordialmente, por investimentos estruturantes na base da cadeia da reciclagem, tanto do setor público, quanto do setor privado. E quando se considera a base, está se falando dos catadores.

“Hoje, estima-se que a gente tenha de 800 mil a 1 milhão de catadores, sendo que 80% deles atua ainda na informalidade, então a gente precisaria ter uma política pública de estímulo à organização em unidades econômicas para esses catadores. Pode ser cooperativa, pode ser associação, mas também pode ser um catador que não quer se associar, que quer montar um negócio dele”, avalia.

“O segundo ponto é que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) prevê a prioridade de inclusão de catadores na gestão de resíduos. A inclusão dos catadores na coleta seletiva é a grande agenda que pode garantir que a gente amplie os índices de reciclagem no Brasil, obviamente combinado com planejamento e expansão do parque industrial de transformação principalmente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste”.

RECICLAGEM

Os números da reciclagem no Brasil e no Pará

O Anuário da Reciclagem 2022 mapeou um total de 1.996 organizações de catadoras e catadores, presentes em 1.032 municípios brasileiros, sendo 50 identificadas no Estado do Pará.

QUANTIDADE ESTIMADA

Estima-se que essas 1.996 organizações podem ter coletado, em 2021, cerca de 1,3 milhão de toneladas de resíduos sólidos em todo o país.

Somente no Pará, a quantidade estimada é de 33.281 toneladas coletadas em 2021.

VOLUME POR TIPO DE RESÍDUO

Volume de resíduos recuperados pelas organizações por tipo de resíduo, no Estado do Pará

15.145,15 toneladas de papel

7.608,5 toneladas de plástico

753,4 toneladas de alumínio

3.801,84 toneladas de vidro

3.777,23 toneladas de outros materiais

EVOLUÇÃO

O Anuário estimou a evolução no faturamento obtido pelas organizações de catadores considerando os dados do primeiro e do último ano em que o cálculo de expansão foi realizado.

*Estado com o maior faturamento do Brasil, São Paulo passou de R$144 milhões para mais de R$380 milhões em faturamento de 2020 para 2021.

*Já o Estado do Pará passou de um faturamento de R$15,6 milhões, para os R$23,6 milhões estimados para 2021.

RENDA

Renda média dos catadores mapeados no Brasil: R$ 1.447,89

Renda média dos catadores mapeados no Estado do Pará: R$ 914,49

Fonte: Anuário da Reciclagem 2022. Disponível em: Anuário da Reciclagem (anuariodareciclagem.eco.br)