PREFEITO INVESTIGADO POR CORRUPÇÃO

R$ 5,7 milhões em propinas e 3.800 hectares em terras: o império oculto de Daniel Santos

Daniel Santos é acusado de liderar esquema de R$ 50 milhões com empresas contratadas pela Prefeitura de Ananindeua.

Daniel Santos é acusado de liderar esquema de R$ 50 milhões com empresas contratadas pela Prefeitura de Ananindeua.
Daniel Santos é acusado de liderar esquema de R$ 50 milhões com empresas contratadas pela Prefeitura de Ananindeua. Foto: Ascom/Ananindeua

Pelo menos 7 empresas e 5 empresários estariam envolvidos em um esquema milionário de corrupção e lavagem de dinheiro, comandado pelo prefeito de Ananindeua Daniel Santos (PSB), afastado do cargo por determinação judicial. As empresas possuem ou possuíram contratos com a Prefeitura e teriam pagado propinas ao prefeito. O dinheiro teria sido usado para quitar parcialmente alguns dos bens e produtos comprados por ele: fazendas, máquinas agrícolas, um avião, além de combustíveis. Os bens totalizam mais de R$ 26 milhões, em valores da época. No entanto, a teia de corrupção já comprovada pelo Gaeco, o grupo de combate a organizações criminosas do Ministério Público do Pará (MPPA), pode ser apenas a ponta de um iceberg: ainda não se sabe se outras empresas também participaram do esquema.

O DIÁRIO teve acesso à denúncia do MPPA à Justiça, que resultou no afastamento do prefeito. Ela se baseia em depoimentos de testemunhas e documentos cartorários e de transações bancárias e de aplicativos de mensagens, dentre outros. Através da documentação foi possível reconstituir a trilha do dinheiro: as empresas pagavam bens e produtos adquiridos pela Agropecuária JD, sediada no município de Tomé-Açu, que tem como único dono Daniel Santos. No entanto, a linha do tempo permite constatar que o esquema começou em 2020, quando Daniel era presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), e teve início o desvio de R$ 216 milhões do Iasep (o instituto de assistência ao funcionalismo estadual), para o Hospital Santa Maria de Ananindeua, que pertence ou pertenceu a ele.

As 7 empresas até agora envolvidas no esquema são a Edifikka Construra Ltda e DSL Construtora e Incorporadora Ltda, R. Souza&Cia Ltda, Martins Engenharia Eireli, Everest Empreendimentos Imobiliários Ltda, Altamed Distribuidora de Medicamentos Ltda e JR Investimentos. Duas delas, a Edifikka e a DSL, teriam ganhado licitações fraudulentas da Prefeitura, no valor de R$ 115 milhões. Elas pertencem ao empresário Danillo da Silva Linhares, ex-presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Pará (CREA-PA). A suposta quadrilha que realizava essas fraudes foi desbaratada, em setembro do ano passado, pela operação Aqueronte. E foi a partir da Aqueronte que o Gaeco começou a desenrolar o novelo que levaria ao afastamento de Daniel Santos.

Segundo o Gaeco, a quadrilha envolvia, além de Danillo Linhares e da DSL e Edifikka, o secretário municipal de Saneamento da época, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, e o ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação (CPL) da Prefeitura, Manoel Palheta Fernandes, ambos afastados de funções públicas, desde então, por ordem judicial. Na época, Manoel Fernandes, um dos principais suspeitos, figurava na Folha de Pagamentos da Prefeitura como “Assessor Estratégico” do Gabinete do prefeito, mas estaria lotado na Secretaria Municipal de Licitação. A quase totalidade das fraudes ocorreram na Sesan, a secretaria municipal de Saneamento; apenas uns R$ 5 milhões, na secretaria municipal de Saúde, a Sesau. Tanto Cavaleiro de Macedo quanto Danillo Linhares eram vizinhos do prefeito, em um condomínio de luxo, em Ananindeua.

Investigação e Desdobramentos da Operação Hades

As 7 empresas envolvidas na operação Hades, realizada pelo Gaeco anteontem (5), teriam pagado quase R$ 5,7 milhões em propinas a Daniel Santos, entre janeiro de 2023 e novembro de 2024. O dinheiro teria servido para quitar parte de três fazendas, com 3.800 hectares, no município de Tomé-Açu, cuja compra (parcelada) ele acertou em fevereiro de 2020. O advogado de Daniel na transação foi Hugo Atayde, então funcionário da Prefeitura de Ananindeua e hoje vice-prefeito, que assumiu o comando da prefeitura, com o afastamento de Daniel. O pagamento de uma dessas parcelas aos donos das fazendas foi realizado pela Edifikka. Há prints de mensagens de WhatsApp entre a empresária dona das terras, Daniel, Atayde e Danillo, que confirmam a transação, além de planilhas de pagamentos e comprovantes de transferências bancárias. Os pagamentos foram realizados a empresas indicadas pela empresária, aparentemente, para a aquisição de bens.

Mas, em março deste ano, ela procurou o MPPA, para relatar o caso, porque o prefeito teria ficado devendo uns R$ 4 milhões, dos R$ 16 milhões acertados pela venda das fazendas. Além disso, de acordo com os prints das conversas, a transação também teria envolvido milhões em dinheiro em espécie, pagos diretamente por Daniel, ou transferidos pelo Hospital Santa Maria. A entrada do pagamento, em 07/02/2020, data da assinatura do “contrato de gaveta”, foi de R$ 8 milhões. Só depois é que começaram os pagamentos pela Edifikka, que totalizaram R$ 170 mil e deixaram a empresária desconfiada quanto à origem desse dinheiro. Hoje, em valores atualizados pelo DIÁRIO, com base no IPCA de junho, essas terras valeriam mais de R$ 22 milhões. Elas ainda se encontram em nome da empresária. Lá, o prefeito possui rebanho bovino, mas ainda não se sabe o tamanho.

Já a DSL, também de Danillo Linhares, teria pago R$ 1,604 milhão em propinas, entre 2 e 5 de janeiro de 2023, através de transferências bancárias à Maia Aviation Importação e Exportação, da qual a Agropecuária JD adquiriu um avião, em dezembro de 2022. O valor da transação foi de R$ 10,9 milhões. A aeronave é um Cessna Aircraft, ano 1999, modelo Citation Jet, matrícula PS-FGK. Quatro transferências para a Maia Aviation, no valor de R$ 971 mil, no dia 13/01/2023, para pagar esse avião, também foram realizadas pela Everest Empreendimentos, outra das empresas enroladas no esquema de propinas. O mesmo foi feito pela Martins Engenharia: em 08/02/2023, ela transferiu R$ 284 mil à Maia Aviation, para pagamento da aeronave.   

Detalhes dos Pagamentos e Envolvimento de Empresas

No entanto, os maiores pagamentos à Agropecuária JD partiram da R. Souza& Cia Ltda: mais de R$ 2,351 milhões. Foram R$ 300 mil, em 07/02/2023, à Maia Aviation, para pagamento da aeronave; quase R$ 1,2 milhão em óleo diesel, entre 28/10/2022 e 22/11/2023, junto à Automix, para entrega à JD Agropecuária; e R$ 870 mil, em 31/07/2023, em máquinas agrícolas também entregues à Agropecuária JD. O dono da R. Souza&Cia Ltda, o empresário Ronaldo Souza, chegou a procurar o MPPA, para denunciar o caso, mas depois recuou, levantando suspeitas de pressões pelo prefeito. Ele contou que possuiu contratos com a Prefeitura, entre 2021 e 2023, para locação de imóveis, obras e fornecimento de tubos de concreto. Mas os pagamentos começaram a atrasar e o prefeito teria exigido o pagamento dessas propinas, para a liberação do dinheiro devido à empresa. No entanto, mesmo com o recuo do empresário, o MPPA obteve documentos que comprovam as transações.

Um desses documentos é uma declaração do próprio Daniel Santos, na qual ele esclarece à Maia Aviation sobre os pagamentos que não vieram de sua conta bancária ou da conta da Agropecuária JD. Na declaração, Daniel diz que os recursos, embora transferidos por terceiros, pertencem à Agropecuária JD. Entre essas transferências constam as realizadas pela R. Souza& Cia Ltda, DSL, Martins Engenharia e Everest Empreendimentos. E constam até transferências realizadas por outras empresas que, segundo o MPPA, também possuem contratos com a Prefeitura, mas nem sequer aparecem ainda nas investigações.    

Já as duas últimas empresas enroladas na operação Hades teriam pagado R$ 300 mil de propina, em 26/11/2024, para quitar a segunda parcela de uma fazenda adquirida pelo prefeito no município de Aurora do Pará. O pagamento foi realizado pela JR.P Investimentos, para dissimular a suposta propina paga pela Altamed, que possui mais de R$ 20 milhões em contratos com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), para o fornecimento de medicamentos e materiais hospitalares. Ambas as empresas, a Altamed e a JR.P pertencem ao mesmo empresário e até funcionam no mesmo endereço.

Patrimônio e Bens Adquiridos

Em reportagens do ano passado, o DIÁRIO mostrou o crescimento acelerado e do patrimônio do prefeito Daniel Santos. O jornal localizou, nos sistemas da Semas (a secretaria estadual de meio ambiente) cinco fazendas, que perfazem 1.800 hectares, registradas em nome da Agropecuária JD e da esposa de Daniel Santos, a deputada federal Alessandra Haber, e da mãe dele.

Além disso, localizou os registros de dois aviões, um deles adquirido pela Agropecuária JD, outro pelo Hospital Santa Maria, além de indícios de que Daniel Santos possuiria, na verdade, 5 mil cabeças de gado e 4.200 hectares de terras, conforme relatado por uma empresa de consultoria que realizou o planejamento das atividades da Agropecuária JD.

Publicações em redes sociais revelaram que Daniel Santos também criava cavalos de raça. E, em um cálculo por baixo, o DIÁRIO avaliou o patrimônio do prefeito em pelo menos R$ 50 milhões. Mas, agora se sabe, essa fortuna é bem maior. Afinal, como mostrou o MPPA, ele também adquiriu 3.800 hectares em Tomé-Açu, além dos 1.800 hectares localizados pelo jornal.

Sabe-se agora, também, que ele possui uma casa em um condomínio de luxo em Fortaleza, no estado do Ceará, que valeria cerca de R$ 2 milhões, cujo documento de entrega do imóvel foi apreendido na operação Hades. Além disso, só a coleção de relógios também apreendida na operação, valeria mais de R$ 2 milhões. Isso sem falar na fazenda de Aurora do Pará. E tudo isso em apenas 13 anos: em 2012, ao se candidatar a vereador pela primeira vez, Daniel declarou como bens apenas um veículo, que hoje valeria cerca de R$ 130 mil.