Pará

Qualificação garante resgate da cidadania dos Warao

Belém e Ananindeua possuem cerca de 700 indígenas refugiados, que participam de cursos para garantir renda e uma vida melhor no Estado. Artesanato se destaca entre as atividades. Foto: Reprodução
Belém e Ananindeua possuem cerca de 700 indígenas refugiados, que participam de cursos para garantir renda e uma vida melhor no Estado. Artesanato se destaca entre as atividades. Foto: Reprodução

Luiz Flávio

Indígena da etnia Warao, Mariluz Mariano, 31 anos, vive na comunidade de Beira Mar, chamada de “Warao Ajanoko”, localizada no distrito de Outeiro. Atualmente sua única fonte de renda é artesanato que faz para vender. Mas ela decidiu mudar de vida. Se motivou para fazer um curso de empreendedorismo digital para abrir novos caminhos e perspectivas profissionais.

“Como trabalho com artesanato, quero aprender a mexer em redes sociais para vender meu artesanato na Internet e ampliar meus horizontes e a minha renda”, diz. Mariluz é uma das alunas do curso Empreendedorismo Digital, dentro do programa de qualificação profissional “Donas de Si”, da Prefeitura de Belém. As aulas ocorreram no Centro de Educação Profissional Belém (CEP), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e encerraram no último dia 14. O programa foi realizado por meio do Banco do Povo.

A iniciativa conta com a articulação da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) e Fundação Papa João XXIII (Funpapa). Os 15 alunos que participam do curso são artesãos e pescadores. Eles esperam ampliar o acesso aos clientes com o auxílio de plataformas da internet.

“Nós, indígenas, somos seres humanos com ideias para seguir em frente. Queremos trabalhar para melhorar de vida”, afirmou o indígena Avílio Cardona. Outra aluna, Gardênia Coper, agradeceu pelo curso e disse que também quer apoio para empreender: “Me sinto muito feliz porque quero ter o meu próprio negócio. Com apoio, vou chegar aonde eu quero mais rápido”.

As mulheres Warao estão produzindo colares e roupas, enquanto os homens da etnia estão buscando o sustento na pesca, em Outeiro, onde boa parte deles reside. Os indígenas fazem esse tipo de curso pela primeira vez.

A responsável pelo escritório da ACNUR no Pará, Janaína Galvão, ressalta que, por muito tempo, o trabalho da Prefeitura se limitou ao assistencialismo, mas que hoje, vai além disso, com o olhar para realizações de longo prazo. “É muito importante dar perspectiva para que esses indígenas atinjam a autonomia financeira, por meio de ações de geração de renda”, coloca.

Para coordenadora-geral do Banco do Povo, Georgina Galvão, o objetivo da instituição é atender também aos indígenas paraenses que buscam meios de sobrevivência em Belém, especialmente aqueles que vêm estudar na capital e estão desprovidos de auxílio de ensino e aprendizagem devido aos cortes do governo federal.

O coordenador de Relacionamento com o Mercado do Senac, Márcio Takemura diz que o curso de Empreendedorismo Digital está em alta e que a negociação comercial por meio digital tem potencialidade de alcançar o maior número de clientes, em comparação ao meio presencial.

A turma de indígenas estreou o novo Espaço Multimeios Didáticos do Senac, que é equipado com recursos tecnológicos para uso dos alunos, como notebooks e tablets, projetor, um quadro interativo equivalente a uma tela de celular gigante e óculos de realidade virtual. O curso teve aulas de segunda a sexta-feira, das 13h30 às 17h30, até o dia 13 de dezembro.

Belém e Ananindeua abrigam cerca de 700 indígenas. Foto: Divulgação

Mariluz Mariano destaca que aprender a vender pela internet motiva demais. “Com certeza esse conhecimento não vai ser só para mim, mas para toda a comunidade, porque aqui na comunidade temos 25 artesãos, 23 mulheres e dois homens. Por isso que é importante aprender. Nós temos essa oportunidade de estar no curso. Espero que com esse curso o artesanato que produzimos tenha venda mais rápida. É o que eu quero: aprender a vender pela internet e que seja uma renda a mais para nossa família”, diz.

Maria Ligia Pérez García, 32, mora na Rodovia da Tapanã e diz que nunca sequer ouviu falar sobre empreendedorismo digital. “Esse curso é muito importante para mim. O professor também explicou pela primeira vez sobre marketing digital, falando palavras e expressões que a gente não conhecia. Assim se aprende, absorvendo cada vez mais conhecimento. Cada dia mais”, coloca.

A indígena ressalta ainda que durante o desenvolvimento do curso os alunos vão descobrindo “como a ação humana gera valor por meio da tecnologia digital”. Ela diz que aprende muito com os professores e colegas de curso. “Agora tenho que levar esse ensinamento para a comunidade, explicar sobre empreendedorismo digital, ensinar crianças pequenas sobre como ter uma profissão no futuro”, comemora.

 

PARA ENTENDER

  • Atualmente, só nos municípios de Belém e Ananindeua, existem indígenas Warao distribuídos em oito comunidades envolvidas em ações de fortalecimento comunitário para assegurar direitos básicos, como educação, moradia, emprego e renda. Segundo o Acnur, em todo o estado do Pará são mais de mil indígenas refugiados dessa etnia.
  • Desde o ano passado, o IIEB, em parceria com o Acnur, desenvolve o projeto “Povo das Águas: participação, trabalho e meios de vida”, que busca contribuir para inserção dessas pessoas em atividades produtivas que gerem renda, como inserção no mercado de trabalho formal e fortalecimento de cadeias produtivas do artesanato, além de fortalecer a organização comunitária dos indígenas por garantia de direitos.
  • Em 2021, o projeto realizou um mapeamento para identificar o perfil de trabalho das pessoas, as experiências e qualificações profissionais que possuem. O resultado revelou que a maioria acumulou diversas experiências de trabalho ao longo do deslocamento, além de possuir interesse por profissionalização e inserção em diferentes áreas. O resultado completo desse mapeamento está disponível no site do IEB.
  • Neste ano, mais de 100 pessoas já participaram de mutirões de elaboração de currículos e emissão de carteira de trabalho digital. O banco de currículos, atualizado pelo projeto, é compartilhado com empresas da região.
  • Além das ações de empregabilidade e empreendedorismo, o projeto Povo das Águas também tem ações para o fortalecimento comunitário e, para isso, conta com a participação de oito articuladores indígenas Warao que atuam nesta e em outras linhas do projeto.
  • Uma das ações nesta linha é a Escola de Formação de Lideranças Indígenas, organizada pela ACNUR, em parceria com o IEB, Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE) e Centro Universitário do Pará. A escola já contou com aulas de lideranças da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e indigenistas de diferentes regiões do país.
  • Os cerca de 30 indígenas Warao que participam da escola de lideranças estão trabalhando no módulo “Acesso à terra, à justiça e à moradia”, com exposição e discussão de conteúdos em sala de aula e outras atividades nas comunidades. Ao todo, mais de 100 indígenas estão envolvidos, direta ou indiretamente, nessas atividades.